quinta-feira, 6 de maio de 2010
do p.A.Vieira- Como pode ser...
... Como pode ser que haja homens tão cegos, que com os olhos abertos não vejam as cousas como são? ? Dirá alguém que este engano de vista procede da ignorância. O rústico porque é ignorante vê que a lua é maior que as estrelas ; mas o filósofo , porque é sábio, e mede as quantidades pelas distâncias, vê que as estrelas são maiores que a lua. O rústico, porque é ignorante, vê que céu é azul ; mas o filósofo, porque é sábio, e distingue o verdadeiro do aparente, vê que aquilo que parece céu azul, nem é azul nem é céu. O rústico, porque é ignorante, vê muita variedade de cores, no que ele chama arco-da -velha ; mas o filósofo, porque é sábio e conhece que até a luz engana (quando se dobra) vê que ali não há cores, senão enganos corados e ilusões da vista. E se a ignorância erra tanto, olhando para o céu, que será se olhar para a terra? Eu não pretendo negar à ignorância os seus erros ; mas os que do céu abaixo padecem comummente os olhos dos homens (e com que fazem padecer muitos) digo que não são da ignorância senão da paixão. A paixão é a que erra, a paixão a que os engana, a paixão a que lhes perturba e troca as espécies, para que vejam umas cousas por outras. E esta é a verdadeira razão ou sem razão, de uma tão notável cegueira. Os olhos vêem pelo coração, e assim como quem vê por vidros de diversas cores, todas as cousas lhe parecem daquela cor, assim as vistas se tingem dos mesmos humores, de que estão, bem ou mal, afectos os corações.
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