sexta-feira, 25 de junho de 2010
do p.A.Vieira - Sim : para as lágrimas...
- " Sim : para as lágrimas que não têm causa que são a maior parte das que se choram, que remédio lhes daremos nós ? Para curar as lágrimas da razão, já temos remédio, buscar-lhe a causa e tirá-la ; mas para curar as lágrimas da sem razão, que remédio lhe havemos de dar, que elas não têm causa ? As lágrimas dos que choram, bem se podem remediar, mas as lágrimas dos que se choram, que remédio há-de haver para elas ? Eu dissera que as lágrimas que não têm causa, não hão mister cura. Se as lágrimas têm causa, dê-se-lhes remédio, e enxuguem-se : se as lágrimas não têm causa, elas enxugarão por si, não hão mister remédio. Examine o príncipe exactamente donde nascem as lágrimas dos vassalos : se têm causa, ponha-lhe remédio, se não têm causa, não lhe dêem cuidado."
do p.A.Vieira - O mesmo havemos de fazer nós...
- " O mesmo havemos de fazer nós : nem nos engane o mundo com a falsa apreensão do descanso ; porque com um pequeno trabalho alcançaremos descanso eterno. Nem nos engane com os seus falsos perigos ; pois, quando muito, podem chegar até à morte desta vida, que necessariamente há-de acabar. Nem nos engane com o seu falso interesse ; porque por uma pequena despesa alcançaremos os interesses do Céu. Nem nos engane com a sua falsa honra porque, por um pequeno descrédito com os homens, alcançaremos eterna glória entre os anjos. E finalmente, nos nos acovarde dificuldade alguma ; porque quanto maiores, tanto mais nos facilita Deus o vencê-las. Eu antes quero grandes dificuldades, que as pequenas ; porque as pequenas correm por minha conta, as grandes por conta de Deus."
do p.A.Vieira - Mas como aproveita...
- " Mas como aproveita pouco o semear sem colher, assim é inútil o dizer sem persuadir."
quarta-feira, 23 de junho de 2010
do p.A.Vieira - Os nossos ídolos...
- " Os nossos ídolos são as mossas paixões, e os nossos apetites : e raro é o cristão de sono e juizo tão repousado que o deixe dormir, e não desvele a sua idolatria. Quanto corta pelo sono o adúltero ? Quanto corta pela sono o vingativo ? Quanto corta pelo sono o ladrão ? Quanto corta pelo sono o taful ? Quanto corta pelo sono o invejoso, o ambicioso, e, mais vigilante que todos, o avarento e cobiçoso ? Os Judeus adoram o bezerro de ouro, os Cristãos adoram o ouro, ainda que não pese tanto como o bezerro. Do ouro tomou o nome a aurora, e esta é a despertadora que os não deixa dormir, e faz vigiar, maquinando subtilezas, traças, enganos, traições, e sacrificando ao torpe, vergonhoso, e brutal ídolo do interesse, o descanso, a razão, a vida, a honra, a consciência, a alma."
do p.A.Vieira - Desperta, ó homem indigno...
- " Desperta, ó homem indigno, aos brados de todas as criaturas; abre os olhos , e vê a que madrugas, e a que não madrugas. Deixadas as madrugadas mecânicas, como as do oficial vigilante, que madruga para bater e malhar o ferro, obrigando também a madrugar o ar e o fogo : os que professam vida e acções mais nobres, para que madrugam ? Madruga o matemático, para observar as estrelas, antes que lhas esconda o Sol : madruga o soldado, para vigiar o seu quarto, ou na muralha, ou na campanha, ou no bordo da nau : madruga o estudante sobre o livro, que tantas madrugadas custou ao seu autor, quantas são as letras, muitas vezes riscadas, de que está composto : madruga o requerente, madruga o caminhante, madruga cercado de galgos o caçador, e sobre todos com mais estrondosas madrugadas os príncipes, devendo madrugar não para montear desertos, e matar feras ; mas como fazia el-rei David, para alimpar os povoados de vícios, e matar os que os cometem : In matutino interficiebam omnes peccatores terrae. E que apetite menos digno de tão alto e soberano nome, que despertarem ao som de trombetas, e muitas horas antes do Sol, para correr uma lebre, ou dar uma lançada no javali amalhado, aqueles que sem este despertador depois da quarta parte do dia, tendo tanto que ver e provar, ainda não têm abertos os olhos ? Oh que diferentemente haviam de madrugar para agradecer a Deus este descanso, se advertiram e disseram com o pastor agradecido : Deus vobis haec otia fecit !
do p.A.Vieira -Quem mais ama...
