terça-feira, 6 de julho de 2010

do p.A.Vieira - Quo vadis ?

          - " Quo vadis ? Homem néscio, tu sabes para onde vais, ou o que levas ? Pois esta mesma ignorância e loucura é a de todos ou quase todos  os que se chamam cristãos neste mundo. Se lhes perguntarmos para onde vão, dizem que para o Céu. E se olharmos para os seus cuidados, e para os seus empregos, e para as suas carregações, competindo todos em quem mais há-de carregar e sobrecarregar ; acharemos que todo o seu cabedal empenham naquelas mercadorias, que nenhum preço, nem valor têm no Céu. Cá custam muito, e lá não valem nada. O ouro e a prata não têm lá valor ; porque lá é a pátria das riquezas :  os gostos e os passatempos lá não têm valor ; porque lá é a pátria das delícias : as telas e os brocados lá não têm valor ; porque lá todos vestem de glória : os regalos e sabores esquisitos lã não têm valor porque lá os perpétuos banquetes são a vista de Deus. Que cousas são logo aquelas que no Céu têm grande valor, e grande preço ? São aquelas que lá não há. Os trabalhos, as pobrezas, as fomes, as sedes, as perseguições, os ódios, as injúrias, as afrontas, as calúnias, os falsos testemunhos ; e todas  as outras misérias ou violências que neste mundo se padecem, estas são que no Céu só têm valia ; porque no Céu  todos são impassíveis. Cá é a terra do trabalho e da paciência ; lá é o porto do descanso, e a pátria da impassibilidade. Olhai, olhai bem para o interior desse Céu, e vede o que lá só aparece e resplandece levado cá da Terra. A cruz de Pedro e André : as grelhas de Lourenço ; as setas de Sebastião : as pedras de Estêvão : as navalhas de Catarina : as fogueiras de Tecla : as torqueses de Apolónia : os olhos nas mãos de Luzia. E como estas são as mercadorias que só têm valor e preço no Céu, vede se os que mais carregados e sobrecarregados se vêem destas felicíssimas drogas, tanto mais preciosas, quanto mais pesadas, vêde se têm razão de se entristecer, ou de se alegrar, e de saltar da Terra ao mesmo Céu de prazer. "

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