segunda-feira, 29 de novembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
Sentença é divina, tão infalível na verdade, como provada na experiência, que aquela graça da natureza a que os olhos chamam formosura, não é mais que uma aparência da mesma vista, enganosa e vã. Comecemos por aqui, pois este foi o princípio fatal daquela horrenda tragédia, que depois de convertida em glória, tirou e deu o mome a esta antiquíssima e nobilíssima república. É a graça e formosura enganosa e vã : Fallax gratia, et vana est pulchritudo,.diz o Espírito Santo por boca de Salomão, o mais experimentado neste engano, e o mais desenganado desta vaidade. Nem era neessário o testemunho de tão soberanas autoridades, divina e humana, para persuadir esta fé à vista. Até os poetas, que tanto se empregam em disfarçar e encobrir a falsidade desta aparência, e com nomes de diamantes, rubis e safiras procuram fazer sólida a sua vaidade, não puderam deixar de confessar quão frágil é, e de pouca dura : Forma bonum fragile est, disse Ovidio ; e Séneca : Res est forma fugax. Os filósofos que mais professam o verdadeiro, concedendo-lhe os poderes, não lhe puderam negar a fraqueza e falsidade. Sócrates chamou à formosura tirania, mas de breve tempo : Brevis temporis tyrannis ; Teofrasto chamou-lhe engano mudo : Deceptio tacita ; porque sem falar engana. E que direi dos Santos Padres ? S. Jerónimo diz, que a formosura é um esquecimento do uso da razão : Oblívio rationis ; e onde falta o luma da razão, quais serão as cegeiras e os enganos dos sentidos ? S.Basílio, S.Bernardo, Santo Efrém, Santo Isidoro Pelusiota, e outros santos, para descobrir o mesmo engano, sem chegar aos horrores da sepultura, consideram as fealdades interiores que este especioso véu oculta ainda em vida, e correndo a cortina ao ídolo tão adorado da formosura, não só a demonstram feia, mas asquerosa e medonha.. Porém não são estes ainda os assombros da nossa tragédia."
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