domingo, 18 de abril de 2010
do p.A.Vieira - Olhai para ver ?
- " Intuemini, ad videndumar : olhai para ver ? Porque assim como há muitos que olham para cegar, que são os que olham sem tento ; assim há muitos que vêem sem olhar, porque vêem sem atenção. Não basta ver para ver, é necessário olhar para o que se vê. Não vemos as cousas que vemos ; porque não olhamos para elas. Vemo-las sem advertência, e sem atenção, e a mesma desatenção é a cegueira da vista. Divertem-nos a atenção os pensamentos ; suspendem-nos a atenção os cuidados ; prendem-nos a atenção os afectos ; e por isso vendo a vaidade do mundo, imos após ela, como se fora muito sólida : vendo o engano da esperança, confiamos nela, como se fora muito certa :vendo a fragilidade da vida, fundamos sobre ela castelos, como se fora muito firme : vendo a inconstância da fortuna, seguimos suas promessas, como se foram muito seguras : vendo a mentira de todas as cousas humanas, cremos nelas como se foram muito verdadeiras. E que seria se os afectos que nos divertem a atenção da vista, fossem da casta daqueles que tanto divertiram e perturbaram hoje a dos escribas e fariseus ? divertia-os o ódio ; divertia-os a inveja ; divertia-os o interesse ; divertia-os a soberba ; divertia-os a autoridade e ostentação própria : e como estava a atenção tão divertida, tão embaraçada, tão perturbada, tão presa, por isso não viam o que estavam vendo : Ut videntes caeci fiant. "
do p.A.Vieira - Paremos a esta porta...
- "Paremos a esta porta ainda das telhas abaixo. Andam os homens cruzando as cortes, revolvendo os reinos, dando voltas ai mundo ; cada um em demanda das suas pretensões, cada um para se introduzir ao fim dos seus desejos ; todos aos encontrões uns sobre os outros ; os olhos abertos, a porta à vista, e ninguém atina com a porta. Andais buscando a honra com olhos de lince ; e sendo que para a verdadeira honra não há mais que uma porta ( que é a virtude ) ninguém atina com a porta. Andai-vos desvelando pela riqueza com mais olhos que um Argos ; e sendo que a porta certa da riqueza não é acrescentar fazenda, senão diminuir cobiça, ninguém atina com a porta. Andai-vos matando por achar a boa vida ; e sendo que a porta direita por onde se entra à boa vida, é fazer boa vida, ninguém atina com a porta. Andai-.vos cansando por achar o descanso ; e sendo que não há, nem pode haver outra porta para o verdadeiro e seguro descanso, senão acomodar com o estado presente, e conformar com o que Deus é servido, não há quem atine com a porta. Há tal desatino ! Há tal cegueira ! Mas ninguém vê o mesmo que está vendo ; porque todos, desde o maior ao menor, somos como aqueles cegos : Percusserunt eos caecitate a maximo usque ad minorem. "
do p.A.Vieira - Senhores meus...
- " Senhores meus, as boas obras são a alma da fé ; fazei-as, mas guardai-as dos olhos, que a mesma fé é cega. Faça a virtude por cautela o que faz o vício por vergonha : Qui male agit, odit lucem, diz Cristo. Quem faz mal, foge da luz, e não quer que o vejam, porque faz mal : quem faz bem, fuja também da luz, e não queira sr visto, porque faz bem. "
do p.A.Vieira- a maior graça da natureza...
- " A maior graça da natureza, e o maior perigo da graça, são os olhos. São duas luzes do corpo, são dous laços da alma. Mas como os mesmos olhos ou são os próprios, com que vemos, ou os alheios, com que somos vistos ; questão pode ser não vulgar, e útil curiosidade, saber quais deles sejam o maior laço, e o maior perigo. Eu em tanta estreiteza de tempo não o tenho para disputar : e assim digo resolutamente, que o maior perigo, e o maior laço são os olhos alheios, E porquê ? Porque sendo tão natural no homem o desejo de ver, o apetite de ser visto, é muito maior. "
sábado, 17 de abril de 2010
do p.A.Vieira - A virtude
-" A virtude é como o segredo : oculto, conserva-se ; manifesto, perde-se."
do p.A.Vieira - Pois senhores...
