segunda-feira, 31 de maio de 2010
do p.A.Vieira- Dizem que o amor...
- " Dizem que um amor com outro se paga, e mais certo é, que um amor com outro se apaga. Assim como dous contrários em grau intenso não podem estar juntos em um sujeito ; assim no mesmo coração não podem caber dous amores ; porque amor que não é intenso, não é amor. Ora grande cousa deve ser o amor , pois sendo assim, que não bastam a encher um coração mil mundos, não cabem em um coração dous amores. Daqui vem, que se acaso se encontram e pleiteiam sobre o lugar, sempre fica a vitória pelo melhor objecto. É o amor entre os afectos, como a luz entre as qualidades. Comummente se diz, que o maior contrário da luz são as trevas, e não é assim. O maior contrário de uma luz, é outra luz maior. As estrelas no meio das trevas luzem, e resplandecem mais ; mas em aparecendo o Sol, que é luz maior, desaparecem as estrelas. "
do p.A.Vieira - O terceiro remédio do amor...
- " O terceiro remédio do amor, é a ingratidão. Assim como os remédios mais eficazes são ordinariamente os mais violentos ; assim a ingratidão é o remédio mais sensitivo do amor, e juntamente o mais efectivo. A virtude que lhe dá tamanha eficácia, se eu bem o considero, é ter este remédio da sua parte a razão. Diminuir o amor o tempo, esfriar o amor a ausência, é sem-razão de que todos se queixam ; mas que a ingratidão mude o amor e o converta em aborrecimento, a mesma razão o aprova, o persuade, e parece que o manda. Que sentença mais justa, que privar do amor a um ingrato ? O tempo é natureza, a ausência pode ser força, a ingratidão sempre é delito. Se ponderarmos os efeitos de cada um destes contrários, acharemos que a ingratidão é o mais forte. O tempo tira ao amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo. De sorte, que o amigo pode ser antigo, ou por estar ausente, não perde o merecimento de ser amado : se o deixamos de amar, não é culpa sua, é injustiça nossa ; porém se foi ingrato, não só ficou indigno do mais tíbio amor, mas merecedor de todo o ódio. Finalmente, o tempo e a ausência combatem o amor pela memória, a ingratidão pelo entendimento e pela vontade. E ferido o amor no cérebro, e ferido no coração, como pode viver?
sábado, 29 de maio de 2010
do p.A.Vieira - os olhos são as frestas do coração
- " Os olhos são as frestas do coração, por onde respira ; e daqui vem, que o coração na presença, em que tem abertos os olhos, por eles evapora e exala os afectos : porém na ausência, em que os tem tapados pela distância, que lhe sucede ? Assim como o vaso sobre o fogo, que tapado e não tendo por onde respirar, concebe maior calor, e o reconcentra todo em si e talvez rebenta, assim o coração ausente, faltando-.lhe a respiração da vista, e não tendo por onde dar saída ao incêndio, recolhe dentro em si toda a força e ímpeto do amor, o qual cresce naturalmente, e se acende e adelgaça de sorte, que não cabendo no mesmo coração, rebenta em maiores e mais extraordinários efeitos. "
do p.A.Vieira
-" O segundo remédio do amor é a ausência. Muitas enrferrmidades se curam só com a mudança do ar ; o amor com a da terra. É o amor como a Lua, que em havendo Terra em meio, dai-o por eclipsado. À sepultura chamou David discretamente, terra do esquecimento : Terra oblivionis. E que terra há que não seja a terra do esquecimento, se vos passastes a outra terra ? Se os mortos são tão esquecidos, havendo tão pouca terra entre eles e os vivos ; que podem esperar e que se pode esperar dos ausentes ? Se quatro palmos de terra causam tais efeitos ; tantas léguas que farão ? Em os longes passando de tiro de seta, não chegam lá as forças do amor. Seguiu Pedro a Cristo de longe ; e deste longe que se seguiu ? Que aquele que na presença O defendia com a espada, na ausência O negou e jurou contra Ele. Os filósofos definiram a morte pela ausência : Mors est absentia animae a corpore ; e a ausência também se há-de definir pela morte, posto que seja uma morte de que mais vezes se ressuscita.Vede-o nos efeitos naturais de uma e outra. "
sexta-feira, 28 de maio de 2010
do p.A.Vieira - Esses são os poderes...
