domingo, 28 de fevereiro de 2010
do p.A.Vieira- só a alma não tem por que se trocar
Todas as cousas deste mundo têm outra por que se possam trocar. O descanso pela fazenda, a fazenda pela vida, a vida pela honra, a honra pela alma ; só a alma não tem por que se trocar. E sendo que não há no mundo cousa tão grande por que se possa trocar a alma, não há cousa no mundo tão pequena e tão vil , por que a não troquemos, e a não dêmos. Ouvi uma verdade de Séneca, que por ser de um gentio, folgo de a repetir muitas vezes. "Não há cousa para connosco mais vil, que nós mesmos ". Revolvei a vossa casa, buscai a cousa mais vil de toda ela, e achareis que é vossa própria alma. Provo. Se vos querem comprar a casa, o canavial, o escravo, ou o cavalo, não lhe pondes um preço muito alevantado e não o vendeis muito bem vendido ! Pois se a vossa casa, e tudo o que nela tendes, o não quereis dar, senão pelo que vale ; a vossa alma, que vale mais que o mundo todo ; a vossa alma, que custou tanto como o sangue de Jesus Cristo, porque a haveis de vender tão vil e tão baixamente ? Que vos fez , que vos desmereceu a triste alma ? Não a tratareis sequer como o vosso escravo, e como o vosso cavalo ? Se vos perguntam acaso, porque não vendeis a vossa fazenda por menos do que vale, dizeis que a não quereis queimar. E quereis queimar a vossa alma ? Ainda mal, porque a haveis de queimar, e porque há.de arder eternamente."
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
do p.A.Vieira - naquela área..
Naquelas searas, naquelas vinhas, naqueles olivais, de que se tiram os rendimentos para as igrejas, e seus ministros, aqui é que mais repara o meu temor, e receio que aqui tropecem os cavalos, se embarace o cocheiro, e se descomponham as rodas. O fundamento que tenho para assim o temer e cuidar, é, que quando ouço falar nos vossos provimentos, ou promoções, só se estimam os despachos, e se avaliam os lugares pelo que rendem. A um grão príncipe desta Itália pediu um eclesiástico seu vassalo que lhe fizesse mercê de certa igreja. E quanto rende essa igreja ? perguntou o príncipe. Sereníssimo, respondeu o pretendente, rende oitocentos até mil escudos. Bem está, não é muito o rendimento. E fregueses tem ? tornou o príncipe a perguntar. E como o pretendente dissesse que não sabia, o despacho com última e severa resolução foi este : E vós sabeis a conta aos escudos que haveis de comer, e não sabeis o número às almas que haveis de curar? Pois não sois digno de ter igreja, nem de a pretender diante de mim ; ide embora. Oh se todos os que fazem semelhantes provimentos, fizessem este exame ; e se ao menos o fizessem os que os pretendem, e são providos! Por isso guardam os escudos, e não guardam as ovelhas : mercenários, e não pastores ou tosquiadores, que é pior. Estas são as contas que se fazem, sem se fazer conta da que se há-de dar a Deus, quando a pedir do preço do seu sangue. Mas aqueles que só se governam pelo "ardor habendi" , irão arder onde ele os leva. Aqui irá parar a alegria dos bons despachos, e os falsos parabéns dos que os recebem, tão falsos como os dos que os dão.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
do p.A.Vieira
-"Porque na estimação do avarento não há outro Deus mais que o dinheiro ; e nele, commo diz o nosso Poeta português, adora mais os cunhos que a cruz. A quarta e última roda é o esquecimento da morte ; mortis oblivio ; porque o avarento não se lembra que tudo que guarda e ajunta, mais tarde ou mais cedo cá há de ficar; e como tem o coração onde tem o tesouro, mais quer entesourar na terra, que depositar no céu. Os dous cavalos que tiram por esta carroça, e os dous jumentos, como lhes chama o santo, são a rapacidade, e a tenacidade ; porque o avarento com a rapacidade apanha, junta, e rouba quanto pode, e não pode : e com a tenacidade, retém, conserva, e aferrolha tudo de tal arte, que nenhuma cousa lhe sai da mão. Finalmente, o cocheiro que governa esta carroça, estas rodas, e estes dous brutos, já largando as rédeas a um, já estreitando-as a outro, é o apetite insaciável de ter."