- " Pois senhores, se tendes tão boa terra em que semear, porque a deixais estar muitas vezes erma e devoluta ? S. Joaquim,cujo dia celebramos hoje, repartia a sua fazenda em três partes, e uma era para os pobres. Com menos me contento. Aquele semeador do Evangelho semeou em quatro partes : nas pedras, nas espinhas, no caminho e na terra boa. Já que se semeia tanto nas espinhas, que são os vícios, já que se semeia tanto na rua, que é a vaidade, já que se semeia tanto nas pedras , que é o que levam os ingratos , porque se não semeará a quarta parte na terra boa, que são as mãos dos pobres ? Porque se não semeará alguma parte dos bens nesta terra boa, que multiplica cento por um ? Fecit fructum centuplum ? "
do p.A.Vieira - outros dirão
- " Outros dirão que para ter muito, o melhor remédio é tê-lo, guardar, poupar, não gastar, morrer de fome, e matar à fome ; porque dizem que muito mais cresce a fazenda com poupar muito, que com ajuntar muito. Este meio eu confesso que é muito bom ; mas bom para ajuntar fazenda para outros, e não para si, porque o que eu poupo, e o que não gasto, não é meu, é daqueles a quem eu o hei-de deixar, e depois o hão-de gastar muito alegremente. E poupar e morrer de fome, para que outros vivam e alardeiem, é uma avareza muito louca. "
do p.A.Vieira - outros dirão
- " Outros dirão que é bom meio servir a el-rei em algum posto grande, ou muito junto a ele, ou muito afastado dele ; que estes são os postos em que os homens se aproveitam. Dizem que o rei se há-de tratar como o fogo ; nem tão perto que queime , nem tão longe que não aquente. Às avessa há-de ser. Do rei, ou muito perto ou muito longe. Se tendes posto muito perto ao rei, tudo se vos sujeita, tudo vos vem às mãos ; e se tendes posto muito longe do rei, tudo vós sujeitais, e em tudo vós meteis a mão. Este modo de acrescentar fazenda, não há dúvida que é muito pronto, e muito efectivo, e também me atrevera eu a dizer que era bom, se neste mundo não houvesse uma conta, e no outro mundo outra. Se no outro mundo não houvera Inferno, e neste mundo não houvera justiça, era muito bom ; mas nesta vida limoeiro e na outra vida fogo eterno ; nesta vida confiscado, e na outra vida queimado ; não é bom modo de ganhar. "
do p.A.Vieira- temos dito ....
-" Temos dito o primeiro alvitre que prometemos, que é como havemos de alcançar o pão : vamos agora ao segundo, como havemos de alcançar muito. Oh que ponto este para os cobiçosos, e para os avarentos ! Se eu os consultasse a eles do remédio para acrescentar pão, para multiplicar fazenda ; uns haviam de dizer que negociar, e melhor que tudo, negociar para o Maranhão, porque o que em Portugal vale dous, aqui se vende por vinte. Este meio será muito bom, quando no mundo não houver quatro cousas : quando em Zelândia não houver pechilingues ; quando em Argel não houver turcos ; quando na agulha de marear não houver suestes ; e quando na costa do Maranhão não houver baixios. Mas enquanto há estas quatro cousas, é muito arriscado modo de ganhar esse. "
sexta-feira, 16 de abril de 2010
do p.A.Vieira - A maior pensão..."
- " A maior pensão com que Deus criou o homem, é o comer. Lançai os olhos por todo o mundo, e vereis que todo ele se vem a resolver em buscar o pão para a boca. Que faz o lavrador na terra, cortando-a com o arado, cavando, regando, mondando, semeando ? Busca pão. Que faz o soldado na campanha, carregado de ferro. vigiando, pelejando, derramando o sangue ? Busca pão. Que faz o navegante no mar, içando, amainando, sondando,lutando com as ondas, e com os ventos ? Busca pão.O mercador nas casas de contratação, passando letras, ajustando contas, formando companhias ? O estudante nas universidades, tomando postilas, revolvendo livros, queimando as pestanas ? O requerente nos tribunais, pedindo, alegando, replicando, dando, prometendo, anulando ? Busca pão. Em buscar pão se resolve tudo, e tudo se aplica a o buscar. Os pobres dão pelo pão o trabalho ; os ricos dão pelo pão a fazenda ; os de espíritos generosos dão pelo pão a vida ; os de espíritos baixos dão pelo pão a honra ; os de nenhum espírito dão pelo pão a alma, e nenhum homem há que não dê pelo pão e ao pão todo o seu cuidado. Parece-vos que tenho dito muito? Pois ainda não está discorrido tudo. "
do p.A.Vieira - Aos vícios coroados
- " Aos vícios coroados chamou a Igreja vitiorum monstra ; não vícios de qualquer modo, senão monstros : e a montaria destes monstros e também a altanaria deles é a que se faz nos desertos só por só com Deus. Ali se quebram as asas à vaidade, ali se dá em terra com a soberba,ali se atalham os passos à cobiça, ali se cortam as mãos à vingança, ali cai em si a injustiça e a sem razão, ali morre e se desfaz, escumando, a ira e todos os outros monstros da intemperança poderosa e sem freio, ou se matam, ou se afugentam, ou se domam."
do p.A.Vieira - Para receber
-" Para receber e perceber a santidade e espírito das leis divinas, é necessário que os ânimos estejam puros e sem mistura, nem mancha dos afectos e cuidados terrenos, que os descompõem e alteram : e esta pureza, tranquilidade, e serenidade de ânimo, não a pode haver entre a perturbação e tumulto dos povos, e labirinto das cidades, senão no retiro dos montes, e na quietação e silêncio dos desertos. As leis de Deus são as regras da vida, os espelhos da alma, e as balanças da consciência ; e no meio dos embaraços, encontros, e batalhas contínuas do povoado, as regras perdem a rectidão, os espelhos a pureza, as balanças a igualdade, e tudo de descompõe e perturba ; com que não é possível ( diz Filo ) que nem o que Deus manda se perceba, nem o que mal se percebe se guarde. "
quinta-feira, 15 de abril de 2010
do p.A.Vieira - trabalhei,diz Séneca
- Trabalhei, diz (Séneca) , com todas as minhas forças para me separar do número dos muitos, e por fazer alguma obra notável, a qual me servisse de dote para o crédito e estimação do mundo. E que tirei deste meu trabalho ? Quid aliud quam telis me opposui, et malevolentiae, quod moderet, estendi : O que tirei foi provocar contra mim, e expor o peito às lanças, e dar matéria à malevolência em que empregasse os dentes, e tivesse que morder. E porquê ? Dá a razão, apontando-a com o dedo : Vides tu istos, qui eloquentiam laudant, qui opes sequuntur, qui gratiae adulantur, qui potentiam extollunt ? Omnes aut sunt hostes, aut (quod ub aequo est) esse possunt : Vês tu estes que louvam a eloquência, que seguem a cobiça, que adulam a graça, que adoram a potência ? Pois sabe que todos ou são inimigos, ou o podem ser, que vale o mesmo ; Quam magnus mirantium, tam magnus invidentium populus est : Quão grande é o povo dos que te admiram, tão grande é o número dos que te invejam. A admiração estará por algum tempo suspensa e muda, como costuma ; mas a inveja reconcentrada rebentará com mais força como de mina, e o que foram aplausos, serão estragos. Antes nos tenham inveja, que compaixão."