- " Esses são os poderes do tempo sobre o amor. Mas sobre qual amor ? Sobre o amor humano, que é fraco ; sobre o amor humano, que é inconstante ; sobre o amor humano, que não se governa por razão, senão por apetite ; sobre o amor humano, que, ainda quando parece mais fino, é grtsseiro e imperfeito. O amor, a quem remediou, e pôde curar o tempo, bem poderá ser que fosse doença ; mas não é amor. O amor perfeito, e que só merece o nome de amor, vive imortal sobre a esfera da mudança, e não chegam lá as jurisdições do tempo. Nem os anos o diminuem, nem os séculos o enfraquecem, nem as eternidades o cansam : Omni tempore diligit, qui amicus est : disse nos seus provérbios Salomão da Lei velha : e o Salomão da nova, Santo Agostinho, comentando o mesmo Texto, penetrou o fundo dele com esta admirável sentença : Manifeste declarans amicitiam aeternam esse, si vera est : si autem desierit nunquam vera fuit. Quiz-nos declarar Salomão, diz Agostinho, que o amor que é verdadeiro, tem obrigação de ser eterno ; porque se em algum tempo deixou de ser, nunca foi amor : Si autem desierit, nunquam vera fuit. ´Notável dizer! Em todas os outras cousas o deixar de ser, é sinal de que já foram ; no amor o deixar de ser, é sinal de nunca ter sido. Deixou de ser, pois niuca foi ; deixastes de amar, pois nunca amastes. O amor que não é de todo o tempo, e de todos os tempos, não é amor, nem foi ; porque se chegou a ter fim, nunca teve princípio. É como a eternidade, que se por impossível tivera fim, não teria sido eternidade : Declarans amicitiam aeternam esse, si vera est. "
do p.A.Vieira - O primeiro remédio...
- " O primeiro remédio para o amor, é o tempo. Tudo cura o tempo. tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera ? São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco que terem durado muito. São como as linhas , que partem do centro para a circunferência, que quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino ; porque não há amor tão robusto que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza, o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não tira ; embota-lhe as setas, com que já não fere ; abre-lhe os olhos, com que vê o que não via ; e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às cousas, descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor ? O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos. "
terça-feira, 25 de maio de 2010
do p.A.Vieira - Os mandamentos...
- " Os mandamentos da Lei de Deus dizem : Não matarás, não furtarás, não levantarás falso testemunho : os mandamentos da lei da inveja dizem : não serás honrado, não serás rico, não serás valente, não serás sábio, não serás bem disposto, e também dizem, não serás bom pregador : e se acaso Deus vos fez mercê que soubésseis pôr os pés por uma rua, que soubésseis apertar na mão uma espada, que fôsseis discreto, generoso, ou rico, ou honrado, no mesmo ponto tivestes culpas no tribunal da inveja, porque pecastes contra os seus mandamentos. "
segunda-feira, 24 de maio de 2010
do p.A.Vieira - Tal é o mundo...
- " Tal é o mundo, que muitas vezes parecem finezas de amizade, o que são ódios refinadíssimos."
- " No juizo dos invejosos os merecimentos são culpas, e as excelentes qualidades delitos. "
- " No juizo dos invejosos os merecimentos são culpas, e as excelentes qualidades delitos. "
do p.A.Vieira- Dizia Platão...
-" Dizia Platão que os que julgam ou governam, era bem que dormissem sobre as resoluções que tomassem. Parecia-lhe ao grande filósofo que o juizo consultado com os travesseiros, era força que saísse mais repousado."
do p.A.Vieira- Terrível flagelo...
