sexta-feira, 22 de abril de 2011
do p.A.Vieira - no sermão de N-ª Srª da Graça (cont.)
A graça dos reis e´ data da fortuna; a graça de Deus e´ premio de merecimento; e esta so´ propriedade, quando nao houvera outra, bastava para a fazer de suma estima. A graça dos reis, ainda que façaIs pela merecer, nem por isso a conseguis; antes muitas vezes a logram mais os que a merecem menos: a graça de Deus, se fizerdes pela merecer, nao vo-la pode Deus negar. A graça dos reis, para ser mudavel, bastava fundar-se em vontade humana; mas funda-se em vontades coroadas, que, como sao as mais livres, sao tambem as mais indiferentes, por nao dizer as mais inconstantes: a graça de Deus, funda-se em vontade divina,que, commo nao pode errar a eleiçao , nao pode mudar o afecto. A graça dos reis poucas vbezes dura tanto como a vida do valido, e quando dura quanto pode, acaba com a vida do rei: a graça de Deus cresce na vida, e confirma-se na morte; da parte do homem e´ imortal, porque se funda na alma; da parte de Deus e´ eterna, porque e´ graça de Deus. A graça dos reis dizem que e´ uma grande altura: a graça de Deus e´certo que e´ posto muito alto; e ainda que ambas estao juntas aos precipicios, da graça de Deus podeis cair, da graça dos reis podem-vos derrubar. A graça dos reis pode-vo-la tirar a calunia; a graça de Deus so´ vo-la pode tirar a culpa. Da graça e da privança do rei pode-vos tirar o rei todas as vezes que quiser a graça e a privança de Deus nem o mesmo Deus vo-la pode tirar, sem vo´s quererdes; e se quiserdes, sera´ muito o seu desprazer. A graça dos reis, depois de perdida, nao se recupera com rogos: a graça de Deus, se a perdeis, o mesmo Deus vos roga que torneis a ela. Depois de perdida a graça dos reis, fica o pesar sem remedio: depois de perdida a graça de Deus, nao e´ necessario outro remedio mais que o pesar: pesou-vos, estais outra vez na graçal. A graça dos reis da´-se aos ditosos, de que depois se hao-se fazer os arrependidos, que desde logo começam a ser ditosos; a ambas as graças anda junto o arrependimento; mas as dos reis tem-no depois: a de Deus antes. A graça dos reis e´ graça sem sacramentos: a graça de Deus tem sete: tem baptismo para o inocente, e tem penitencia para o culpado; tem confirmaçao para a vida, e tem extrema-ençao para a morte; tem ordem para o eclesiastico, e tem matrimonio para o leigo; e finalmente tem comunao para todos. Sete portas nos deixou abertas Deus para entrarmos `a sua graça, e nenhum dos que entram por elas as pode fechar ao outro. So´ em uma cousa se parece a graça de Deus com a dos reis, e e´, que ambas mudam os homens: uns e outros nao sao os que dantes eram; mas com esta diferença: os que se veem na graça dos reis, esquecem-se do que foram, e tambem se esquecem do que podem vir a ser; e os que andam na graça de Deus, de nenhuma cousa se lembram, senao do que hao de vir a ser, e nenhuma cousa lhes da´ pena, senao a lemgraça do que foram. Finalmente a graça dos reis nao pode dar Paraiso; tira´lo sim: a graça de Deus e´ a que so´ da´ o Paraiso, e so´ a falta dela o Inferno.
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