terça-feira, 30 de novembro de 2010

do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria

        -" A calúnia e o falso testemunho, faz endoudecer o sábio. E os Setenta Intérpretes declarando esta doudice, ou modo deste endoudecer, dizem que o é circunferendo, dando-lhe volta ao juizo.Mas o mesmo parece que está duvidoso em crer um tamanho excesso, porque o contradiz a experiência, É certo que há muitas calúnias e muitos falsos testemunhos, e contudo não vemos endoudecer os caluniados. Se assim fora todo o mundo estivera na casa dos loucos. Pois se há tantos caluniados porque há tão poucos doudos ? Porque há poucos sisudos. A Escritura não diz que a calúnia faz endoudecer a todos, senão aos sábios : Calumnia insanire facit sapientem.  Caluniado e infamado, só perde o juizo quem o tem."

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria

       Sentença é divina, tão infalível na verdade, como provada na experiência, que aquela graça da natureza a que os olhos chamam formosura, não é mais que uma aparência da mesma vista, enganosa e vã. Comecemos por aqui, pois este foi o princípio fatal daquela horrenda tragédia, que depois de convertida em glória, tirou e deu o mome a esta antiquíssima e nobilíssima república. É a graça e formosura enganosa e vã : Fallax gratia, et vana est pulchritudo,.diz o Espírito Santo por boca de Salomão, o mais experimentado neste engano, e o mais desenganado desta vaidade. Nem era neessário o testemunho de tão soberanas autoridades, divina e humana, para persuadir esta fé à vista. Até os poetas, que  tanto se empregam em disfarçar e encobrir a falsidade desta aparência, e com nomes de diamantes, rubis e safiras procuram fazer sólida a sua vaidade, não puderam deixar de confessar quão frágil é, e de pouca dura : Forma bonum fragile est, disse Ovidio ; e Séneca : Res est forma fugax. Os filósofos que mais professam o verdadeiro, concedendo-lhe os poderes, não lhe puderam negar a fraqueza e falsidade. Sócrates chamou à formosura tirania, mas de breve tempo : Brevis temporis tyrannis ; Teofrasto chamou-lhe engano mudo : Deceptio tacita ; porque sem falar engana. E que direi dos Santos Padres ? S. Jerónimo diz, que a formosura é um esquecimento do uso da razão : Oblívio rationis ; e onde falta o luma da razão, quais serão as cegeiras e os enganos dos sentidos ? S.Basílio, S.Bernardo, Santo Efrém, Santo Isidoro  Pelusiota, e outros santos, para descobrir o mesmo engano, sem chegar aos horrores da sepultura, consideram as fealdades interiores que este especioso véu oculta ainda em vida, e correndo a cortina ao ídolo tão adorado da formosura, não só a demonstram feia, mas asquerosa e medonha.. Porém não são estes ainda os assombros da nossa tragédia."

domingo, 28 de novembro de 2010

do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas

        -" Para que entendam os reis, quão animados e confiados devem ter os ministros de sua saúde e vida, para que nos perigos dela os desenganem com toda a liberdade. E qual há-de ser a verdade e inteireza com que os mesmos ministros os devem desenganar, sem temor de perderem a sua graça, nem a de seus sucessores."

do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas

     -" Pois se Isaías era profeta e vassalo de el-rei Ezequias, e entre os profetas, como o mais polido e discreto de todos, era chamado o profeta cortesão, porque deixado um e outro título, falou ao seu rei, nem como vassalo, nem como profeta, senão tão nua e secamente com um tu : Morieris tu, et non vives ? Porque a ocasião não era de lisonjas, nem ainda de cortesias, senão de desenganos. Anunciava-lhe a morte, em que são iguais todos os homens, e por isso lhe falou como a qualquer outro homem, e não como a rei. Assim como não usou de prólogos, ou prefações, nem de rodeios ou metáforas, para a clareza, assim cortou pelas cortesias da majestade, por não perder aquele pouco tempo, aonde são tão importantes os instantes. Não esperou a que a debilidade da natureza o avisasse do seu perigo, mas ele lho declarou enquanto os sentidos e potências do corpo e alma estavam inteiras e em seu vigor, para orar, como orou, para chorar, como chorou, e para recorrer a Deus, como recorreu, e então o advertiu que dispusesse de sua casa : Dispone domui tuae, quando o podia fazer com o juizo, quietação e sossego, que não permitem os acidentes nos desmaios e perturbações da morte ; e pois perdia a vida, que acaba com o tempo, seguia-se a que não há-de acabar por toda a Eternidade."