- " Terrível flagelo do mundo foi sempre o papel ; mas hoje mais cruel que nunca. A origem e o nome do papel, foi tonado das cascas das árvores, que em latim se chamam papyrus, porque aquelas cascas foram o primeiro papel em que os homens escreviam ao princípio : depois deram em curtir as peles, e se facilitou mais a escritura com o uso dos pergaminhos : ultimamente se inventou a praga do papel, de que hoje usamos. De maneira, que se bem advertimos, foi o papel desde seus princípios matéria de escrever, e invenção de esfolar. Com o primeiro papel esfolavam-se as árvores : com o segundo esfolavam-.se os animais : com o de hoje esfolam-se os homens. Oh quanto papel se pudera encadernar com as peles que o mesmo papel tem despido ! Mas em nenhuma parte tanto como em Portugal, porque em nenhuma se gasta tanto papel, ou se gasta tanto em papéis. Estes socorros que damos a Veneza, não seria melhor dá-los antes em dinheiro contra o Turco em Cândia, que dá-los por papel contra nós ? O mais bem achado tributo que inventou a necessidade ou a cobiça, é para mim o do papel selado. Mas faltou-lhe uma condição : o selo não o haviam de pagar as partes, senão os ministros. Se os ministros pagaram o selo, eu vos prometo que havia de correr menos o papel, e que haviam de voar mais os negócios. Mas ainda voariam mais, se não houvess penas nem papel. E por isso voaram tanto as resoluções deste conselho : Ab illa autem hora. "
do p.A.Vieira - Os mais felizes reinos...
- " Os mais felizes reinos não são aqueles que têm as mais bem entendidas cabeças, senão aqueles que têm as mais bem entendidas mãos. Dos entendimentos das mãos é que se fazem os prudentes conselhos, ou quando menos, nos entendimentos das mãos é que se qualificam de prudentes ; porque os conselhos prudentes, que não passam do entendimento às mãos, fazem-se de prudentes, néscios. "
de autores desconhecidos
- " Um amigo mentiroso, primeiro é mentiroso, depois amigo..Um amigo ladrão, primeiro é ladrão, depois é amigo. "
- " Todos nós queremos comer o bolo e guardá-lo ao mesmo tempo."
- " Todos nós queremos comer o bolo e guardá-lo ao mesmo tempo."
sexta-feira, 21 de maio de 2010
do p.A.Vieira - Que importa...
- " Que importa que haja conselhos e mais conselhos, que importa que haja decretos e mais decretos, se entre os decretos e a execução se passa uma eternidade? Os decretos serão divinos e diviníssimos, como eram os de Deus : mas todas essas divindades decretadas, sem execução que vêm a ser? O que era o Céu e a Terra antes da criação do mundo? . Antes da criação do mundo estava decretado o Céu, estava decretada a Terra, estavam decretados os elementos ; e tudo quanto Deus criou, tudo estava decretado e assentado em conselho : mas todas essas cousas decretadas que eram? O Céu era nada, a Terra outro nada, os quatro elementos quatro nadas, e toda essa infinidade de cousas, uma infinidade de nadas..Que importa a sentença no conselho da justiça , se se não executa a sentença? Que importa o arbítrio no conselho da fazenda, se se não executa o arbítrio? Que importa a prevenção no conselho da guerra, se se não executa a prevenção? Que importam os mistérios no conselho do Estado, se se não executam os mistérios? O mistério altíssimo e diviníssimo da Encarnação estava decretado havia uma eternidade, e estava revelado, havia quatro mil anos : e que era este mistério antes da execução? Nada."