-"Quem mais ama, mais madruga. O amor nasce nos olhos, e quem o pintou com os olhos tapados, devia ser cego. Esse amor, quando muito, será o pintado, o amor vivo e o verdadeiro sempre está com os olhos abertos, porque sempre vela. Quem tirou o véu ao amor, esse lhe descobriu a cara, porque o mostrou desvelado. Não me estranheis o equívoco, que em manhã tão alegre e tão festiva, até os Evangelistas o usaram, como logo vereis. Torno a dizer, que é grande madrugador o amor, porque quem tem cuidados não dorme. A filosofia deste porquê não é menos que de Platão, a quem chamaram o divino : Inquieta res est amor : parum diligis, si multum quiesces : O amor é um espírito sempre inquieto, e quem aquieta muito sinal é que ama pouco. Vistes alguma hora quieta ou ardendo na cera, ou em outra matéria menos branda, uma labareda de fogo? Jamais. Sempre está inquieta, sempre sem sossegar, sempre tremendo, e não de frio. E porque o amor não sabe quietar, por isso não pode dormir. Talvez adormecerão os sentidos, mas o amor sempre vela, porque sempre lhe faz sentinela o coração : Ego dormio, et cor meum vigilat. "
terça-feira, 22 de junho de 2010
do p.A.Vieira - Notável filosofia...
- "Notável filosofia é a dos nossos olhos no chorar e não chorar. Se choramos, o nosso ver foi a causa; e se não choramos, o nosso ver é o impedimento. Como estes nossos olhos são as portas do ver e do chorar, encontram-se nestas portas as lágrimas com as vistas; as vistas para entrar, as lágrimas para sair. E porque as lágrimas são mais grossas, e as vistas mais subtis, entram de tropel as vistas, e não podem sair as lágrimas. Vistes já nas barras do mar, encontrar-se a força da maré com as correntes dos rios; e porque o peso do mar é mais poderoso, vistes como as ondas entram, e os rios param ? Pois o mesmo passa nos nossos olhos. Todos os objectos deste mar imenso do mundo, e mais os que mais amamos, são as ondas, que umas sobre outras entram pelos nossos olhos; e ainda que as lágrimas dos mesmos olhos tenham tantas causas para sair, como o sentido do ver , pode mais que o sentido do chorar, vemos quando havíamos de chorar, e não choramos, porque não cessamos de ver. Vejamos tudo nos olhos de David, que do ver nos deixou tantos desenganos, e do chorar tantos exemplos."
do p.A.Vieira - Vede que misteriosamente...
- " Vede que misteriosamente puseram as lágrimas nos olhos a natureza, a justiça, a razão, a graça. A natureza para remédio; a justiça para castigo; a razão para arrependimento; a graça para triunfo. Como pelos olhos se contrai a mácula do pecado, pôs a natureza nos olhos as lágrimas, para que com aquela água se lavassem as manchas: como pelos olhos se admite a culpa, pôs a justiça nos olhos as lágrimas para que estivesse o suplício no mesmo lugar do delito .: como pelos olhos se concebe a ofensa, pôs a razão nos olhos as lágrimas, para que onde se fundiu a ingratidão, se desfizesse o arrependimento : e como pelos olhos entram os inimigos à alma, pôs a graça nos olhos as lágrimas, para que pelas mesmas brechas por onde entraram vencedores, os fizesse sair correndo. Entrou Jonas pela boca da baleia pecador, saía Jonas pela boca da baleia arrependido. Razão é logo e justiça, e não só graça, senão natureza, que pois os olhos são a fonte universal de todos os pecados, sejam os rios de suas lágrimas a satisfação também universal de todos; e que paguem os olhos por todos chorando, já que pecaram em todos vendo: Qui fonte manavit nefas, fluent perennes lacrimae."
do p.A.Vieira - Se o homem peca...