do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas

    -" Aonde hoouver este valor, esta liberdade e esta verdade de Isaias, é certo que faltarão à sua obrigação (como muitas vezes têm faltado) não só os médicos do corpo, senão também os da alma, tão enganados nos respeitos humanos, ou desumanos, de que se deixam cegar, que eles são os maiores traidores dos reis, e dos reinos ; sendo pelo contrário dignos das maiores mercês, e dos mais avantajados prémios, os que com verdadeiro zelo e amor, não só os desenganam livremente do perigo da vida,  senão da certeza da morte. Aqui entra agora o exemplo da heróica acção que eu prometi, muito maior que o meu pensamento, sobre o médico de S.Francisco de Borja. Estando el-rei Baltasar na última ceia de sua vida, brindando aos seus ídolos nos mesmos vasos sagrados de que seu pai Nabucodonosor tinha despojado o Templo de Jerusalém, apareceram tres dedos de uma mão invisível, que escreviam na parede umas letras não conhecidas. Chamado Daniel para a interpretação delas, disse ao rei, que nas primeiras se continha o número dos seus dias, nas segundas o peso das suas obras, e nas terceiras e últimas o fim da sua vida e do seu reino, que seria naquela mesma noite. Oh terrível e tremenda sentença ! E que faria Baltasar ouvindo-a ? Imediatamente o conta o Texto, e foi uma resolução, se pode ser, ainda mais admirável que a do profeta : Tunc, jubente rege, indutus est Daniel purpura, et circundata est torques aurea collo ejus, et praedicatum est de eo, quod haberet potestatem tertius in regno suo. No mesmo ponto, sem falar outra palavra, o que fez Balrasar foi mandar que Daniel fosse logo vestido de púrpura com o colar de ouro, que era a outra insígnia real, e que na presença dos convidados, que eram mil, os maiores de toda a monarquia, fosse apregoado no poder e mando pela terceira pessoa do seu reino, sendo a primeira o mesmo rei, a segunda a raínha, e a terceira Daniel. E haverá quem pudesse imaginar tal resolução no maior caso por todas  suas circuntâncias que pode suceder no mundo ?"

sábado, 27 de novembro de 2010

do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas

         -" Estando enfermo S.Francisco de Borja, no tempo em que era duque, tomou-lhe o pulso o médico e disse : que me dará Vossa Excelência, se amanhã lhe pedir as alvíssaras de estar llivre da febre ? Estava no aposento um aparador com muitas peças ricas de prata, e respondeu o duque que daquela baixela escolhesse o que lhe parecesse melhor : e escolheu a maior de todas que era um grande prato. Tornou ao outro dia o médico, tomou o pulso, e equivocando como castelhano na palavra Plato, disse : Amicus Plato, sed magis amica veritas : vossa excelência ainda tem febre. Não refere o historiador o que respondeu o duque ; mas eu lhe não dera então o prato, senão a metade da baiaxela : e se acrescentara quie a febre tinha degenerado em maligna, lha dera toda. Maior acção que a deste meu pensamento veremos depois. Em dous casos obrará culpavelmente a inteireza e verdade do médico: ou na aplicação respeitosa dos remédios de que acabamos de falar, ou no silêncio e dissimulação do perigo, de que agora falaremos. Uma cousaé a doença que ameaça a saúde temporal, outra a que  pode arriscar a eterna : a primeira pertence à cura da enfermidade, a segunda ao desengano da morte, E quantos médicos ou por falta de valor, ou com sobeja e mal entendida piedade, por não desanimar os enfermos, e por não desconsolar os vivos, são causa de que se condenem os mortos ? Contra a enfermidade peca-se na cura não se lhe aplicando os remédios eficazes, posto que duros. E contra o enfermo, quando a doença é mortal, peca-se muito mais gravemente na dissimulação, não o desenganando logo do seu perigo."  

do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas

-" O médico não cura a púipura, nem a coroa, senão o homem despido, e o corpo que em todos é do mesmo barro; e aonde o médico quis fazer disrtinção de barro a barro, ali se perdeu. Passando acaso Alexandre Magno por junto a um cemitério, viu nele a Diógenes ; e como lhe pergunrasse que fazia naquele lugar, respondeu o filósofo : Ando aqui buscando os ossos de Filipe de MacedóNia, mas não os posso distinguir: Ossa Philippi patris quondam tui quaero ; sed inter plebeorum non discerno. Assim respondeu a liberdade do famosíssimo cínico à arrogância daquele soberbíssimo monstro, como lhe chama Séneca ; e o ensinou a que se não estimasse mais que os outros homens, pois os ossos do pai que lhe dera o ser e o sangue, se nãodistinguiam dos outros. Mas como os palácios dos reis, aonde os médicos não são chamados senão por necessidade, assim como têm as portas sempres abertas à adulação e lisonja, assim elas por si mesmas se fecham à verdade ; muito valor há mister a do médico que houver de curar a um rei, como a um homem."

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas

        -" A primeira cousa, diz Aristóteles, que se há-de considerar no enfermo, é  o sujeito, mas não quem é, senão qual. Consta que estando enfermo aquele grande príncipe dos filósofos, e provando, como já dissemos dele, que onde acaba a filosofia, começa a medicina, disse ao médico, como refere Eliano, que advertisse primeiro que ele não era cavador, nem vaqueiro, e sobre isto, depois de examinada a causa, veria se havia de obedecer às suas receitas.Ne, inquit, me cures ut bubulcum, aut fossarem, sed prius causam edissere, sei enim facile persuasione me morigerum reddideris. Distingue-se o filósofo do cavador, porque o cavador com a enxada na mão, quanto come e bebe todo o dia, sua em meia hora; e o filósofo com a especulação da sua fantasia avoca os espíritos à cabeça, e ficam mal assistidas as oficinas do sangue, e fontes da vida. De sorte que a consideração do sujeito há-de examinar, se é robusto ou delicado, se de  muitas ou poucas forças, se deste ou daquele exercício ; mas nesta distinção, e na do temperamento não há-de entrar a  da qualidade e dignidade da pessoa, sob pena de ficar bem llisonjeado o doente, emal curado. Por isso vemos que melhor e mais facilmente se curam os criados que os amos, os escravos que os senhores. Donde nasce que curados nos nobres e ricos, mais mimosa e não radicalmente as enfermidades, ou são frequentes as recaídas, ou, como gravemente disse Tertuliano, quse tanto padece o malsão a sua saúde, como padecia a doença : Ex aliqua valetudine sanitatem suam patitur."