do p.A.Vieira - A causa
- " A causa de se governar tão mal o mundo, e de andar tão mal aconselhado, havendo tantos conselhos, é porque de ordinário os príncipes baralham os metais, e trazem desencontrados os conselhos e os conselheiros. Se o soldada votar nas letras, e o letrado na navegação, e o piloto nas armas, que conselho há-de haver, nem que sucesso ? Haverá letrados, e não se verá justiça : haverá pilotos, e não se fará viagem : haverá soldados e exércitos, e levarão a vitória aos inimigos. Vote cada um no que professa, e logo nos conselhos haverá conselho. "
do p.A.Vieira - O ouro e os brocados
- " O ouro e os brocados, de que se vestem as paredes, são objecto vulgar da vista : a harmonia dos coros, suspensão e elevação dos ouvidos : o âmbar e almíscar, e as outras espécies aromáticas que vaporam nas caçoulas, até pela ruas rescendem muito ao longe, e convocam pelo olfacto o concurso. É isto Terra ou Céu ? Céu é, mas com muita mistura de Terra. Porque no meio desse culto celestial, exterior e sensível, o desfazem e contradizem também sensivelmente, não só as muitas ofensas que fora dos templos se cometem, mas as públicas irreverências com que dentro neles se perde o respeito à fé, e ao mesmo Deus. Queres que te diga, Lisboa minha, sem lisonja, uma verdade muito sincera, e que te descubra um engano, de que tua piedade muito se gloria ? Esta tua fé tão liberal, tão rica, tão enfeitada e tão cheirosa, não é fé viva : pois que é ? É fé morta, mas embalsamada. "
quarta-feira, 19 de maio de 2010
do p.A.Vieira - Com as mãos abertas
-" Com as mãos abertas ofende a Cristo o filho pródigo ; com a mãos fechadas o rico avarento ; com as mãos abertas o que esperdiça ; com as mão fechadas o que entesoura, com as mãos abertas o que dá o que não devera, com as mãos fechadas o que não paga o que deve ; com as mãos abertas o que recebe a peita ; com as mãos fechadas o que nega a esmola ; com as mãos abertas o que rouba o alheio ; e com as mãos fechadas o que não restitui o roubado. Olhe agora cada um para as suas mãos, e verá qual é a sua fé.. Eu taparei os ouvidos ao que se diz, e só direi o que se vê com os olhos e se aponta com o dedo. Como estamos na corte, onde das casas dos pequenos não se faz caso, nem têm nome de casas ; busquemos esta fé em alguma casa grande e dos grandes. Deus me guie. "
terça-feira, 18 de maio de 2010
do p. A.Vieira - Notou David...
- " Notou Davis admiravelmente, que a água nas nuvens é negra. Vedes lá vir um aguaceiro escuro mais que a mesma noite : que negrume é aquele? Não é mais que água e nuvem : a nuvem é um volante, a água é um cristal ; e destes dous ingredientes tão puros e tão diáfanos, se faz um escuridade tão negra, e tão espessa. Se quem vai vigiar e espreitar a vossa vida e a vossa honra, levar alguma nuvem diante dos olhos, ainda que seja tão delgada como um volante, por mais que a vossa vida e a vossa honra seja tão clara e tão pura como um cristal, há-lhe de parecer escura e tenebrosa : Tenebrosa aqua in nubibus aeris. Finalmente, reduzindo todo o discurso, ou discursos : mentem as línguas, porque mentem as imaginações ; mentem as línguas, porque mentem os ouvidos ; mentem as lúnguas, porque mentem os olhos ; e mentem as línguas, porque tudo mente, e todos mentem."
segunda-feira, 17 de maio de 2010
do p.A.Vieira - cuidais que para mentir
- " Cuidais que para mentir, e para dizer testemunhos falsos, é necessário mudar, diminuir, ou acrescentar as palavras que ouvistes ? Não é necessário nada disto : basta mudar-lhe o sentido, ou a intenção, ainda que a não entendais ; porque haveis de supor que a podem ter ; e mais quando as pesolas são tais (como era a de Cristo) que podem falar com mistério. Quantas vezes se dizem as palavras sinceramente com uma tenção muito sã, e vós as interpretais, e corrompeis de maneira, que de um louvor fazeis um agravo, de uma confiança uma injúria, de uma galanteria uma blasfémia, e de uma graça levantais uma tal labareda, que se originaram dela muitas desgraças? E se isto sucede quando os homens dizem o que ouviram, e só o que ouviram, que será quando dizem o que imaginaram, e o que sonharam, ou o que ninguém imaginou, nem sonhou?."
domingo, 16 de maio de 2010
do p.A.Vieira - Deus deu...