- " Se o homem peca nos maus passos, paguem os pés; se peca nas más obras, paguem as mão; se peca nas más palavras, pague a língua; se peca nos maus pensamentos, pague a memória; se peca nos maus juizos, pague o entendimento; se peca nos maus desejos, e nos maus afectos, pague a vontade: mas que os tristes olhos hajam de pagar tudo, e por todos ? Sim; porque é justo que pague por todos, quem é causa ou instrumento dos pecados de todos."
sábado, 19 de junho de 2010
do p.A.Vieira - Ninguém haverá...
-" Ninguém haverá (se tem entendimento) que não deseja saber porque ajuntou a natureza nos mesmo instrumento, as lágrimas e a vista; e porque uniu na mesma potência o ofício de chorar, e o de ver ? O ver é acção mais alegre; o chorar a mais triste. Sem ver, como dizia Tobias, não há gosto, porque o sabor de todos os gostos é o ver; pelo contrário, o chorar é o estilado da dor, o sangue da alma, a tinta do coração, o fel da vida, o líquido do sentimento. Porque ajuntou logo a natureza nos mesmos olhos dous efeitos tão contrários - ver e chorar ? A razão e a experiência é esta. Ajuntou a natureza a vista e as lágrimas, porque as lágrimas são consequência da vista; ajuntou a Providência o chorar com o ver, porque o ver é causa de chorar. Sabeis porque choram os olhos? Porque vêem. Chorou David toda a vida, e chorou tão continuamente, que com as lágrimas sustentava a mesma vida ; Fuerunt mihi lacrimae meae panes. E porque chorou tanto David? Porque viu: Vdit mulierem. Chorou Siquém, chorou Jacob, chorou Sansão, um príncipe, outro pastor, outro soldado: e porque pagaram este tributo tão igual às lágrimas os que tinham tão desigual fortuna? Porque viram. Siquém a Dina, Jacob a Raquel. Sansão a Dalila. Choraram os que com suas lágrima acrescentaram as águas ao dilúvio; e porque choraram? Porque tendo o nome de filhos de Deus, viram as que se chamavam filhas dos homens: Videntes Filii Dei, filias hominum. Mas para que são exemplos partuculares em uma causa tão comum e tão universal de todos os olhos? Todas as lágrimas que se choram, todas as que se têm chorado, todas as que se hão-de chorar até o fim do mundo, onde tiveram seu princípio? Em uma vista: Vidit mulier, quod bonum esset lignum ad vescendum. "
do p.A.Vieira -Notável criatura...
- " Notável criatura são os olhos ! Admirável instrumento da natureza ; prodigioso artifício da Providência ! Eles são a primeira página da culpa ; eles a primeira fonte da graça. São os olhos duas víboras, metidas em duas covas, em que a tentação pôs o veneno, e a contrição a triaga. São duas setas com que o Demónio se arma para nos ferir e perder; e são dous escudos com que Deus depois de feridos nos repara para nos salvar. Todos os sentidos do homem têm um só ofício; só os olhos têm dous.O ouvido ouve, o gosto gosta, o olfacto cheira, o tacto apalpa, só os olhos têm dous ofícios : ver e chorar. Estes serão os dous pólos do nosso discurso. "
quinta-feira, 17 de junho de 2010
do p.A.Vieira - Dos governadores...