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas

       -" A segunda é dizer que não tinha pão porque não era médicol. Non sum medicus, et in domus mea non est panis : e também aqui tirou a consequência tão discreta, como verdadeiramente. Porque a todas as outras ciências ou ofícios, pode faltar o pão, mas ninguem o tem sempre mais seguro que o médico. Como todos somos mortais, só o médico vive do que nós morremos ; e tão certo é na medicina o pão, como na mortalidade a doença. Nunca lhe pode faltar ao médico o pão em abundância ; porque não há lavoura menos dependente do tempo, ou chova ou faça sol, que a da medicina. Antes quando a chuva afoga as searas, e o sol as queima, então cresce mais a lavoura dos médicos, porque então lavram mais as enfermidades. As quaresmas dos enfermos são os páscoas dos médicos, e com as dietas de uns se fazem os banquetes dos outros."

do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas

-" Pouco conhece a riqueza da saúde, quem cuida que por algum preço pode ser cara, quanto mais caríssima.Vos est census supercensum salutis corporis : diz o Espírito Santo, que não há riqueza no mundo que se iguale à saúde do corpo.E Platão fazendo um catálogo dos bens desta vida, e dando por sua ordem o lugar que merece cada um, no primeiro pôs a saúde e no quarto as riquezas : Primum locum obtinet bona valetudo, quartum opes. Donde se segue que se o médico der ao enfermo a saúde, e o enfermo ao médico todas as riquezas, menos recebe o médico que o enfermo."

do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas

     -" Conta Isaías perfeitamente, que os pequenos se levantaram contra os grandes, e elegeram para governador do povo um homem, só porque tinha bom vestido para representar o cargo. Vestimentum tibi est ; princeps esto noster. E o tal homem que responderia ? Non sun medicus, et in domo mea nos est panis, nelite constituere me pricinpem populi. Respondeu que não era médico nem tinha pão em sua casa, e que por isso nem ele quer,nem é bem que eles queiram que seja governador do povo. Duas incoerências acho nesta resposta : a primeira, não querer o eleito ser governador do povo, porque não tem pão em sua casa. Antes, porque não tendes pão em vossa casa, por isso deveis aceitar o governo.Para quem governa, qualquer terra é mais fértil de pão que Sicília. Aceitai as provisões e logo tereis a vossa casa muito bem provida. Contudo este homem, quem quer que fosse, em não querer aceitar o governo, mostrou que no juízo era sisudo e na consciência, timorato. Porque os governos são para fazer bem com o pão próprio, e não para acrescentar os bens com o pão alheio. O mesmo Cristo o disse pela boca do nosso S:Lucas. Qui potestatem habent super eos, benefici vocantur. Os que têm poder sobre o povo, se governam como devem, são chamados benéficos, e este nome, benéfico, ainda que se deriva de bem não é dos bens que se recolhem, senão dos que se repartem. Bem disse logo aquele homem, posto que tumultuariamente eleito, quando à primeira objecção."

do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas

         -" Se eu houvesse de fazer o anel ao médico, o metal do círculo não ahavia de ser ouro, senão electro ; e a pedra não havia de ser diamante, ou rubi, senão ametista. Porque ambos estes simples têm virtude de adivinhar e descobrir o veneno, ou por suor, ou por tremor, ou po outro efeito extraordinário de quem o tem no dedo, sendo o dedo anular o que tem maior correspondência com o coração. Os americanos, com serem  bárbaros, deram  em uma notável política, e foi, que debaixo do mesmo nome  pajé ajuntaram o ofício de médico com o de feiticeiro,entendendo que só quem souber adivinhar, pode curarcom acerto. Com a mesma prudência ou astúcia (não sei se antes, se depois) as egípcios na Àfrica, os gregos na Europa, e os brâmanes na Ásia uniram a ciência  mágicacom a médica, para que o que não podia alcançar a medicina conjecturando, suprisse a magia adivinhando."

do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas

    -" E se alguem me pergunrar poque razão ou dificuldade necessita a perfeita medicina de tanta luz e tantas luzes eantre todas as outras ciências ? A razão , de que não se pode duvidar, é por ser a medicina ciência conjecrural, que cura o que não vê, e nesta conjectura não só se pode enganar o discurso, mas até a mesma experiência se engana, como confessou Hipócrates : Experimentum fallax. Arilstóteles disse que onde acaba a filosofia, ali começa a medicina. E quâo subtil e alumiado há-de ser o entendimento, que penetre um caos tão oculto e tão escuro como o interior do corpo humano ? Baldo, depois de estudar a medicina, experimentando que não acertava a curar umas maleitas, passou ao geral da leis, e foi na jurisprudência tão eminente, que se pôs ombro por ombro com Bártolo. Tanto mais necessita de luz uma ciência, que a outra ! O jurista, para dar ou tirar a vida a um homem, vê as leis, e vê os autos ; o médico vê as leis, mas dos autos não se lhe dá vista." .