-" Deus deu a nossos primeiros pais uma permissão, e um preceito : a permissão foi : comei de todas as árvores o preceito foi : não comais desta. árvore. E que fez o diabo ? Do comei de todas as árvores, tomou o não comais : e ajuntando o não comais, com o de todas as árvores, disse que mandara Deus que de todas as árvores não comessem. Pode haver maior mentira ? Pois foi grudada de duas verdades. Defendei-vos lá agora das vossas mentiras, com dizer que dissestes as mesmas palavras que ouvistes, e que não acrescentastes nada. Que importa que não acrescenteis, se diminuístes ? Pior é uma verdade diminuída que uma mentira mui declarada ; porque a verdade diminuída na essência é mentira, e tem aparências de verdade : e mentiras que parecem verdades, são as piores mentiras de todas. "
sábado, 15 de maio de 2010
do p.A.Vieira - Mais sucede...
-" Mais sucede nesta passagem dos ouvidos à boca. Como os ouvidos são dous, e a boca uma, sucede, que entrando pelos ouvidos duas verdades, sai pela boca uma mentira. Parece cousa de trejeito ; mas é tão certa, que a primeira mentira que se disse no mundo, foi desta casta: : uma mentira feita de duas verdades. Antes que vo-la diga, quero-vos mostrar como isto pode ser. Quando o quereis dizer que fulano é grande mentiroso, dizeis que é uma quimera. Mas que cousa é quimera ? Mui poucos de vós deveis de o saber. Quimera é um animal fingido, composto de dous animais verdadeiros : um monstro, meio homem, meio cavalo, é quimera : um monstro, meio águia, meio serpente, é quimera : um monstro, meio leão, meio peixe, é quimera ; mas não há tais monstros, nem tais quimeras no mundo. De maneira, que as ametades, são verdadeiras, os todos ou monstros que delas se compõem, são fingidos. As ametades são verdadeiras ; porque há homem e cavalo, há águia e serpente, há leão e peixe : os monstros que se compõem destas ametades, são fingidos. As ametades são verdadeiras ; porque há homem e cavalo, há águia e serpente, há leão e peixe : os monstros que se com~põem destas ametades, são fingidos ; porque não há tal cousa no mundo. Isto mesmo fazem os mentirosos : partem duas verdades pelo meio, e, sem mudar, nem acrescentar nada ao que dissestes, de duas verdades partidas fazem uma mentira inteira."
do p.A.Vieira- Quer um fundidor
-" Quer um fundidor formar uma imagem. Suponhamos que é de S.Bartolomeu com o seu diabo aos pés. Que faz para isto ? Faz duas formas de barro, uma do santo e outra do diabo, e deixa aberto um ouvido em cada uma. Depois disto derrete o seu metal em um forno, e tanto que está derretido e preparado, abre a boca ao forno, corre o metal, entra por seus canais no ouvido de cada forma, e em uma sai uma imagem de S.Bartolomeu muito formosa ; noutra uma figura do diabo, tão feia como ele. Pois valha-me Deus, que diferença é esta ? O metal era o mesmo, a boca por onde saiu , a mesma ; e entrando por um ouvido faz um santo, entrando por outro ouvido, faz um diabo ? Sim, que não está a cousa nos ouvidos, senão
nas formas, que estão lá dentro. Onde estava a forma do diabo, saiu um diabo ; onde estava a forma do santo, saiu um santo. Senhores meus, todos os nossos ouvidos vão a dar lá dentro em uma forma, que é o coração. Se o coração é forma do santo, tudo o que entra pelo ouvido é santo : se é forma do diabo, tudo o que entra pelo ouvido é diabólico."
nas formas, que estão lá dentro. Onde estava a forma do diabo, saiu um diabo ; onde estava a forma do santo, saiu um santo. Senhores meus, todos os nossos ouvidos vão a dar lá dentro em uma forma, que é o coração. Se o coração é forma do santo, tudo o que entra pelo ouvido é santo : se é forma do diabo, tudo o que entra pelo ouvido é diabólico."
sexta-feira, 14 de maio de 2010
do p.A.Vieira - Quantas vezes...
