quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
do p.A.Vieira - dificuldades do amor
-"Primeiramente, parece que é mais dificultoso amar a quem me aborrece, do que aborrecer a quem me ama. Provo. O agravo com que me ofende o inimigo , é dor no coração próprio; a correspondência com que falto ao amigo, é dor no coração alheio; e no remédio da dores sempre se acode primeiro à que mais lastima, e sempre é mais sensitiva a que está mais perto. Logo mais natural é no homem o ódio ao inimigo, que o amor ao amigo; porque no ódio ao inimigo acode-se à dor própria com a vingança; no amor ao amigo acode-se à dor alheia com a correspondência. Mais. Quando amamos a quem nos ama, governa-se a vontade pela razão; quando aborrecemos a quem nos aborrece, move-se o apetite pela ira; e os ímpetos da ira sempre são mais fortes que os impulsos da razão: sempre obram mais eficazmente os ofendidos, que os obrigados; porque a ofensa corre por conta da honra; a obrigação por conta do agradecimento: e mais sofrível é o nome de desagradecido que a nota de afrontado. Mais ainda. Quando amo a quem me ofendeu, pago o que devo; quando me vingo de quem me ofendeu, pagam-me o que me devem; e quem há que não seja mais inclinado a receber a satisfação, que a pagar a dívida? Mais dificultoso é logo deixar de aborrecer a quem nos aborrece, que deixar de amar a quem nos ama. Só parece que está a experiência contra esta resolução; porque sendo no mundo mais as ofensas que os benefícios, são mais as ingratidões que as vinganças: logo os homens naturalmente parece que são mais ingratos que vingativos. Mas não é assim. Porque para a vingança é necessário poder, e para a ingratidão basta a vontade. E se é menor o número das vinganças, é por serem os homens menos poderosos, e não por serem menos inimigos."
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