do p.A.Vieira - já se não contentam os homens...
-" Já se não contentam os homens com fazer desumanidades, mas chegam a fazer desumanos, que é muito pior. Fazer desumanidades é ser cruel, fazer desumanos é não ser homem : antes ser o contrário de homem. Se víssemos que o Sol, devendo alumiar, escurecia, e que o fogo, devendo aquentar, esfriava, e que um homem em lugar de gerar homens, gerava tigres e serpentes, não seria uma horrenda monstruosidade ? Pois isso é o que fazem os homens. Não só têm, desumanado a sua, mas desumanam a humanidade daqueles que os tratam. Vede se é prudência fugir dos homens, quem quiser conservar o ser de homem."
do p.A.Vieira- nunca saí a tratar dos homens...
-" Nunca saí a tratar dos homens, que não tormasse pior do que fui, Sempre se me descompôs alguma das paixões que já tinha composto, e sempre tornei a trazer comigo algum dos vícios que já tinha desterrado. Cuidarás porventura, que te hei-de dizer, que torno mais avarento, mais ambicioso, mais incontinente ? Pois sabe ( o que não imaginas ) que também torno mais cruel e mais desumano, só porque estive entre homens."
quarta-feira, 14 de abril de 2010
do p.A.Vieira - dizem finalmente...
-" Dizem, finalmente, que deixar a corte, o serviço dos príncipes, e a benevolência , e graça dos amigos, é falta de juízo, e rematada loucura. Assim o digo, porque assim lho ouvi dizer. Mas a esta censura, que mais pertence aos médicos, que aos teólogos, responderá Hipócrates. Demócrito, aquele famoso filósofo, que de tudo se ria, e fez chorar a Alexandre Magno, por dizer que havia mais mundos, cansado de zombar dos despropósitos deste, que tão mal conhecemos, deixou a pátria e todo o povoado, e foi-se meter em um deserto. Correu logo fama, que Demócrito endoudecera, e compadecidos os seus naturais, que eram os Abderitas, mandaram rogar por uma embaixada a Hipócrates, que pelo amor que tinha e honra que fazia às ciências, se dignasse de querer ir curar um sujeito tão notável e tão benemérito delas. E que vos parece que responderia Hipócrates ? Respondeu, como refere Laércio, que se a enfermidade fosse outra, ele iria logo curar a Demócrito ; porém que retirar-se das gentes, e ir-se viver nos desertos, o que eles reputavam por doudice, mais era para invejar, que para curar ; porque nunca Demócrito estivera mais sisudo, nem tivera o juizo mais são, que quando fugia aos homens."
do p.A.Vieira - bem sei...
-" Bem sei que dizem os defensores das cortes, ou os enfeitiçados delas, que também se pode ser ermitão em México, como respondeu em nossos dias um varão de mui celebrado espírito a quem se queria retirar daquela grande cidade, e lhe pedia conselho. Mas nem todo os conselhos servem para todos os casos, como nem todas receitas para todos os enfermos. Bem sei que dizem ( e por modo de afronta ) que o fugir é fraqueza. Como se quem foge se quisera acreditar de valente ; e como se não fora valor quebrar as cadeias, de que tantos se não desatam ! Catão, com César e Pompeio à vista, dizia : Sei de quem devo fugir , mas não sei para onde. E quem sabe, e tem para onde, porque se envergonhará de que lhe chamem fraco, quando foge com Catão ? Dizem que a natureza fez ao homem animal sociável, e que trocar a sociedade e comunicação dos homens pela solidão dos desertos, é querer acusar, ou emendar a natureza e como arrepender-se de ser racional."
do p.A.Vieira - não vos cresce o pão em casa...
~" Não vos cresce o pão em casa, porque o não sabeis partir e repartir com os que carecem dele. "
Do p.António Vieira-não há votos mais perniciosos...
- "Não há votos mais perniciosos na paz e na guerra, nem mais bem aceites comummente aos que governam o leme, que os que por poupar a fazenda impossibilitam as acções, com que o que havia de ser trabalho, é ociosidade, e o que havia de importar muito, se resolve em nada. "
terça-feira, 13 de abril de 2010
Do p.António Vieira - não digo que deixeis o mundo...