- " Quantas vezes vos disseram uma cousa e percebestes outra ? Quantas vezes ouvis o que não ouvis ? Quantas vezes entre a boca do outro e os nossos ouvidos ficou a honra alheia pendurada por um fio ? E queira Deus que não ficasse enforcada. Isto acontece quando os homens ouvem com os ouvidos ; mas quando ouvem com os corações, ainda é muito pior . E os corações também ouvem. Nunca vistes corações ? Os corações também têm orelhas : e estai certos que cada um ouve, não conforme tem os ouvidos, senão coforme tem o coração e a inclinação. "
quinta-feira, 13 de maio de 2010
do p.A.Vieira - O mesmo se passa
- "O mesmo se passa nos vícios. Se o clima influi soberba, nasce a inveja : se influi gula, nasce a luxúria : se influi cobiça, nasce a avareza : se influi ira, nasce a vingança. E para nascer a mentira, que é o que influi ? Ociosidade,. Onde o clima influi ócio, dá-se a mentira a perder. Nasce, cresce, espiga, e de um não sei quê, tamanho como um grão de trigo, podeis colher mentiras aos alqueires. Estes são os dous vícios do Maranhão, estas as duas influências deste clima - ócio e mentira. - O ócio é a primeira influência, a mentira a segunda : o ócio a causa, a mentira o efeito. Não há terra no mundo que mais incline ao ócio, ou à preguiça, como vós dizeis : e esta é a semente de que nasce tão má erva. "
do p.A.Vieira - de maneira que o Sol...
- " De maneira que o Sol, que em toda a parte é a regra certa e infalível por onde se medem os tempos, os lugares, as alturas, em chegando à terra de Maranhão, até ele mente. E a terra onde até o Sol mente, vede que verdade falarão aqueles sobre cujas cabeças e corações ele influi. Acontece-lhes aqui aos moradores, o mesmo que aos pilotos, que nenhum sabe em que altura está. Cuida o nomem nobre noje, que está em altura de honrado. e amanhã acha-se infamado e envilecido. Cuida a donzela recolhida, que está em altura de virtuosa, e amanhã acha-se murmurada pelas praças. Cuida o eclesiástico, que está em altura de bom sacerdote, e amanhã acha-se com reputação de mau homem. Enfim, um dia estais aqui em uma altura, e ao outro dia noutra, porque os lábios são como o astrolábio. È isto assim ? A vós mesmos o ouço, que eu não o adivinhei. Vede se é certa a minha verdade, que não há verdade no Maranhão."
quarta-feira, 12 de maio de 2010
do p.A.Vieira - Mentiram...
- " De três modos ( que há muitos modos de mentir) mentiram hoje estes meus ouvintes. Mentiram, porque não creram a verdade : mentiram, porque impugnaram a verdade : mentiram, porque afirmaram a mentira. Não crer a verdade é mentir com o pensamento : impugnar a verdade, é mentir com a obra ; afirmar a mentira, é mentir com a palavra."
do p.A.Vieira - Entre as cousas...
- " E entre as cousas que não aparecem, e as cousas que não se apetecem, há grande diferença. Para crer as cousas que não aparecem, pode não ter dificuldade o entendimento : para querer as cousas que não se apetecem, sempre tem repugnância a vontade. "
do p.A.Vieira - dar a ganância e a vida
- " A circunstância de dar a ganância e mais a vida , ainda que não fora eterna, é condição que nenhum assegurador, senão Deus, pode meter nos seus contratos. "
do p.A.Vieira - Se Deus tivera...
- " Se Deus tivera tantos servos e tão diligentes como tem o dinheiro, que bem servido fora ! Mas quantos desserviços se fazem a Deus em serviço deste mau ídolo ! O maior sacrilégio de todos é que em vez de os homens se servirem do dinheiro, para servir a Deus, chegam a se servir de Deus , para servir ao dinheiro : Servire me fecisti in peccatis tuis. "
terça-feira, 11 de maio de 2010
do p.A.Vieira - se há cousa no mundo...