do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas

       .- " A prova e a razão  é, porque em todas as quatro partes do mundo crIou Deus, para serviço e uso da medecina, vários antídotos, ou instrumentos medicinais, conforme as qualidades e enfermidades das mesmas terras. Os Romanos nas suas conquistas queixavam-se de que entre as novas riquezaas que de lá traziam, vinham também os contágiosde novos géneros de doenças, com que parece que os conquistados se vingavam dos seus mortos, matando também dentro em Roma os seus mesmos conquistadores. Nem é alheio deste pensamento, o com que , sendo el-rei D.Manuel o fundador ou amplificador dos hospitais de Lisboa, se dizia dele, que justamente fabricava os hospitais, quem com as suasconquistas acrescentava os enfermos. Mas nesta mesma experiência se vê e reconhece mais claramente o altíssimo conselho da Providência Divina, pois são muitos mais os novos e esquisitos remédios, que das mesmasconquistas se descobriram, ainda contra as anatigas enfermidades, do que requerem as novas."

do p. A. Vieira - no sermao de São Lucas

        -" Uma das maiores maravilhas do Providência e Sabedoria divina, ou, por falar mais ao certo, a maior de todas, foi conquiatar e sujeitar Cristo o mundo com tão poncos homens , tirados pela maior parte da barca de do remo. De pescadores de peixes vos farei (disse) pescadores de homens. mas de que modo, ou com que artifício? Trocando-lhes os instrumentos de tal sorte, que assim como no mar pescavam os peixes, matando-os, assim na terra pescassem os homens com lhes dar vida. Este cevo da vida, que é o mais sabororso, o mais útil, e o mais precioso na aestimação de todos os mortais, é o que volunária e espontaneamente os rendeu todos à abedência de Cristo, e ao jugo, só por isso mais suave, da sua Lei. Os homens só conheciam por experiência uma vida, que é a temporal; e a outra, que é a imortal e eterna, só a tinham os mais repúblicos por necessária politicamente à opinião do vulgo, mas verdadeiramente por falsa e fabulosa." 

do p.A.Vieira - no serma de S.Lucas

       -"Foi S.Lucas evangelista, foi pintor, foi medico. Admiravel, quando com tres dedos tomava a pena como evgangelista; admiravel, quando com tres dedos tomava o pincel como pintor; admiravel, quando com tres dedos tomava o pulso como medico."

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

do p. A. Vieira - no sermão de Santa Teresa

      -" Há dinheiro para o apetite, há dinheiro para a vaidade, há dinheiro para a vingança, há dinheiro para o jogo, há dinheiro para a peita; mas não há dinherito para a restituição, não há dinhero para a esmola, não há dinheiro para as capelas e obrigação do morgado, não há dinheiro para o legados e satisfação  do testamento, e quando não queremos o Céu de graça, para comprarmos a peso de ouro o Inferno, não falta dinheiro." 

do p. A. Vieira - no sermão de Santa Teresa

      -" Quantas vezes nos dão bons conselhos os pais? Quantas vezes nos dão bons conselhos os amigos? Quantas vezes  nos dão bons conselhos os livros? Quanta vezes nos dão bons comselhos os anjos da guarda por meio das inspirações? Quantas vezes nos dão bons conselhos os exemplos, as castigos, e os casos tão raros e portentosos que vemos suceder no mundo, para que escarmentemos em cabeça alheia; e nós contudo tão loucos e tão desaconselhados? Vede  se somos mais néscios que as nésclias!"

do p. A. Vieira - no sermão de Santa Teresa

    -" E os homens ordinariamente  a quem saem? Uns saem só a sair, que é perder tempo, outros saem a ver e ser vistos, que é perder as almas próprias e as alheias, outros saem a jogar , a pleitear, a murmurar, que é perder o dinherito, a fama e a consciência; e ainda quando saem à igreja, que é menos vezes, saem a ofender e injuriar a Deus em sua própria casa . Vede se somos nós os néscios mais que as néscias."

do p. A. Vieira - no sermão de Santa Teresa

          - " Se vós entrais no perigo por amor da cobiça, quem vos há-de guardar? A  cobiça? Se vós entrais no perigo por amor da soberba, quem vos há-de guardar? A soberba? Se vós entrais no perigo por amor do amor, quem vos há-de guardar? O amor profano e cego? Entrai vós nos perigos por amor de Deus e do próximo, vereis como Deus vos livra, e vos segura neles."

do p. A. Vieira - no sermão de Santa Teresa

         - " Sitiada pelo exército de Holofernes a cidade de Betúlia, tomados e quehrados os canais, e divertidas as fontes de que bebiam, estavam já desmaiados todos e determinados a se entregar ao inimigo, por não perecer à sede: quando Judite, não podendo sofrer a entrega e cativeiro da sua pátria, se deliberou ao mais raro pensamento que pudera caber em um homem atrevido e denodado, quanto mais em uma mulher e santa. Despe o cilício de que estava toda coberta, enxuga os olhos das lágrimas com que orava ao Céu, manda vir cheiros, jóias, galas, espelho: veste, compõe, enriquece, esmalta: os cabelos, a garganta, o peito, as mãos, os braços, e até os pés, não de todo cobertos (que assim o nota a Escritura) e feita Judite um tesouro da cobiça, um pasmo da formosura, e mil laços do apetite, sai confiada pelas portas da cidade, salta o fosso, passa as sentinelas,entra pelo exército inimigo, e vai direita à mesma tenda de Holofernes. Bravas acções de mulher, mas mais bravos ainda os pensamentos! Os seus intentos eram (como refere a mesma Judite no Texto) que Holofernes com seus prórios olhos se cativasse de sua formosura, e que ela com palavras discretas e amorosas o prendesse mais, para que assim preso e cativo, lhe metesse a ocasião os cabelos do tirano em uma mão, e a espada na outra, com que lhe cortasse a vida."   

