sábado, 19 de junho de 2010

do p.A.Vieira - Ninguém haverá...

          -" Ninguém haverá (se tem entendimento) que não deseja saber porque ajuntou a natureza nos mesmo instrumento, as lágrimas e a vista; e porque uniu na mesma potência o ofício de chorar, e o de ver  ? O ver é acção mais alegre; o chorar a mais triste. Sem ver, como dizia Tobias, não há gosto, porque o sabor de todos os gostos é o ver; pelo contrário, o chorar é  o estilado da dor, o sangue da alma, a tinta do coração, o fel da vida, o líquido do sentimento. Porque ajuntou logo a natureza nos mesmos olhos dous efeitos tão contrários - ver e chorar ? A razão e a experiência é esta. Ajuntou a natureza a vista e as lágrimas, porque as lágrimas são consequência da vista; ajuntou a Providência o chorar com o ver, porque o ver é causa de chorar. Sabeis porque choram os olhos? Porque vêem. Chorou  David toda a vida, e chorou tão continuamente, que com as lágrimas sustentava a mesma vida ; Fuerunt mihi lacrimae meae panes. E porque chorou tanto David? Porque viu: Vdit mulierem. Chorou Siquém, chorou Jacob, chorou Sansão, um príncipe, outro pastor, outro soldado: e porque pagaram este tributo tão igual às lágrimas os que tinham tão desigual fortuna? Porque viram. Siquém a Dina, Jacob a Raquel. Sansão a Dalila. Choraram os que com suas lágrima acrescentaram as águas ao dilúvio; e porque choraram? Porque tendo o nome de filhos de Deus, viram as que se chamavam filhas dos homens: Videntes Filii Dei, filias hominum. Mas para que são exemplos partuculares em uma causa tão comum e tão universal de todos os olhos? Todas as lágrimas que se choram, todas as que se têm chorado, todas as que se hão-de chorar até o fim do mundo, onde tiveram seu princípio? Em uma vista: Vidit mulier, quod bonum esset lignum ad vescendum. "

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