- " Se há cousa no mundo que pudera competir no senhorio com Deus, é o ídolo universal do ouro e da prata. Muitas nações há no mundo que não conhecem a Deus, nenhuma que não adore e obedeça a este ídolo. E ainda dos que professam servir a Deus, quem há que O não sirva? Pois assim como ninguém pode servir a dous senhores, assim diz Cristo, que não pode servir a Deus, e mais ao dinheiro. Servir a Deus com o dinheiro, bem pode ser, e é bem que seja ; mas servir a Deus e ao dinheiro juntamente é impossível. "
segunda-feira, 10 de maio de 2010
do p.A.Vieira - os pequenos querem ser grandes
-"Os pequenos querem ser grandes, os grandes querem ser maiores, os maiores não sei, nem eles sabem o que querem ser : "Superbia eorum ascendit semper." Ninguém se contenta com a estatura que Deus lhe deu ; e não há homem tão pigmeu ou tão formiga, que não aspire a ser gigante."
do p.A.Vieira-que homem há
-"Que homem há, senhores, que não busque o descanso? Este é o fim que se busca e se pretende por todos os trabalhos da vida. O soldado pelos perigos da guerra busca o descanso da paz. O mareante por meio das ondas e das tempestades, busca o descanso do porto. O lavrador pelo suor do arado, o estudante queimando as pestanas, o mercador arriscando a fazenda, todos como diversos rios ao mar, correm a buscar o descanso, que é o centro do desejo e do cuidado. E houve algum homem tão mimoso da fortuna neste mundo, que em alguma ou em todas as cousas dele achasse o descanso que buscava? Nenhum."
quinta-feira, 6 de maio de 2010
do p.A.Vieira- ministros da república...
Ministros da república, da justiça, da guerra, do estado, do mar, da terra : vedes as obrigações que se descarregam sobre o vosso cuidado, vedes o peso, que carrega sobre as vossas consciências, vedes as desatenções do governo, vedes as injustiças, vedes os roubos, vedes os descaminhos, vedes os respeitos, vedes as potências dos grandes e as vexações dos pequenos, vedes as lágrimas dos pobres, os clamores e gemidos de todos? Ou o vedes ou o não vedes. Se o vedes, como o não remediais? E se o não remediais, como o vedes? Estais cegos. Pais de famílias, que tendes casa, mulher, filhos, criados : vedes o desconcerto e descaminho de vossas famílias, vedes a vaidade da mulher, e más companhias dos filhos, vedes a soltura e descomedimento dos criados, vedes como vivem, vedes o que fazem, e o que se atrevem a fazer, fiados muitas vezes na vossa dissimulação, no vosso consentimento, e na sombra do vosso poder? Ou o vedes, ou o não vedes. Se o vedes, como o não remediais? E se o não remediais como o vedes? Estais cegos.
do p.A.Vieira- Como pode ser...
... Como pode ser que haja homens tão cegos, que com os olhos abertos não vejam as cousas como são? ? Dirá alguém que este engano de vista procede da ignorância. O rústico porque é ignorante vê que a lua é maior que as estrelas ; mas o filósofo , porque é sábio, e mede as quantidades pelas distâncias, vê que as estrelas são maiores que a lua. O rústico, porque é ignorante, vê que céu é azul ; mas o filósofo, porque é sábio, e distingue o verdadeiro do aparente, vê que aquilo que parece céu azul, nem é azul nem é céu. O rústico, porque é ignorante, vê muita variedade de cores, no que ele chama arco-da -velha ; mas o filósofo, porque é sábio e conhece que até a luz engana (quando se dobra) vê que ali não há cores, senão enganos corados e ilusões da vista. E se a ignorância erra tanto, olhando para o céu, que será se olhar para a terra? Eu não pretendo negar à ignorância os seus erros ; mas os que do céu abaixo padecem comummente os olhos dos homens (e com que fazem padecer muitos) digo que não são da ignorância senão da paixão. A paixão é a que erra, a paixão a que os engana, a paixão a que lhes perturba e troca as espécies, para que vejam umas cousas por outras. E esta é a verdadeira razão ou sem razão, de uma tão notável cegueira. Os olhos vêem pelo coração, e assim como quem vê por vidros de diversas cores, todas as cousas lhe parecem daquela cor, assim as vistas se tingem dos mesmos humores, de que estão, bem ou mal, afectos os corações.
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