- " Não digo que deixeis o mundo, e que vos vades meter em um deserto ; só digo que façais o deserto dentro no mesmo mundo, e dentro de vós mesmos, tomando cada dia algum espaço de solidão só por só com Cristo, e vereis quanto vos aproveita. Ali se lembra um homem de Deus e de si ; ali se faz resenha dos pecados, e da vida passada ; ali se delibera e se compõe a futura ; ali se contam os anos que não hão-de tornar ; ali se mede a eternidade que há-de durar para sempre ; ali diz Cristo à alma eficazmente, e a alma a si mesma um nunca mais muito firme e muito resoluto : Noli amplius peccare ; ali, enfim, se segura aquela tão duvidosa sentença do último Juiz : Neque ego te condennabo : Nem eu te condenarei, Esta é a absolução das absoluções ; esta a indulgência das indulgências ; e esta a graça das graças, sem a qual é infalível o Inferno, e com a qual é certa a Glória."
Do p.António Vieira - se todas vezes que os homens pecam...
- " Se todas as vezes que os homens pecam caísse sobre o delinquente um raio do céu, acabar-se-iam os raios. Mas não disse, nem inferiu bem. Se todas as vezes que os homens pecam caísse logo do céu um raio que abrasasse o pecador, não se acabariam antes sobejariam os raios. Os que se acabariam, ou seriam os homens ou os pecadores ; mas o certo é que seriam os pecados, e não os homens, porque tanto que o castigo andasse junto com o pecado, nenhum homem havia de ser tão cego que se arrojasse a pecar."
do p.A.Vieira - vê um homem aos outros
- " Vê um homem aos outros, e lembra-se claramente das feições do rosto e figura de cada um, e ausente o retrata na imaginação assim como o viu ; mas se se viu no espelho a si mesmo, logo se esquece, nem se pode pintar, ou figurar como é. E donde vem, ou se causa esta diferença tão notável ? Vem do diferente modo com que vemos as cousas no espelho, ou em si mesmas. Em si mesmas vemo-las por espécies directas, que são mais vivas, e mais fortes ; no espelho vemo-las por espècies reflexas , que não têm aquela vida, ou aquela viveza, nem aquela força. E a razão é, porque o reflexo que as rebate no espelho, as enfraquece de tal sorte, que quando chegam à potência, onde se formam as espécies memorativas, por meio das quais nos lembramos, ou estas se não produzem, ou são tão ténues, e quase mortas, que se não pode servir delas a memória, e se segue naturalmente o esquecimento. Logo quem sacrifica o espelho, não só renuncia nele a vista futura, senão também a passada. A futura, porque se não há-de ver, pois não tem espelho : a passada, porque por falta do mesmo espelho não pode renovar na memória, nem suprir no esquecimento o retrato de quando se viu : Et oblitus est, qualis fuerit. Tanto renunciam e dão para sempre a Deus as religiosas de ânimo varonil, que por seu amor e reverência lhe sacrificam a espelho ! "
segunda-feira, 12 de abril de 2010
Do p.António Vieira - o que se concede a um...
-" Persuada-se o príncipe que o que se concede a um porque o pede, também se há-de conceder aos outros, ainda que o não peçam. Entenda que as disposições e privilégios não só são feridas da lei, mas feridas mortais, e que a lei morta, não pode dar vida à república : considere que as leis são os muros dela e que se hoje se abriu uma brecha por onde possa entrar um só homem, amanhã será tão larga que entre um exército inteiro. Olhai para as leis políticas, para as ordenanças militares, e para tantas pragmáticas económicas que sendo instituidas para remédio, vieram por esta causa a ser descrédito. E seja a última e única resolução do príncipe justo, tratar as suas leis como suas, sustentando.as e mantendo-as em seu vigor inviolável e indispensavelmente ; porque o que a lei nega a todos sem injúria, depois que se concede a um ( ainda que seja com razão ) não se pode negar a outro, sem agravo. E é melhor, mais fácil, e mais decente, que as mesmas leis digam o não conservando-se, do que quebrá-las o príncipe pelo não dizer."
Do p.António Vieira - há petições que...
-" E verdadeiramente há petições que bem interpretadas são libelos infamatórios dos mesmos príncipes, em cujas mãos se metem ; porque se são dolosas, como era esta de Adónias, supõem que são néscios : se são exorbitantes supõem que são pródigos : se são contra os cânones apostólicos ( como são muitas ) supõem que não são católicos ; e de qualquer modo que peçam o que não é justo, supõem que são injustos. "
Do p.António Vieira - as negações e as privações
-" Os filósofos distinguem dous géneros de negações : umas se chamam puras negações, e outras a que deram nome de privações. A pura negação nega o acto e mais a aptidão ; a privação supõe a aptidão e nega o acto. O silêncio é negação de falar, mas com grande diferença no homem e na estátua : na estátua é pura negação, porque a estátua não fala, nem é apta para falar, senão inapta ; porem no homem é privação, porque ainda que o homem não fale é apto e capaz de falar. Daqui se segue que assim como o silêncio na estátua é incapacidade, e no homem virtude, assim o que se nega ao indígno, é pura negação, a qual o afronta, e o que se nega ao digno, é privação que o honra e acredita, e tanto mais, quanto mais for digno. Tais são as negações que os príncipes fizerem e devem fazer aos seus validos. São privações com que não só se acredita a si, senão também a eles, porque o maior crédito do valido é que a sua privança seja privação. Por isso os validos com mais nobre e heróica etimologia se chamam privados. E quando eles folgarem de o ser, ou o príncipe fizer que o sejam, ainda que o não folguem, as privações dos privados farão mais toleráveis as negações dos que o não são. E desenganados os demais com este exemplo, nem eles se atreverão a pedir o que se lhes deve negar, nem o príncipe será forçado a negar o que lhe pedirem, ficando livre por este meio de muitas e molestas ocasiões, em que contra o decoro e agrado da majestade seja obrigado a dizer não. "
domingo, 11 de abril de 2010
Do p.António Vieira- pediu Filipe ,rei de Macedónia...