domingo, 21 de novembro de 2010

do p.A.Vieira - no sermão de Santa Teresa

      -" Todos os homens neste mundo vivemos com duas ignorâncias; a primeira , Da morte, a segunda, da predestinação. Todos sabemos que havemos de morrer, mas ninguém sabe o quando. Todos sabemos que nos havemos de salvar, ou condenar; mas ninguém sabe qual destas duas há-de ser. E porque ordenou Deus que a morte fosse incerta, e a predestinação duvidosa? Não pudera Deus fazer que soubéssemos todos quando haviamos de morrer, e se éramos ou não predestinados? Claro está que sim: mas ordenou com suma providência, que estivéssemos sempre incertos da morte, e duvidosos da predestinação; para que a morte nos suspendesse sempre o temor com a incerteza, e a predestinação nos sustentasse a perseverança com a dúvida. Se os homens souberam quanto haviam de viver, e quando haviam de morrer, que seria dos homens? Se eu sabendo que posso morrer hoje, me atrevo a ofender a Deus hoje; quem soubesse que havias de viver quarenta anos, como não ofenderia confiadamente a Deus, ao menos os trinta e nove? Por esta causa ordenou Deus que a morte fosse incerta: e pela mesma, que a predestinação fosse duvidosa. Se os homens soubessem que eram precitos, como desesperados haviam-se de precipitar mais nas maldades: se soubessem que eram predestinados, com seguros, haviam-se de descuidar na vlutude: pois para que os maus sejam menos maus, e os bons perseverem em ser bons, nem os maus saibam que são precitos, nem os bons saibam que são predestinados. Não saibam os maus que são precitos, para que não se despenhem como desesperados; nem saibam os bons que são predestinados, para que se não descuidem como seguros."

do p.A.Vieira - no semão de Santa Teresa

         " ...porque quando um recebe tanto como todos, ainda que a medida é igual, a inveja é maior. Muitos comentos tenho lido desta cláusula, e muitos sentidos deste enigma de Salviano; mas nenhum que satisfaça. Porque para haver inveja, há-de haver desigualdade, e sendo a medida do que se dá igual, como pode haver inveja? Na distribuição do maná nenhum tinha inveja, porque aquela medida, chamada gomor, tão cheia se dava a uma como ao outro: logo, se cá também a medida é igual: Por  mensura: como pode ser maior a inveja: Maior invídia est? Porque no maná tanto levava um como o outro, mas não tanto um como todos: porém no Sacramento, como tanto recebe um como todos e tanto todos como um, bem pode haver inveja, e grande inveja, não pela desigualdade do Sacramento, onde a não há, senão pela desigualdade do número, que é a maior que pode haver. Quando um só recebe tanto como todos, como não hão-se ter inveja todos àquele um? Se no Céu  pudera haver inveja, e lá se soubesse que o Céu  que Cristo fez por amor de todos os bem-aventurados, o faria só por amor de Teresa, não seria bastante ocasião de inveja esta grande diferença? Pois o mesmo passa no Sacramento. Antes digo, que assim como da parte de todos em respeito de um pode ser inveja, assim da parte de um em respeito de todos pudera ser soberba. Que faça tanto Deus por mim só, como por todos? Ele me tenha de sua mão, para que tamanho favor me não ensoberbeça. Aqui, e neste ponto de tão verdadeira honra, quisera eu que a nossa soberba se esmerasse; mas é ela tão vã e tão vil, que igualando-nos Deus na sua estimação com todos, o mesmo Deus na nossa estimação é menos que tudo."

do p.A.Vieira- no sermão de Santa Teresa

        -" É semelhante o Reino do Céu a dez virgens, cinco prudentes, e cinco néscias, diz Cristo numa parábola. E por ser parábola faz não pequena dificuldade a igualdade destes números. O autor, que faz ou inventa uma parábola, assim como tem liberdade para a dispor e historiar como lhe importa a seu intento , assim tem também obrigação de a deduzir em termos prováveis, e àquilo que é verosímil, e costuma acontecer comummente. Suposto isto, parece que não haviam de ser tantas as prudentes como as néscias. Não andara mal governado, nem fora tão louco o mundo, se de cada dez mulheres se pagara o dízimo à prudência.Homens eram aqueles dez leprosos que Cristo sarou; e porque só um lhe veio dar as graças, perguntou onde estavam os nove: Et novem ubi sunt? E se em dez homens se acham nove ingratos, como não seria mais verosímil, que em dez mulheres se achassem nove néscias? Não há dúvida que, segundo a condição humana, este número era o mais próprio; e também, segundo o intento de Cristo, que era a consideração dos muitos que se condenam. Pois porque não introduz o Divino Mestre nesta parábola nove virgens que fossem néscias, e uma só que fosse prudente? Porque assim como as néscias que ficaram de fora, significam as almas que se condenam, assim as prudentes que entraram às bodas, representam as que se salvam, e vão ao Céu. E no caso em que se introduzisse uma só prudente, não era, nem podia ser  verosímil, que Cristo fizesse o Céu para uma só. Por isso, fazendo a história menos verosímil, para que fosse mais verosímil a significação não introduziu nela uma só prudente, senão muitas: Et  quinque prudentes."  