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
do p.A.Vieira - os cobiçosos e os avarentos
-"A diferença entre o cobiçoso e o avarento, é, que o cobiçoso quer o dinheiro para o gastar, o avarento quer o dinheiro para o guardar. O cobiçoso, ou seja liberal ou pródigo, contanto que não seja avarento, quer ter dinheiro para ter outras cousas ; o avarento quer ter dinheiro só para ter : e como o cobiçoso usa do dinheiro como meio e instrumento para conseguir outros fins, e o avarento não tem outro fim em ter dinheiro, senão o ter, e faz do mesmo dinheiro o seu último fim ; daqui se segue que o cobiçoso não é idólatra, e o avarento sim ; porque o último fim natural e sobrenatural de todas as cousas é Deus ; e quem tem por último fim qualquer outra cousa que não seja Deus, é idólatra."
sábado, 13 de fevereiro de 2010
do p.A.Vieira - podeis subir
- "...na corte da cidade santa, onde estamos. Em todas as outras cortes podem os cortesãos aspirar a subir, mas não ao pináculo. Podem aspirar à grandeza, mas não à majestade ; ao título mas não à coroa. O fidalgo particular pode aspirar a conde, o conde a marquês, o marquês a duque; e aqui pára o desejo, porque o ser rei está fora da esfera da ambição. Nesta corte não é assim. Da sotaina podeis subir à murça, da murça ao mantelete, do mantelete à mitra, da mitra à púrpura, e da púrpura à tiara. "
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
do p.A.Vieira - para ser sublimado
-"Para um sujeito ser sublimado ao lugar mais alto da igreja, que qualidades são as que se requerem ? Requer-se, ainda que menos, a nobreza do nascimento, requer-se o exemplo da vida, requer-se o exercício das virtudes, requer-se o espírito muito provado, e requerem-se finalmente as letras não só sabidas, mas praticadas."
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010
do p.A.Vieira - o peso da alma
-"Ah idólatras do mundo, que tantas vezes dais a alma e dobrais o joelho ao demónio, não pelo mundo todo, senão por umas parte tão pequenas dele, que nem migalhas do mundo se podem chamar! Quantos príncipes dão a alma, e tantas almas ao demónio por uma cidade, por uma fortaleza ? Quantos títulos por uma vila ? Quantos nobres por uma quinta, por uma vinha por uma casa ? Que palmo de terra há no mundo que não tenha levado muitas almas ao inferno, pela demanda, pelo testemunho falso, pela escritura suposta, pela sentença injusta, pelos ódios, pelos homicídios, e por infinitas maldades? Se o mundo todo não pesa uma alma, como pesam tanto estes pedacinhos do mundo ? Barro alfim. Deitai ao mar um vaso de barro inteiro, nada por cima da água : quebrai esse mesmo vaso , fazei-o pedaços, e todos, até o mais pequeno, se vão ao fundo. Se o mundo todo inteiro pesa tão pouco, como pesam tanto estes pedacinhos do mundo, que todos se vão ao fundo, e nos levam a alma após si ?"
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
do p.A.Vieira - encobrir a mercadoria
-"Certo que andou o demónio muito néscio em mostrar o mundo e suas glórias a quem queria tentar com elas. Havia de encobrir a mercadora, se queria que lha comprassem. O mundo prometido, forte tentação parece; mas visto não é tentação. Quereis que vos não tente o mundo, ou que vos não vença, se vos tentar ? Olhai bem para ele. Mordiam as serpentes no deserto venenosamente aos filhos de Iarael : e que fez moisés ? Mandou levantar em lugar alto uma daquelas serpentes feita de bronze : olhavam para ela os mordidos, e saravam. Todos nesta vida andais mordidos do valimento, outros mordidos da ambição, outros mordidos da honra, outros mordidos da inveja, outros mordidos do interesse, outros mordidos da afeição ; enfim todos mordidos. Pois que remédio para sarar destas mordeduras do mundo ? Pôr o mesmo mundo diante dos olhos, e olhar bem para ele. Quem haverá que olhe para o mundo com os olhos bem abertos, que veja como todo é nada, como todo é mentira, como todo é inconstância, como hoje não são os que que ontem foram, como amanhã não hão-de ser os que hoje são, como tudo acabou, e tudo acaba, como todos havemos de acabar, e todos imos acabando ; enfim, que veja ao mundo bem como é em si, que se não desengane com ele, e se não desengane dele ? A serpente de Moisés era de bronze ; o mundo também é serpente, mas de barro, mas de vidro, mas de fumo, que ainda são melhores metais para o desengano."