- " Pediu Filipe, rei de Macedónia à república de Atenas o dexasse passar com o exército pelas suas terras, o que o Senado lhe não quis conceder : e porque o estilo dos Atenienses ( que ainda hoje se chama estilo lacónico ) era resumir tudo o que se havia de dizer às palavras mais breves ; tomaram um grande pergaminho ( que era o papel daquele tempo ) e escreveram nele um não com tamanhas letras, que o enchia todo ; e cerrado e selado, esta foi a resposta que deram aos embaixadores de Filipe. É mui célebre nas histórias gregas este breve e grandíssimo não ; mas na nossa Atenas , ainda os há maiores. Tantas petições, tantas remissões, tantas provisões, tantas patentes, tantas certidões, tantas justificações, tantas folhas corridas,tantas vistas, tantas informações, , pedidas muitas vezes à Ásia e à América,tantas consultas, tantas interlocutórias, tantas réplicas,e tantas outras cerimónias e mistérios por escrito, a que não se sabe o número nem o nome ; e ao cabo de quatro, de seis e de dez anos, ou o despacho, ou o que significa o despacho, em meia resma de papel, é um não. Não fora melhor este desengano ao princípio ? E as despesas deste injusto entretenimento que se devem restituir nesta vida, ou se hão-de pagar na outra, por cuja conta correm ? Já que não haveis de fazer ao pretendente a mercê que pede, porque não lha fareis ao menos do que há-de gastar inutilmente a pretensão ? Ao outro, que presentava o seu memorial disse el-rei D;João II na primeira audiência, que não tinha lugar o que pedia ; e ele beijou-lhe mão. Entendeste-me ? - replicou el-rei -. Senhor, sim. Porque me beijais logo a mão ? Porque me fez Vossa Alteza mercê do dinheiro que trazia para gastar na corte, e agora o torno a levar para minha casa. Estas são as mercês do desengano, e os despachos do não, dito a seu tempo. Não o dizer será maior política, maior autoridade e decência : mas dizê-lo em muitos casos é obrigação e consciência. "
Do p.António Vieira- tão vil é na mentira o sim...
- " Contra o sofístico destas razões ( que verdadeiramente têm muito de vaidade ) parece que são mais sólidas as do ditame contrário. Tão vil é na mentira o sim, como honrado na verdade o não. A verdade (que por isso se pinta despida ) não sabe encobrir, nem fingir, nem enfeitar, nem corar, e muito menos enganar : e a primeira virtude do trono, ou seja da justiça ou da graça, é a verdade. Todo o artifício é cousa mecânica e não nobre, quanto mais real. O sol abranda a cera, e endurece o barro, porque obra conforme a disposição dos sujeitos ; mas em todos e com todos descobertamente ; por isso o calor é inseparável da luz. Importa distinguir o bastão do ceptro. Os estratagemas não são para o despacho ; sejam embora para a campanha, mas não para a corte ; para os inimigos e não para os vassalos. Saibam os pretendentes se podem esperar ou não, para que no fim não desesperem. Quem diz que é arte de não desgostar, não diz nem cuida bem. Melhor é dar um desgosto que muitos. Queixem-se de que os não satisfizeram ; mas não possam dizer justamente, que os enganaram. Se é dura palavra um não, mais duras são as boas palavras que suspendem e encobrem o mesmo não, até que o descobre o efeito. Quem fez o não tão breve , não quis que se dilatasse."
Do p.António Vieira - desejavam ser muito rogados
- " Dous imperadores,que precederam ao império de Trajano, diz o seu panegirista Plínio, que desejavam muito ser rogados e que todos lhes pedissem, só pelo gosto que tinham de dizer - não : Priores principes a singulis rogari, gestiebant, non tam praestandi animo, quam negundi. Mas como estes que ele chama príncipes, verdadeiramente eram tiranos, e mais monstros da natureza humana, que homens, excluído sem controvérsia este escândalo da razão e da humanidade, e começando a nossa questão pelas razões prováveis de duvidar, parece que não é conveniente, nem decente à majestade e autoridade de um rei, que pronuncie de palavra, ou firme com a pena um não. Ou o rei diz não porque não quer, ou porque não pode : se porque não quer, ofende o amor ; se porque não pode, desacredita a grandeza. E se as petições e requerimentos são tais, que se não devem conceder, entendam os pretendentes o não, mas não o ouçam ; seja discurso seu e não resposta ou resolução real. Mais decente negativa é para o governo, e menos descoberta desconsolação para os que requerem, que eles tomem por si o desengano. Desengane-os a dilação, desengane-os o tempo ; e se de dia não cuidam, nem de noute sonham mais que no seu despacho, os mesmos dias e noutes lhes digam, o que se lhes não diz ; e por elas saibam o que não querem entender. Sustentem-se na sua esperança, posta que falsa, e fique sempre inteiro ao príncipe o pundonor de que não negou. Se por este modo se estendem os requerimentos, e se entretêm e multiplicam os que vêm requerer, isso mesmo é um certo género de grandeza e autoridade haver muitos pretendentes. O que eles gastam e despendem sustenta a majestade da corte, e também as cortes dos que não são majestades. Já que pretendem sem merecimento, paguem as custas da sua ambição, e sirva-lhes a eles de castigo, e aos mais de exemplo."