do p.A.Vieira - no sermão de Santa Teresa

        -" ...mandou o rei os seus soldados e foram: agora chamou os seus convidados e não vieram. Eu lhes perdoo a descortesia pelo exemplo. Se os vassalos hão-de faltar ao príncipe, antes seja na mesa que na campanha. Vendo o rei que os convidados não queriam vir, mandou segundo recado, mas por outros criados, e não pelos mesmos: Misit alios servos. Não é nova razão de estado nos reis, para melhorar vontades, mudar ministros. Mas a razão que aqui teve o rei, a meu ver, foi ainda mais fácil e mais achada. Mandou a segunda vez outros criados, porque é bem que se reparta o trabalho, e que vão todos. Se os segundos descansaram, enquanto foram os primeiros, bem é que descansem os primeiros, e que vão agora os segundos. Assim que, mudar o rei os criados, não é condenar os talentos, é repartir os trabalhos. Se os primeiros tiveram ruim sucesso, não o tiveram melhor os segundos, que nem sempre com a mudança se consegue a melhoria. Os primeiros acharam más vontades : Notebant venire: os segundos experimentaram más obras: Occidrunt eos. Quer dizer, que foram tão descomedidos alguns dos convidados, que não só afrontaram de palavra aos criados do rei, mas chegaram a lhe pôr as mãos e tirar as vidas. Há maior ingratidão? Há maior descortesia? Há maior atrevimento de vassalos? Que faria o rei neste caso? Diz o Texto, que mandou logo seus exércitos a executar um exemplar castigo não só nas pessoas, ou corpos dos rebeldes, senão na mesma cidade, onde viviam, da qual não ficaram mais que as cinzas, para memória ou esquecimento eterno de tal ousadia. Assim o fez o rei, e assim o hâo-de fazer os reis. Quem hoje se atreveu ao criado, amanhã se atreverá ao senhor."

do p.A.Vieira - no sermão das chagas de Sâo Francisco

      -" Que aliviado andara o mundo, e que bem governado, se cada um se contentara com levar a sua cruz! Se Deus vos cortou a vossa cruz pela medida dos vossos ombros, para que quereis tomar outras, com que pode ser que não possais? Mas é engano natural este, com que nascemos, que sempre ou as cruzes alheias nos parecem as mais leves, ou os ombros próprios os mais robustos. Assaz fará cada um em levar a sua cruz, sem cansar, nem cair. Cristo houve mister quem O ajudasse a levar a sua; e nós cuidamos que podemos levar as nossas, e mais as alheias! A causa cuido eu que é porque olhamos para os títulos das cruzes, e não para o peso delas. Pois crede-me, que as que parecem mais para cobiçar, são as que têm mais que temer. Não vedes que as mais preciosas são as mais pesadas?  

do p.A.Vieira - no sermão da exaltação de Santa Cruz

       -"Ao próximo diz Cristo que tratemos como a nós mesmos; e a nós, que nos tratemos como se não fôramos nós. Nestes dous pontos se encerra toda a perfeição evangélica. Aos outros , como se fôra eu; a mim, como se eu fôra outro. E que vida tão descansada fôra a nossa, se assim vivêramos! Que fácil fôra a paciência nas injúrias! Que igual a conformidade nos trabalhos! Que moderado o apetite nas pretensões! Que comedido o desejo nos afectos! Enfim, que senhores fôramos de nós mesmos e da fortuna!  Mas porque não nos despegamos de nós, vimos a andar pegados a tudo; e por isso nos embaraça tudo. Negar-se a si mesmo, dizem que é a maior fineza; e não sei eu comodidade maior: dizem que é o maior acto de amor a Deus, e eu o tenho pela maior destreza do amor-próprio. Só se sabe querer bem, quem se sabe livrar de si."

do p.A.Vieira - no sermão da exaltação de Santa Cruz

       -"Antes digo que chegam os obséquios da obediência em créditos da verdade, onde chegaram os erros da idolatria em descréditos dela. A idolatria chegou a conhecer divindade nos ventos, plantas e animais : e a obediência dos religiosos em um espinheiro, e em uma tempestade chega a reconhecer a Deus em sua voz."

sábado, 20 de novembro de 2010

do p.A.Vieira - no sermão da exaltação de Santa Cruz

         -" O maior tirano que ha no mundo, ´´e a vontade de cada um de n´´os. Os tiranod atormentam por fora, este tirano aflige por dentro. Daqui se argui que Deus quando quer dar um castigo, entrega a um homem nas maos da sua propria vontade ; por isso lhe deu por castigo, que fizessem a sua. De sorte que ´´e maior mal estar sujeito aos apetites da vontade propria, que aos imp´´erios da vontade alheia : pois quando a culpa ´´e nao querer obedecer ``a vontade alheia, da-se-lhe por castigo fazer a propria. Veja agora o mundo , qual ´´e mais rigorosa cruz, se  estar sujeito ``a vontade propria, ou ``a vontade alheia. Mas ainda que uma destas vontades seja mais tirana que  a outra, nao ha duvida, que ambas  molestam : a propria por dentro, a alheia por fora. Porem a cruz da Religiao, ´´e tao suave, que de ambas as cousas livra ao relligioso."