-" Dos governadores que mandava a diversas províncias o imperador Maximino, se dizia com galante e bem apropriada semelhança, que eram esponjas. A traça ou astúcia, com que usava destes instrumentos era toda encaminhada a fartar a sede da sua cobiça. Porque ele, como esponjas, chupavam das províncias que governavam, tudo quanto podiam ; e o imperador, quando tornavam, espremia as esponjas, e tomava para o fisco real quanto tinham roubado, com que ele ficava rico e eles castigados. Uma cousa fazia mal este imperador, outra bem, e faltava-lhe a melhor. Um mandar governadores às províncias, homens que fossem esponjas, fazia mal : em espremer as esponjas quando tornavam, e ele confiscar o que traziam, fazia bem e justamente ; mas faltava-lhe a melhor, como injusto e tirano que era, porque tudo o que espremia das esponjas, não o havia de tomar para si, senão restitui-lo às mesmas províncias donde se tinha roubado. Isto é o que são obrigados a fazer em consciência os reis que se desejam salvar, e não cuidar que satisfazem ao zelo e obrigação da justiça com mandar prender em um castelo o que roubou a cidade, a província, o estado. Que importa, que por alguns dias, ou meses, se lhe dê esta sombra de castigo, se passados eles se vai lograr do que trouxe roubado, e os que padeceram os danos não são restituídos ? "
do p.A.Vieira - Antigamente...
- " Antigamente os que assistiam ao lado dos príncipes chamavam-se laterones . E depois, corrompendo-se este vocábulo, como afirma Marco Varro, chamaram--se latrones . E que seria se assim como se corrompeu o vocábulo, se corrompessem também os que o mesmo vocábulo significa ? Mas eu nem digo, nem cuido tal cousa. O que só digo e sei, por teologia certa, é, que em qualquer parte do mundo se pode verificar o que Isaías diz dos príncipes de Jerusalém : Principes tui socii furum : os teus príncipes são companheiros dos ladrões. E porquê ? São companheiros dos ladrões, porque os dissimulam ; são companheiros dos ladrões porque os consentem ; são companheiros dos ladrões, porque lhes dão os postos e os poderes ; são companheiros dos ladrões, porque talvez os defendem ; e são finalmente seus companheiros, porque os acompanham e hão-se acompanhar ao Inferno, onde os mesmos ladrões os levam consigo. "
quarta-feira, 16 de junho de 2010
Dizia Salazar...
- A senhora Maria, governanta, dizia a Salazar : " porque não manda prender esse ministro que rouba tanto ?" - ao que Salazar respondeu :
- " Não o mando prendê-lo porque não pode roubar mais do que já roubou."
- " Não o mando prendê-lo porque não pode roubar mais do que já roubou."
do p.A.Vieira - Dom fulano...
- " Dom Fulano (diz a piedade bem intencionada ) é um fidalgo pobre, dê-se-lhe um governo. E quantas impiedades, ou advertidas ou não, se contém nesta piedade ? Se é pobre, dêem-lhe uma esmola honestada com o nome de tença, e tenha com que viver. Mas porque é pobre, um governo, para que vá desempobrecer à custa dos que governar ; e para que vá fazer muitos pobres à conta de tornar muito rico !? Isto quer quem o elege por este motivo. Vamos aos do prémio, e também aos do castigo. Certo capitão mais antigo tem muitos anos de serviço : dêem-lhe uma fortaleza nas Conquistas. Mas se esses anos de serviço assentam sobre um sujeito, que os primeiros despojos que tomava na guerra eram a farda e a ração dos seus próprios soldados, despidos e mortos de fome ; que há-de fazer em Sofala ou em Mascate? Tal graduado em :Leis leu com grande aplauso no Paço ; porém em duas Judicaturas, e uma Correição, não deu boa conta de si ; pois vá degredado para a Índia com uma beca. E se na Beira e no Alentejo, onde não há diamantes, nem rubis, se lhe pegavam as mãos a este doutor, que será na relação de Goa ?. "
segunda-feira, 14 de junho de 2010
do p.A.Vieira - Não são só ladrões...
- " Não são só ladrões, diz o Santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa ; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título, são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos : os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo : ou outros, se furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.. Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavão a enforcar uns ladrões e começou a bradar : "lá vão os ladrões grandes enforcar os pequenos. " Ditosa Grécia, que tinha tal pregador ! E mais ditosas as outras nações, se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas. Quantas vezes se viu em Roma ir a enforcar um ladrão por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador por ter roubado uma província! E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões triunfantes ? "
do p.A.Vieira- Quando li isto...