sábado, 10 de abril de 2010
do p.A.Vieira - dizer um não
- " E se um não é tão duro para quem o ouve, creio eu que não é menor a sua dureza para quem o diz ; e tanto mais quanto mais generoso for o coração, e mais soberano o ânimo que o houver de pronunciar."
Do p.António Vieira-se um filho pedir...
-Se um filho ( diz Cristo ) pedir pão a seu pai, dar-lhe-á uma pedra ? Se lhe pedir peixe dar-lhe-á uma serpente ? Ou se lhe pedir um ôvo dar-lhe-á um escorpião ? Pois esta é a razão porque Deus, que nos trata como filhos, nos diz muitas vezes de não, e nos nega o que pedimos ; porque pedimos pedras, porque pedimos serpentes, porque pedimos escorpiões. Cuidamos que pedimos o necessário, e pedimos o inútil ; cuidamos que pedimos o proveitoso e pedimos o nocivo ; e isto é pedir pedras. Cuidamos que pedimos sustento, e pedimos veneno ; cuidamos que pedimos o que havemos de comer, e pedimos o que nos há-de comer ; cuidamos que pedimos com que viver, e pedimos o que nos há de matar ; e isto é pedir serpentes e escorpiões. Quando somos tão néscios ou tão meninos, que não distinguimos o escorpião do ovo, nem a serpente do peixe, nem o pão da pedra, Deus que é pai e tão bom pai, porque nos não há-de negar o que tão ignorante e tão perigosamente pedimos ? Oh ditosos aqueles a quem Deus assim despacha, porque sabe que não sabem o que pedem : Nescitis quid petatis ! ."
sexta-feira, 9 de abril de 2010
Do p.António Vieira- se os homens vos são ingratos
-" Finalmente se os homens vos são ingratos, não sejais vós ingrato a Deus. Se os reis vos não dão o que podem, contentai-vos com o que vos deu Deus, o que não podem dar os reis. Os reis podem dar títulos, rendas, estados ; mas ânimo, valor, fortaleza, constância, desprezo da vida, e as outras virtudes, de que se compõe a verdadeira honra, não podem. Se Deus vos fez estas mercês, fazei pouco caso das outras que nenhuma vale o que custa. Sobretudo lembre-se o capitão e soldado famoso de quantos companheiros perdeu, e morreram nas mesmas batalhas, e não se queixam. Os que morreram fizeram a maior fineza, porque deram a vida por quem não lha pode dar. E quem por mercê de Deus ficou vitorioso, e vivo, como se queixará de mal despachado ? Se não beijastes a mão real pelas mercês, que vos não fez, beijai a mão da vossa espada, que vos fez digno delas. Olhe o rei para vós como para um perpétuo acredor : e gloriai-vos de que se não possa negar de devedor vosso, o que é senhor de tudo. Se tivestes ânimo para dar o sangue, e arriscar a vida, mostrai que também vos não falta para o sofrimento. Então batalhastes com os inimigos, agora é tempo de vos vencer a vós. Se o soldado se vê despido, folgue de descobrir as feridas, e de envergonhar com elas a pátria, por quem as recebeu. Se de pois de tantas cavalarias se vê a pé, tenha essa pela mais ilustre carroça dos seus triunfos. E se enfim se vê morrer à fome, deixe-se morrer, e vingue-se. Perdê-lo-á quem o não sustenta, e perderá outros muitos com esse desengano. Não faltará quem diga por ele : Quanti mercenarii abundant panibus, ego autem hic fame pereo ! E este ingrato, e escandaloso epitáfio será para sua memória muito maior, e mais honrada comenda, de quantas podem dar os que as dão em uma e muitas vidas."
Do p.António Vieira- as mercês feitas a indignos
- " Dizia com verdadeiro juizo Marco Túlio, que as mercês feitas a indignos não honram os homens, afrontam as honras. E assim é. As comendas em semelhantes peitos não são cruz, são aspa : e quando se vêem tantos ensambenitados da honra, bem vos podeis honrar de não ser um deles. Sejam esses embora exemplos da fortuna, sede-o vós da virtude.