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

do p.A.Vieira - no sermão da exaltação de Santa Cruz

     -" A outra razão é : porque ainda que as religiosas falam, falam com licença ; e para os que sabemos que cousa é Religião, é certo que mais custa a licença, que o silêncio. E a razão é clara : por que o silêncio é calar e a licença é pedir ; e muito mais custa abrir a boca para pedir, que fechá-la para calar. Entrou o rei da parábolado Evangelho  a ver os convidados, e achou um à mesa sem a vestidura de festa : mandou que o prendessem, e levassem logo a um cárcere escuro, donde os condenados saíam a justiçar : Ligatis manibus, et pedibus, mittite eum in tenebras exteriotes. Que faria o miserável neste caso ? Diz o Texto que emudecera : At ille obmutuit.Pois, homem mal entendido, que fazes ? Porque não te prostras de joelhos aos pés do rei ? Porque não lhe pedes perdão ? Estte rei não é como Herodes, que corta cabeças em dia de convites. Pois se é rei piedoso, porque não pedes ? Porque emudeces ? Emudeceu, porque não se atreveu a pedir. De maneira que, posto um homem entre a morte e a vida, entre o calar e o pedir, antes quiz calar com certeza da morte, que pedir com interesse da vida. Logo bem digo eu, que por todas as razões é mais penoso nas religiosas o falar, que o ñão falar, e por esta circunstância, em ânimos pouco atrevidos, mostra ser mais rigorosa a cruz da Religião, que a cruz de Cristo."

do p.A.Vieira - no sermão da degolação de S.João Baptista--

   -" Assim  como o torpe pode ser torpe sem ser adúltero, assim o cobiçoso pode ser cobiçoso, sem ser ladrão : mas quando chega a ser ladrão logo juntamente é adúltero : e porquê ? Porque assim o furto, como o adultério, têm por objecto o alheio : o adultério, a mulher alheia ; o furto, a fazenda alheia ; e assim como o tomar a mulher alheia é adultério da torpeza, assim o tomar a fazenda alheia é o adultério da cobiça."

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

do p.A.Vieira - no sermão da degolação de S.João Baptista

- "  Propos-se em outro convite, que refere Esdras, aquela famosa uestao, qual era a cousa mais poderosa do mundo ; e uns filosofos disseram que a mulher, outros que o vinho. Nao me detenho nas razoes de cada um, mas so reparo na discrepancia dos extremos, e na concordia dos votos. Em que simbolizam o vinho e a mulher, para se atribuir a ambos o maior poder? Simbolizam, disseram os mesmos filodofos, em que o vinho e a mulher, ambos rendem o dominio de tal sorte aos homens, que lhes tiram o juizo. Adao, o primeiro pai do genero humano, e Noe, o segundo, ambos perderam o juizo : e quem lho tirou? Ao primeiro a mulher, ao segundo o vinho. E assim como o vinho para tirar o juizo a um homem, nao importa que sea da sua vinha, ou da vinha do outro ; assim tambem a mulher, tanto lhe pode tirar o juizo a alheia, como a propria. Demos a Adao outro companheiro. Perdeu Adao o juizo, perdeu o mundo : e por quem ? Por amor de Eva. Perdeu David o juizo, e perdeu o reino : por quem ? Por amor de Besabe. Betsabe era mulher alheia, Eva era mulher propria. Mas que iimportou que uma fosse propria e outra alheia, se ambas perderam a ambos ?"   .











´´a~~a

do p.A.Vieira - no sermão da degolação de S.João Baptista

        -" Nesta grande tragedia do maior dos nascidos fazem o primeiro e segundo papel dous homens, que tambem nasceram grandes : um Herodes, outro Filipe : um rei, outro seu urmao : um sem honra, outro sem consciencia; um casado, mas sem mulher ; outro com mulher, mas nao casado. E  de toda esta violencia, de todo este escandalo, de todo este vituperio de um e outro, nao foram duas mulheres a causa, sanao uma so e a mesma, a infame Herodias. A tanto se atreve um amor poderoso, a tanto se delibera uma ambiçao impotente. Era Herodias no mesmo tempo mulher  de Filipe propria, e de Herodes alheia ; ambos por ela infelizes, ambos por ela afrontados, ambos por ela em diverso modo perdidos. Nesta historia se funda o meu problema, como o de Sansao na sua, e sera este : Quais mulheres sao mais perniciosas aos homens, se as proprias, ou as alheias? Se as proprias como Herodias era de Filipe, ou as alheias, como a mesma Herodias era ou nao era de Herodes? Ja sabeis que quem disputa problemas nao tem obrigaçao de os resolver. E porque cada um deve seguir a parte que mais lhe contentar, todos devem atençao a ambas." 

terça-feira, 16 de novembro de 2010

do p.A.Vieira - no sermão da degolação de S.João Baptista

         -" Uso foi dos antrigos Hebreus (de quem o tomaram os Gentios mais sábios, Gregos e Romanos, e sem perigo da Fé, antes com louvor dos costumes o deveram imitar os Cristãos) uso foi, digo, nos famosos convites, não só saborearem as mesas com pratos regalados e esquisitos, mas também com problemas discretos e proveitosos. Lembravam-se aqueles homens que eram racionais e parecia-lhes cousa indigna de uma natureza tão nobre, que ficassem em jejum as potências da  alma, quando tanto se estudava e despendia em dar pasto e delícias aos sentidos do corpo. Entre outros exemplos deste célebre costume (muito antes de Salomão compor para ele as suas Parábolas) temos o das bodas de Sansão, o qual com mome de problema, propôs na mesa aos convidados o enigma da sua vitória, dizendo : Proponam vobis problema.". O mesmo digo eu, e farei hoje. Temos à mesa el-rei Herodes com os grandes da sua corte ; e assim como Herodes tomou por sua conta pôr nela o mais esquisito prato, eu quero que que corra pela minha propor o mais proveitoso problema. O prato foi a cabeça de Baptista : o problema não será indigno de que o mesmo Bptista o pregasse."

