sexta-feira, 17 de setembro de 2010

do p.A.Vieira - no sermão de Santo Inácio

        -" Santo Inácio nunca teve dous rostos, quanto mais tantos. Foi cortesão, foi soldado, foi religioso, e nunca mudou de cores, nem de semblante. Serviu em palácio a el-rei Dom Fernando, o Católico, e a sua maior gala era trajar sempre da mesma cor, e trazer o coração no  rosto. Os amigos viam-lhe no rosto o amor; os inimigos a desafeição; o príncipe a verdade; e ninguém lisonja. Quando soldado, nunca entre as balas mudou as cores: na comédia e na batalha estava com o mesmo desenfado. Teve uma pendência com certo poderoso, e diz a história, que contra uma rua de espadas, sem fazer um pé atrás se sustentou só com a sua: o braço mudava os talhos e os reveses; mas o rosto mão mudou as cores. Depois de religioso, ficou fora da jurisdição da Fortuna; mas nem por isso fora das variedades do mundo. Era porém tão igual a constância e serenidade de seu ânimo, que ninguém lhe divisou jamais perturbação, nem mudança no semblante: o mesmo nos sucessos prósperos, o mesmo nos adversos; nos prósperos, sem sinal de alegria: nos adversos, sem sombra de tristeza. Pois se Inácio teve sempre o mesmo rosto, cortesão, soldado, religioso: se teve sempre, e conservou o mesmo semblante; como agora se transfigura em tantas formas ? Como se transforma em tantas figuras quando querem copiar o seu retrato? Por isso mesmo. Era Inácio um, mas semelhante a muitos: e quem era semelhante a muitos, só se podia retratar em muitas figuras."

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