- "Quando li isto em Séneca, não me admirei tanto que um filósofo estóico se atrevesse a escrever uma tal sentença em Roma, reinando nela Nero : o que mais me admirou e quase envergonhou, foi, que os nossos oradores evangélicos em tempo de príncipes católicos e timoratos, ou para a emenda, ou para a cautela, não preguem a mesma doutrina. Saibam estes eloquentes mudos, que mais ofendem os reis com o que calam, que com o que disserem ; porque a confiança, com que isto se diz, é sinal que lhes não toca, e que se não podem ofender ; e a cautela com que se cala, é argumento de que se ofenderão, porque lhe pode tocar. "
sábado, 12 de junho de 2010
do p.A.Vieira - Navegava Alexandre,,,
- " Navegava Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a conquistar a Índia ; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício ; porém ele que não era medroso nem lerdo, respondeu assim : "Basta, Senhor, que eu porque roubo em uma barca sou ladrão, e vós porque roubais em uma armada, sois imperador ? Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza : o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres."
do p.A.Vieira - Se os príncipes...
- " Se os príncipes tomarem por violência o que se lhes não deve, é rapina e latrocínio. Donde se segue, que estão obrigados à restituição como os ladrões ; e que pecam tanto mais gravemente que os mesmos ladrões, quanto é mais perigoso e mais comum o dano, com que ofendem a justiça pública, de que eles estão postos por defensores. "
do p.A.Vieira - Oh que três cravos...
- " Oh que três cravos tão fortes os do temor de Deus ! Temor de o ter ofendido, temor de o estar ofendendo, temor de o poder ofender. O temor de o ter ofendido traz consigo o arrependimento de todos os pecados passados : o temor de o estar ofendendo traz consigo a emenda de todos os pecados presentes : o temor de o poder ofender traz consigo o propósito firme para todos os pecados futuros. O primeiro cravo do temor de Deus prega-o um algoz, que se chame Pensamento do Morte : o segundo cravo do temor de Deus prega-o outro algoz, que se chama Pensamento do Juízo : o terceiro cravo do temor de Deus prega-o outro algoz , que se chama Pensamento do Inferno. Deite-.se o cristão na cruz de Cristo ; entregue-se nas mãos destes três pensamentos, deixe-os dar uma martelada e outra martelada na consideração, e logo verá como acha a sua carne crucificada com todos seus vícios e apetites, de modo que não tenham pés parra dar passo, nem mãos para fazer acção que sejam em desserviço de Deus. Mas, ai ! e tomara que este ai chegara às quatro partes do mundo ! Em vez de nós nos crucificarmos com Cristo, como disse S. Paulo, nós somos os que crucificamos outra vez a Cristo, como diz o mesmo apóstolo : Rursum crucifigentes Filium Dei. "
do p.A.Vieira - Nem os reis
- " Nem os reis podem ir ao Paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao Inferno sem levar consigo os reis. "
quarta-feira, 9 de junho de 2010
do p.A.Vieira - O amor sempre é....
- " O amor sempre é amoroso ; mas umas vezes é amoroso e unitivo, outra vezes amoroso e forte. Enquanto amoroso e unitivo, ajunta os extremos mais distantes : enquanto amoroso e forte, divide os extremos mais unidos . Quais são os extremos mais distantes e mais unidos que há no mundo ? O nosso corpo, e a nossa alma. São os extremos mais distantes ; porque um é carne, outro espírito : são os extremos mais unidos : porque nunca jamais se apartam. Juntos nascem, juntos crescem, juntos vivem ; juntos caminham, juntos param juntos trabalham, juntos descansam ; de noite, e de dia ; dormindo e velando : em todo o tempo, em toda a idade, em toda a fortuna : sempre amigos, sempre companheiros, sempre abraçados, sempre unidos. E esta união tão natural, esta união tão estreita, quem a divide ? A morte. Tal é o amor : Fortis est ut mors dilectio. O amor, enquanto unitivo, é como a vida ; enquanto forte, é como a morte, Enquanto unitivo, por mais distantes que sejam os extremos, ajunta-os ; enquanto forte, por mais unidos que estejam, aparta-os. "
do p.A.Vieira - O amor é...