do p.A.Vieira - no sermao de santo Agostinho

       -" Estas, que no segundo lugar chama David ignorâncias, são as mesmas que no primeiro chama pecados : e a razão de chamar ignorâncias aos pecados, é porque queria livrar e desculpar os pecados com o nome de ignorâncias ; mas parece que não havia de ser, nem dizer assim. As ignorâncias são defeitos do entendimento, os pecados defeitos da vontade ; e havendo de desculpar um defeito com outro defeito, parece que o havia de carregar antes sobre a potência menos nobre, que é a vontade, e não sobre a mais nobre, que é o entendimento. Assim o havia de fazer David, se falara e entendera como homem ; mas falava e entendia como santo. Os santos, como conhecem a graveza e malícia do pecado, e quanto mais feios são os defeitos da vontade, que os do entendimento, mais se pejam de ser maus, que de ser mal entendidos ; e antes querem parecer ignorantes, que pecadores."

do p.A.Vieira - no sermao de santo Agostinho

         -" No erro secreto em que se não perde a honra, facilmente se sujeita a própria opinião à verdade ; mas no público e censurado, em que a honra se perde, ou ela defende o erro, ou o erro a defende a ela contra a mesma verdade conhecida."

do p.A.Vieira - no sermao de santo Agostinho

       -" A ciência dos erros alheios é fácil se se examinam sem ódio, nem interesse ; a dos erros próprios é muito dufícil, poque sempre os julgamos subornados do próprio amor. Os alheios conhecemo-los com o juízo livre, os próprios com o entendimento cativo : os alheios vemo-los como juízes, os próprios como namorados."

do p.A.Vieira - no sermao de santo Agostinho

    -" Os erros e as aignorâncias, é certo que são muitos mais que as ciências, porque para saber e acertar, não há mais que um caminho, e para errar, infinitos. Mas esses mesmos caminhos errados e de errar, esses mesmos erros e ignorâncias, para que as estuda e quer saber Salomão ? Não lhe bastavam as ciências e tão consumadas ciêcias? Não. Porque a Salomão fê-lo Deus o maior Doutor da Igreja antiga: e não só lhe era necessário saber as ciências, senão também os erros e as ignorâncias: as ciências para ensinar a saber, os erros para ensinar a não errar : as cilências para as provar e estabelecer, os erros para os refutar e confundir. E isto é o que Salomão fez em todo aquele admirável livro, o qual intitulou Eclesiastes, que quer dizer-- o Doutor."

terça-feira, 9 de novembro de 2010

do p.A.Vieira - no sermao de santo Agostinho

        -" A ´´aguia, como diz Aristoteles, e se sabe vulgarmente, depois que lhe nascem os filhos, e lhe d´´a a primeira criaç~~ao indistintamente, tira-os do ninho, suspende-os nas unhas, examina-os um por um aos raios do Sol: se olham de fito em fito para o Sol sem pestanejar, reconhece-os e conserva-os como filhos proprios; mas se fecham ou afastam os olhos, e n~~ao sofrem toda a luz, repudia-os e lança-os de si como adulterinos.Assim fez a nossa Aguia com todos os seus livros, com todas as suas resoluçoes, e com todos os seus ditos e pensamentos. Examinou-os aos raios do sol da verdade severissimamente: dos que achou conformes, firmes e constantes, reconheceu-os por proprios; aqueles porem, em que descobriu alguma fraqueza, ou menos conformidade, retractou-os, e condenou-os como nao seus. O dito bastava para a propriedade deste segundo e maior misterio. Mas eu passo adiante e pergunto: no exame e prova que faz de seus filhos a aguia, quais ficam mais examinados, e mais qualificados, os olhos da mae ou os olhos dos filhos? Nao ha duvida, que os olhos da mae; porque os olhos dos filhos nao se cegaram com o sol, os olhos da mae nao se cegaram com os filhos. Nao se cegaram os filhos com o sol, isso ´´e serem aguias; mas nao se cegar a aguia com os filhos, isso ´´e ser mae sem amor de mae. 

do p.A.Vieira - no sermao de santo Agostinho

   -" A todos os autores, diz Ambrosio, enganam os seus escritos, e ainda que tenham erros, s´´o eles os n~~ao v^^em. E a raz~~ao desta cegueira, ´´e porque s~~ao parcos no seu entendimento. E assim como os filhos, posto que sejam feios, agradam a seus pais, e lhe parecem formosos, assim os escritos de cada um, por imperfeitos, errados e mal compostos que sejam,naturalmente lisojeiam a seus autores, e lhe parecem bem, porque se parecem com eles."

do p.A.Vieira - np sermao de santo Agostinho

       -"Assim como ´´e natural a todo o homem encobrir o seu pecado, assim ´´e natural a todo o s´´abio sustentar e n~~ao se desdizer do seu erro, e tanto mais, quanto for mais s'abio."