Do p.António Vieira"
-" Eu não pretendo com isto escusar os que vós acusais. Porque vós sois benemérito, não devem eles ser injustos : antes aprender da vossa generosidade a ser generosos, e liberais. Que dão, ou que podem dar, a quem deu por eles o sangue ? Mas porque ainda com o pouco que podem, faltam ao agradecimento, quero eu que vos falte a consolação. Se vossos feitos foram romanos, consolai-vos com Catão, que não teve estátua no Capitólio. Vinham os estrangeiros a Roma, viam as estátuas daqueles varões famosos, e perguntavam pela de Catão. Esta pergunta era a maior estátua de todas. Aos outros pôs-lhes estátuas o Senado ; a Catão, o mundo. Deixai perguntar ao mundo, e admirar-se de vos não ver premiado. Essa pergunta, e essa admiração é o maior e o melhor de todos os prémios. O que vos deu a virtude, não vo-lo pode tirar a inveja, o que vos deu a fama, não vo-lo pode tirar a ingratidão. Deixai-os ser ingratos, para que vós sejais mais glorioso. Um grande merecimento sobre uma grande ingratidão fica muito mais subido. Se não houvesse ingratidões, como haveria finezas ? Não deis logo queixas ao desagradecimento, dai-lhe graças."
quarta-feira, 7 de abril de 2010
Do p.António Vieira - consolar os mal despachados
- " Dous lugares e dous pretendentes, um memorial e uma intercessora, um príncipe e um despacho, são a representação política, e a história cristã deste Evangelho. Nos lugares temos as mercês, os pretendentes as ambições, na intercessora as valias, no memorial os requerimentos, no príncipe o poder e a justiça, no despacho o desengano e o exemplo. Este último há-de ser a veia que havemos de sangrar. Queira Deus que a acertemos, que é muito funda. A enfermidade mais geral de que adoecem as cortes, e a dor ou o achaque de que todos comummente se queixam, é de mal despachados. Em alguns se queixa o merecimento, em outros a necessidade, em muitos a própria estimação, e em todos o costume. O benemérito chama-lhe sem-razão, o necessitado diz que é crueldade, o presumido toma-o por agravo, e o mais modesto dá-lhe o nome de desgraça e pouca ventura. E que não houvesse até agora no púlpito, quem tomasse por assunto a consolação desta queixa, o alívio desta melancolia, o antídoto deste veneno, e a cura desta enfermidade ! Muitos dos enfermos bem haviam mister um hospital. Mas há obrigação desta cadeira ( que é de medicina das almas ) só lhe toca disputar a doença, e receitar o remédio. E se este for provado, e pouco custoso, será fácil de aplicar. Ora eu movido da obrigação e da piedade ; e parecendo-me esta matéria uma das mais importantes para todas as cortes do mundo, e a mais necessária para a nossa no tempo presente, determino pregar hoje a consolação dos mal despachados. Nem com a ambição dos Zebedeus hei-de condenar os pretendentes, cem com a negociação da mãe hei-.se arguir os príncipes e os ministros ; só com o desengano do requerimento : Nescitis quid petatis, pretendo consolar eficazmenste a todos os que se queixem dos seus despachos, ou se sentem dos alheios. Consolar um mal despachado é o assunto do sermão. Se com a graça divina se conseguir o intento, sairão hoje daqui os pretendentes comedidos, os ministros aliviados, os ben despachados confusos, e os mal despachados contentes. Ajude Deus o zelo, com que Ele sabe que fiz eleição deste ponto."
Do p.António Vieira - no mesmo reinado...
- " Está profetizado, que no mesmo reinado o lobo morará com o cordeiro, e que o leão , como o boi, comerá palha : Habitabit lupus cum agno, et leo quasi bos comedet paleas. Mas quem poderá conter a voracidade do lobo, a que observe esta abstinência, e a ferocidade e gula real do leão, a que se sustente, como o boi, da eira, e não da montaria e do bosque ? A lei não pode ser mais justa nem mais benigna ; porque assaz indulgência e favor se faz ao leão, que passeia e não trabalha, em que coma igualmente à custa do boi, o que ele puxando pelo arado, pela grade, pelo carro, e pela trilha, começou e acabou com tanto trabalho. Mas como este mau foro está tão introduzido pelo costume, e tão canonizado pelo tempo ; que zelo, que força, e e que resolução haverá de ministros tão intrépidos e constantes,que contra tão poderosos contrários a pratique, a a estabeleça, e a defenda ? Assim que, senhora, deixando o muito que ainda pudera dizer, e resumindo o que tenho dito, nem ao crédito do Rei, nem ao bem do Reino, nem a vós, nem a vossos filhos convém que os lugares que para eles pedis, se lhes concedam ; e ainda que lhos dessem sem os pedir, os aceitem. Pelo que, se o peso de todas estas razões tem convosco alguma autoridade, o meu conselho e parecer é que vós mesma vos despacheis com o mais breve, mais fácil, e mais seguro despacho, que é não desejar, nem pretender, nem pedir."
Do p.António Vieira- In regno tuo
-"...e naquele tropel e concurso de pretendentes esfaimados ( que todos procuram comer e todos se comem ) vereis se entre tanto tumulto pode haver quietação, entre tanta perturbação sossego, entre tanta variedade firmeza, entre tanta mentira verdade, entre tanta negociação justiça, entra tanto respeito inteireza, entre tanta inveja paz, entre tanta adulação e adoração modéstia, temperança, nem ainda fé. Vede, sobretudo, se tanta sede de ambição e cobiça insaciável, pode ter satisfação que a farte ou modere : e se a podem dar vossos filhos a tantos que pretendem e batalham sobre a mesma cousa, que ou se deve negar a todos, ou conceder-se a um só ? Daqui se seguem os descontentamentos, as queixas, as murmurações do governo, as arrogâncias dos grandes, as lágrimas e lamentações dos pequenos, as dissenções, as parcialidades, os ódios, sendo o alvo de todas estas setas envenenadas, os que assistem mais chegados ao trono do supremo poder, os que respondem em seu nome,ois que declaram seus oráculos, os que distribuem seus decretos. E se isto é o que se experimenta e padece, não em Babilónia ou Ninive, senão em Jerusalém; nem no império dos Assírios, Persas, Gregos, ou Romanos, senão em uma república tão arruinada hoje, e tão limitada como a de Judeia ; que será um reino universal de Cristo : In regno tuo ?