- " O amor essencialmente é união, e naturalmente a busca : para ali pesa, para ali caminha, e só ali pára. Tudo são palavras de Platão, e de Santo Agostinho. Pois se a natureza do amor é unir, como pode ser efeito do amor o apartar ? Assim é, quando o amor não é extremado e excessivo. As causas excessivamente intensas produzem efeitos contrários. A dor faz gritar ; mas se é excessiva, faz emudecer : a luz faz ver ; mas se é excessiva, cega : a alegria alenta e vivifica ; mas se é excessiva, mata. Assim o amor: naturalmente une ; mas se é excessivo, divide : Fortis est ut mors dilectio : o amor, diz Salomão, é como a morte. Como a morte rei sábio ? Como a vida, dissera eu. O amor é união de almas ; a morte é separação da alma : pois se o efeito do amor é unir, e o efeitos da morte é separar, como pode ser o amor semelhante à morte ? O mesmo Salomão se explicou. Não fala Salomão de qualquer amor, senão do amor forte : Fortis est ut mors dilectio : e o amor forte, o amor intenso, o amor excessivo, produz efeitos contrários. É união, e produz apartamentos. Sabe-se o amor atar, e sabe-se desatar como Sansão : afectuoso, deixa-se atar : forte, rompe as ataduras. "
domingo, 6 de junho de 2010
do p.A.Vieira - Que é o que mais deseja...
- " Que é o que mais deseja, e mais estima o amor : ver-se conhecido, ou ver-se pago ? É certo que o amor não pode ser pago, sem ser primeiro conhecido : mas pode ser conhecido, sem ser pago : e considerando divididos estes dous termos, não há dúvida que mais estima o amor e melhor lhe está ver-se conhecido, que pago. Porque o que o amor mais pretende, é obrigar : o conhecimento obriga, a paga desempenha : logo muito melhor lhe está ao amor, ver-se conhecido, que pago ; porque o conhecimento aperta as obrigações, a paga e o desempenho desata-as. O conhecimento é satisfação do amor próprio : a paga é satisfação do amor alheio : na satisfação do que o amor recebe, pode ser o afecto interessado : na satisfação do que comunica, não pode ser senão liberal : logo mais deve estimar o amor ter segura no conhecimento a satisfação da sua liberalidade, que ver duvidosa na paga a fidalguia do seu desinteresse. O mais seguro crédito de quem ama, é a confissão da dívida no amado : mas como há de confessar a dívida, quem a não conhece ? Mais lhe importa logo ao amor o conhecimento, que a paga ; porque a sua maior riqueza é ter sempre endividado a quem ama. Quando a amor deixa de der acredor, só então é pobre. Finalmente, ser tão grande o amor que se não possa pagar, é a maior glória de quem ama : se esta grandeza se conhece, é glória manifesta : se não se conhece, fica escurecida, e não é glória : logo muito mais estima o amor, e muito mais deseja, e muito mais lhe convém a glória de conhecido,que a satisfação de pago. Baste de razões, vamos à escritura. "
do p.A.Vieira - A terceira circunstância...
- " Questão é curiosa nesta filosofia, qual seja mais precioso e de maiores quilates : se o primeiro amor, ou o segundo ? Ao primeiro ninguém pode negar que é o primogénito do coração, o morgado dos afectos, a flor do desejo, e as primícias da vontade. Contudo , eu reconheço grandes vantagens no amor segundo. O primeiro é bisonho, o segundo é experimentado : o primeiro é aprendiz, o segundo é mestre : o primeiro pode ser ímpeto, o segundo não pode ser senão amor. Enfim, o segundo amor, porque é segundo, é confirmação e ratificação do primeiro, e por isso não simples amor, senão duplicado, e amor sobre amor. É verdade que o primeiro amor é o primogénito do coração ; porém a vontade sempre livre não tem os seus bens vinculados. Seja o primeiro, mas não por isso o maior. "
sexta-feira, 4 de junho de 2010
do p.A.Vieira - Não amou Cristo......
