sábado, 10 de julho de 2010
do p.A.Vieira - Os que andastes...
-" Os que andastes pelo mindo e entrastes em casas de prazer de príncipes, veríeis naqueles quadros e naquelas ruas dos jardins dous´géneros de estátuas muito diferentes, umas de mármore, outras de murta. A estátua de mármore custa muito a fazer, pela dureza e resistência da matéria; mas depois de feita uma vez, não é necessário que lhe ponham mais a mão, sempre conserva e sustenta a mesma figura : a estátua de murta é mais fácil de formar, pela facilidade com que se dobram os ramos; mas é necessário andar sempre reforçando e trabalhando nela, para que se conserve. Se deixa o jardineiro de assistir, em quatro dias sai um ramo, que lhe atravessa os olhos; sai outro, que lhe descompõe as orelhas; saem dous, que de cinco dedos lhe fazem sete; e o que pouco antes era homem, já é uma confusão verde de murtas. Eis aqui a diferença que há entre umas nações e outras na doutrina da fé. Há umas nações naturalmente duras, tenazes e constantes, as quais dificultosamente recebem a fé e deixam os erros de seus antepassados: resistem com as armas, dividam com o entendimento, repugnam com a vontade, cerram-se, teimam, argumentam, replicam, dão grande trabalho até se renderem; mas uma vez rendidos, uma vez que receberam a fé, ficam nela firmes e constantes como estátuas de mármore, não é necessário trabalhar mais com eles. Há outras nações pelo contrário (e estas são as do Brasil) que recebem tudo o que lhes ensinam, com grande docilidade e facilidade, sem argumentar, sem replicar, sem duvidar, sem resistir; mas dão estátuas de murta, que em levantando a mão e a tesoura o jardineiro, logo perdem a nova figura, e tornam à bruteza antiga e natural, e a ser muito como dantes eram. É necessário que assista sempre a estas estátuas o mestre delas, uma vez que lhe corte o que vicejam olhos, para que creiam o que não vêem; outra vez que lhe cerceie o que vicejam as orelhas, para que não dêem ouvidos às fábulas de seus antepassados; outra vez que lhe decepe o que vicejam as mãos e os pés, para que se abstenham das acções e costumes bárbaros da gentilidade. E só desta maneira, trabalhando sempre contra a natureza do tronco e humor das raízes, se pode conservar nestas plantas rudes a forma não natural e compostura dos ramos."
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