terça-feira, 6 de abril de 2010
Hi
Hi.A palavra é muito breve mas não digna de menor reparo. Vós dizeis ! Hi : estes. E quem não dirá : quem são estes ? Muitos é de crer se embaraçam logo com as redes e com a barca ; mas eu tão longe estou de encalhar neste baixo (posto que o seja) que antes o exercício de pescadores me parece o melhor noviciado que estes apóstolos poiam ter para a profissão de primeiros ministros. Que é uma barca senão uma república pequena ? E que é uma monarquia senão uma barca grande ? Nas experiências de uma se aprende a prática da outra. Saber deitar o leme a um e a outro bordo, e cerrá-lo de pancada, quando convem ; saber vogar quando se há de ir adiante ; e siar quando se há-de dar volta, e suspender ou fincar o remo,quando se há-de ter firme ; saber esperar as marés e conhecer as conjunções, e observar o cariz do céu ; saber temperar as velas conforme o cariz os ventos, largar a escota, ou carregar a bolina, ferrar o pano na tempestade, e na bonança içar até aos topes. Tão política como isto é a arte do pescador na mareação, e mais ainda nas indústrias da pesca. Saber tecer a malha, e segurar o nó ; saber pesar o chumbo e a cortiça : saber cercar o mar para prover e sustentar a terra : saber estorvar o anzol, para que o peixe o não corte, e encobri-lo para que o não veja : saber largar a sedela, ou tê-la em teso : saber aproveitar a isca e esperdiçar o engodo. Só um defeito reconheço no pescador para os lugares do lado, que é o exercício de puxar para si. E este é, Senhora, o que não só se argúi, mas se prova do mesmo que vossos filhos pretendem, e vós pedis."
de Miguel Cervantes
Já agora, continuando a amenizar o tema das citações, aqui vai mais uma, de M.Cervantes, salvo erro no
seu " Don Quijote de la Mancha" (e também adequado aos tempos presentes ) :
- " Del dicho al hecho, hay un grande trecho ." (Do dito ao feito, há um grande caminho)
seu " Don Quijote de la Mancha" (e também adequado aos tempos presentes ) :
- " Del dicho al hecho, hay un grande trecho ." (Do dito ao feito, há um grande caminho)
de António Oliveira Salazar
Para variar um pouco,eis uma citação de Oliveira Salaza, bem adaptada aos tempos actuais em Portugal:
- " Quando se quer fazer, faz-se.Quando não se quer fazer, cria-se uma comissão."
- " Quando se quer fazer, faz-se.Quando não se quer fazer, cria-se uma comissão."
segunda-feira, 5 de abril de 2010
Do p.António Vieira
-"Tão leve negócio é a eleição de um primeiro ministro, e muito mais a de dous ministros, ambos primeiros, que por uma simples petição, sem mais consulta nem conselho, se haja de conceder ? Se o pedira todo o Reino ainda havia muito que duvidar ; porque não cuidassem os vassalos, que juntos nem divididos podiam ter acção ou impulso nas resoluções soberanas. Quanto mais que semelhantes lugares não se dão a quem os deseja e os pede ; antes quando os desejam, então começam a os desmerecer, e quando se atrevem a os pedir, então os desmerecem de todo. O pedir e o despedir em tais casos hão de ser correlativos. Oh quanto melhor tiveram negociado os vossos dous pretendentes, se quando Cristo os estremava dos outros, para lhes fiar os casos de maior importância, eles se retirassem com modéstia, e com discreta resistência se escusassem."
Do p.António Vieira- na tragédia ensaiada em Hébron
"Mas esta tragédia que uma vez se ensaiou em Hébron, quantas vezes se representa na nossa corte ? Quantas vezes com nomes supostos, com merecimentos fingidos, e com abonações falsificadas, se roubam os prémios ao benemérito, e triunfa com eles o indigno ? Quantas vezes rende mais a Jacob a sua Rebeca, que a Esaú o seu arco ? Quantas vezes alcança mais Jacob com as luvas calçadas, que Esaú com as armas nas mãos ? Se no ócio da paz se medra mais que nos trabalhos da guerra, quem não há de trocar os sóis da campanha, pela sombra destas paredes ? Não o experimentou assim David, e mais servia a um rei injusto e inimigo. David serviu em palácio, e serviu na guerra : em palácio com a harpa, na guerra com a funda. E onde lhe foi melhor ? Em palácio medrou tão pouco, que da harpa tornou ao cajado ; na guerra montou tanto, que da funda subiu à coroa. Se se visse que David cresceria mais à sombra das paredes de palácio, que com o sol da campanha : se se visse que medrava mais lisonjeando as orelhas com a harpa, que defendendo e honrando o rei com a funda : se se visse que merecia mais galanteando a Micol que servindo a Saul ; não seria uma grande injustiça, e um escândalo mais que grande ? Pois isto é o que padecem os Esaús nas preferências dos Jacobs.
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