sábado, 6 de fevereiro de 2010
do p.A.Vieira - as glórias
-" Mas ainda que autorizadas com tão especioso nome(as glórias), nenhum poder fazem à balança porque são tão vãs como o mesmo mundo, e ainda mais, se pode ser. E se não discorrei por elas com qualquer átomo de consideração. O que mais pesa, e o que mais luz no mundo, são as riquezas. E que cousa são as riquezas, sendo um trabalho para antes, um cuidado para logo, e um sentimento para depois ? As riquezas, diz S.Bernardo, adquirem-se com trabalho, conservam-se com cuidado, e perdem-se com dor. Que cousa é o ouro e a prata, senão uma terra de melhor cor ? E que cousa são as pérolas e os diamantes, senão uns vidros mais duros ? Que cousa são as galas, senão um engano de muitas cores ? Cabelos de Absalão, que pareciam madeixas, e eram laços. Que cousa é a formosura, senão uma caveira com um volante por cima ? Tirou a morte aquele véu, e fugis hoje do que ontem adoráveis. Que cousa são os gostos senão as vésperas dos pesares ? Quem mais as canta, esse as vem a chorar mais. Que cousa são as delícias senão o mel da lança de Jónatas? Juntamente vai à boca o favo e o ferro. Que cousa são todos os passatempos da mocidade, senão arrependimentos depositados para a velhice ? E o melhor bem que podem ter, é chegarem a ser arrependimentos. Que cousa são as honras e as dignidades, senão fumo ? Fumo que sempre cega, e muitas vezes faz chorar. Que cousa é a privança, senão um vapor de pouca dura ? Um raio do sol o levanta, e outro raio o desfaz. Que cousa são as provisões e os despachos grandes, senão umas cartas de Urias ? Todas parecem carta de favor ; e quantas foram sentença de morte ! Que cousa é a fama, senão uma inveja comprada ? Uma funda de David que derriba o gigante com a pedra, e ao mesmo David com o estalo. Que cousa é toda a prosperidade humana, senão um vento que corre todos os rumos ? Se diminui, não é bonança ; se cresce, é tempestade. Finalmente, que cousa é a mesma vida, senão uma alâmpada acesa, vidro e fogo ? Vidro, que com um assopro se faz : fogo, que com um assopro se apaga."
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
do p.A.Vieira - os ecos
-" O eco sempre repete o que diz a voz, nem sabe dizer outra cousa; e onde as concavidades são muitas, é cena verdadeiramente aprazível ver como os ecos se vão respondendo sucessivamente uns aos outros, e todos sem discrepância dizendo o mesmo. O que disse a primeira voz, é o que todos uniformemente repetem. E isto que faz a natureza nos bosques, faz a adulação nos palácios, diz Agostinho. Diz o rei que quer fazer uma guerra: e ainda que a empresa seja pouco provável, e o sucesso de perigosas consequências, que respondem os ecos? Guerra,guerra, guerra. Diz que quer fazer uma paz; e ainda que a ocasião seja intempestiva, e os pactos e condições pouco decorosas, que respondem, os ecos? Paz, paz, paz. Diz que quer enriquecer o erário, e para isso multiplicar tributos, e ainda que os fins ou pretextos tenham mais de vaidade que de utilidade, que respondem os ecos? Tributos, tributos, tributos."
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
do p.A.Vieira - a aranha
-"A aranha,diz Salomão, não tem pés e sustentando-se sobre as mãos, mora nos palácios dos reis. Bom fora que moraram nos palácios dos reis e tiveram neles grande lugar os que só têm mãos. Mas a aranha não tem pés, e tem pequena cabeça, e sabe muito bem o seu conto.Sobe-se mão ante mão a um canto dessas abóbadas douradas, e a primeira cousa que faz, é desentranhar-se toda em finezas. Com estes fios tão finos, que ao prícípio mal se divisam, lança suas linhas, arma seus teares, e toda a fábrica se vem a rematar em uma rede para pescar e comer. Tais são (diz o rei que mais soube) as aranhas de palácio. Quem vir ao princípio as finezas com que todos se desfazen e desentranham em zelo do serviço do príncipe, parece que o amor do mesmo príncipe é o que unicamente os trouxe ali ; mas depois que armaram os teares como tecedeiras, e as redes como pescadores, logo se descobre que toda a teia por mais fina que parecesse, era urdida, e endereçada a pescar, e não a pescar moscas.E senão veja-se o que todos pescam.As melhores comendas, os títulos, as presidências, os senhorios, e talvez, diz o mesmo Salomão, que sendo a malha tão miúda, pescam o mesmo dono da casa."
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
de Sócrates - benevolência de aduladores
-"À benevolência dos aduladores dá-lhe logo as costas, e foge deles como de inimigos, porque te não suceda algum infortúnio dos que a adulação traz sempre consigo."
de Pitágoras
-" Gosta antes dos que te argúem, que dos que te adulam, e tem maior aversão aos aduladores, que aos inimigos, porque são piores."
do p.A.Vieira - amor dos vassalos
-"Como o amor dos vassalos é dívida, nem os reis ficam obrigados à paga, nem os vassalos têm acção para a desejar nem pedir. Daqui se segue aquela grande dor (por lhe não chamar injustiça) de que tenha mais ventura com os reis o servir, que o amar: porque os serviços alguma vez são premiados, amor nunca é correspondido."
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