domingo, 21 de março de 2010

do p.A.Vieira - os respeitos e o dinheiro

       "Se se puser em questão  qual tem perdido mais consciências e condenado mais almas, se o respeito, se o dinheiro ? Eu sempre dissera, que o respeito : por duas razões. Primeira, porque as tentações do respeito são mais e maiores que as do dinheiro. São mais, porque o dinheiro é pouco, e os respeitos muitos. São maiores, porque em ânimos generosos mais fácil é desprezar muito dinheiro, que cortar por um pequeno respeito. Segunda, e principal, porque o que se fez por respeito tem muito mais dificultosa restituição, que o que se fez por dinheiro. Na injustiça que se fez, ou se vendeu por dinheiro (como o dinheiro é cousa que se vê e que se apalpa), o mesmo dinheiro chama pelo escrúpulo : o mesmo dinheiro intercede pela restituição. A luz do diamante dá-vos nos olhos ; a cadeia tira por vós ; o contador lembra-vos a conta ; a lâmina e o quadro peregrino (ainda que seja com figuras mudas) dá brados à consciência : mas no que se fez por respeito, por amizade, por dependência (como estas apreensões são cousas que se não vêem; como são cousas, que vos não armam a casa, nem se penduram nas paredes) não tem o escrúpulo tantos despertadores que façam lembrança à alma. Sobretudo se eu vendi a justiça por dinheiro, quando quero restituir (se quero) dou o que me deram, pago o que recebi, desembolso o que embolsei, que não é tão dificultoso. Mas se eu vendi a justiça, ou a dei de graça, pelo respeito, haver de restituir sem ter adquirido, haver de pagar sem ter recebido, haver de desembolsar sem ter embolsado, oh que dificuldade dão terrível ! Quem restitui o dinheiro paga com o alheio ; quem restitui o respeito há-de pagar com o próprio : e para o tirar de minha casa, para o arrancar de meus filhos, para o sangrar de minhas veias, oh quanto valor, oh quanta resolução, oh quanto poder da graça  divina é necessário ! Os juizes de Samaria por respeito de Jezabel condenaram inocente a Naboth, e foi-lhe confiscada a vinha para Acab que a desejava. Assim Acab, como os juizes, deviam restituição da vinha ; porque assim ele, como eles, a tinham roubado. E a quem era mais fácil esta restituição? A Acab era mais fácil, e aos juizes muito dificultosa, porque Acab restituia a vinha, tendo recebido a vinha : e os juizes haviam de restituir a vinha não a tendo recebido. Acab restituia tanto por tanto, porque pagava a vinha pela vinha : os juizes restituiam tudo por nada, porque haviam de pagar a vinha por um respeito. Quase estou para vos dizer que se  houverdes de vender a alma, seja antes por dinheiro, que por respeitos  ; porque ainda que o dinheiro se restitui poucas vezes, os respeitos nunca se restituem."

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