- " Não amou Cristo os seus, como vós amais os vossos. Vós amai-los, como são na vossa imaginação, e não como são no mundo . No mundo são ingratos, na vossa imaginação são agradecidos : no mundo são traidores, na vossa imaginação são leais ; no mundo são inimigos, na vossa imaginação são amigos, E amar ao inimigo, cuidando que é amigo, e ao traidor, cuidando que é leal. e ao ingrato, cuidando que é agradecido, não é fineza, é ignorância. Por isso o vosso amor não tem merecimento, nem é senão engano. Só o de Cristo foi verdadeiro amor, e verdadeira fineza ; porque amou os seus como eram, e com inteira ciência do que eram : ao inimigo, sabendo o seu ódio, ao ingrato, sabendo a sua ingratidão, e ao traidor, sabendo a sua deslealdade : Seiebat enim quesnam esset, qui traderest eum . " .
do p.A.Vieira- - deste discurso...
-" Deste discurso se segue uma conclusão tão certa como ignorada ; e é , que os homens não amam aquilo que cuidam que amam. Porquê ? Ou porque o que amam não é o que cuidam , ou porque amam o que verdadeiramente não há. Quem estima vidros, cuidando que são diamantes, diamantes estima, e não vidros : quem ama defeitos. cuidando que são perfeições, perfeições amam, e não defeitos. Cuidais que amais diamantes de firmeza, e amais vidros de fragilidade : cuidaiis que amais perfeições angélicas, e amais imperfeições humanas. Logo os homens não amam o que cuidam que amam. Donde também se segue, que amam o que verdadeiramente não há ; porque amam as cousas, não como são senão como as imaginam, e o que se imagina, e não é, não o há no mundo. "
quarta-feira, 2 de junho de 2010
do p.A.Vieira- quatro ignorâncias
- " Quatro ignorâncias podem concorrer em um amante, que diminuam muito a perfeição e merecimento de seu amor. Ou porque não se conhece a si : ou porque não conhecesse a quem amava : ou porque não conhecesse o amor : ou porque não conhecesse o fim onde há-de parar, amando. Se não se conhecesse a si, talvez empregaria o seu pensamento onde o não havia de pôr, se se conhecera. Se não conhecesse a quem amava, talvez quereria com grandes finezas, a quem havia de aborrecer, se o não ignorara. Se não conhecesse o amor, talvez se empenharia cegamente no que não havia de empreender, se o soubera. Se não conhecesse o fim em que havia de parar, amando, talvez chegaria a padecer os danos a que não havia de chegar se os previra. Todas estas ignorâncias que se acham nos homens, em Cristo foram ciências, e em todas e cada uma crescem os quilates de seu extremado amor. Conhecia-se a si, conhecia a quem amava, conhecia o amor, e conhecia o fim onde havia de parar, amando. "
do p.A.Vieira
- " Pinta-se o amor sempre menino, porque ainda que passe dos sete anos, como o de Jacob, nunca chega à idade do uso de razão. Usar de razão, e amar, são duas cousas que não se ajuntam. A alma de um menino que vem a ser ? Uma vontade com afectos, e um entendimento sem uso. Tal é o amor vulgar. Tudo conquista o amor, quando conquista uma alma ; porém o primeiro rendido é o entendimento. Ninguém teve a vontade febricitante, que não tivesse o entendimento frenético. O amor deixará de variar,se for firme, mas não deixará de tresvariar, se é amor. Nunca o fogo abrasou a vontade, que o fumo não cegasse o entendimento. Nunca houve enfermidade no coração, que não houvesse fraqueza no juízo. Por isso os mesmos pintores do amor lhe vendaram os olhos. E como o primeiro efeito, ou a última disposição do amor, é cegar o entendimento, daqui vem, que isto que vulgarmente se chama amor, tem mais partes de ignorância : e quantas partes tem de ignorância, tantas lhe faltam de amor. Quem ama, porque conhece, é amante ; quem ama, porque ignora, é néscio. Assim como a ignorância na ofensa diminui o delito, assim no amor diminui o merecimento. Quem, ignorando, ofendeu, em rigor não é delinquente ; quem, ignorando, amou, em rigor não é amante. "
Subscrever:
Comentários (Atom)