_" Era Filipe, pai , e Alexandre filho, e tão fora estava o pai de sentir que lhe antepusessem o filho, que antes o tinha por lisonja e glória, e esse era o seu maior gosto: Ut etiam gauderet. Quando lhe tiravam a coroa para a darem a seu filho, então se tinha Filipe por mais coroado: quando já faziam a Alexandre herdeiro do reino, antes de lhe esperarem pela morte, então se tinha por imortal: quando o apelidavam com menor nome, então se tinha por maior. E quando lhe diziam que ele só era capitão, então aceitava esta gloriosa injúria, como os vivas e aplusos da mais ilustre vitória; porque a maior glória de um pai é ser vencido de seu filho: Et vinci gaudet ab illo.
A razão , e filosofia natural deste afecto é, porque ao maior desejo, quando se consegue, segue-se naturalmente o maior gosto: e o maior desejo que têm e devem ter os pais, é serem tais seus filhos que não só os igualem, mas os vençam e excedam a eles. Assim o disse ou cantou ao imperador Teodósio, Claudiano, tão insigne na filosofia, como na poética. Descreve copiosamente as virtudes imperiais, militares e políticas com que seu filho Honório se adiantava admiravelmente aos anos, e não só igualava, mas excedia a seu pai; e fazendo uma apóstrofe a Teodósio, lhe diz confiadamente assim: Aspice nunc quacumque micas, seu circulus Austri, Magne Parens, gelidi seu te meruere Triones, aspice, completur votum, jam natus adaequat te meritis, et quod magis est optabile, vincit. De lá, onde como estrela de Marte ilustrais o mundo com vossas vitórias, ou seja no círculo do astro, ou no frio setentrião, olhai, felicíssimo César, para Honório, vosso filho, e se como imperador tendes conseguido o nome de Grande, chamando-vos a voz pública Teodósio o Magno, a minha (diz Claudiano) não vos invoca com o nome de grande imperador, senão com o de grande pai: Magne parens: e o que celebro mais entre todas as glórias de vossa felicidade, e o que tenho por mais digno do emprego de vossa vista, é que vejais e torneis a ver: Aspice, aspice; que chegaste a ter um filho, o qual nãeo só vos iguala, que é o que desejam os pais, mas que já vos excede, e vence, que é o que mais devem desejar: Et quod magis esta aptabile, vincit. Notai muito as palavras: Quod magis est aptabile; e aplicai-as ao nosso caso. O que mais se deve desejar é o melhor que se pode escolher; e como o que mais devem desejar os pais é que os filhos vençam, e os excedam, bem se conclui, que se entre a Glória de Deus, e a de sua Mãe, fora a escolha da mesma Mãe, o que a Senhora havia de escolher para Si, é que seu Filho A excedesse e vencesse na mesma Glória, como verdadeiramenta A excede e vence: Et quod magis est optabile, vincit. Vence Deus incomparavelmente a sua Mãe na glória infinita que goza, mas como este mesmo excesso é o mais que Maria podia desejar, e o melhor que devia escolher como Mãe, por isso se diz com razão, que Maria escolheu hoje a melhor parte: Maria optimum parte elegit.
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Nossa Senhora do Carmo
-"Isto que disse Séneca, falando dos benefícios, corre igualmente, e muito mais em todas as outras acções ou grandezas, em que os pais se vêem vencidos dos filhos. Ouçamos a outro filósofo, que melhor ainda que Séneca, conheceu os afectos naturais, e não só em mais harmonioso estilo, mas com mais profunda especulação que todos, penetrou a anatomia do coração humano. Faz paralelo Ovídio entre os dous primeiros Césares, Júlio e Augusto aquele pai, e este filho; e depois de assentar que a maior obra de Júlio César foi ter um tal filho como Augusto: Nec enim de Caesaris actis ullum maius opus, quam quod pater extitit hujus. Supõe com a comum opinião de Roma, que um cometa que na morte de Júlio César apareceu, era a alma do mesmo Júlio colocada entre os deuses como um deles. E no meio daquela imaginada bem-aventurança, qual vos parece que seria a maior glória de um homem que nesta vida tinha logrado todas as que pode dar o mundo? Diz o mesmo Ovídio (tão falso na suposição como poeta, mas tão certo no discurso como filósofo) que o que fazia lá de cima Júlio César era olhar para o seu filho Augusto, e que considerando as grandezas do mesmo filho, e reconhecendo e confessando, que eram maiores que as suas, o seu maior gosto e a sua maior glória era ver-se vencido dele: Natique videns benefacta, fatetur esse suis maiora, et vinci gaudet ab illo."
do p.A.Vieira - no sermão de Nossa Senhora do Carmo
-" ...resolve o mesmo Séneca, que bem pode um filho vencer no maior benefício a seu pai, e o prova com o exemplo de Eneias, o qual por meio das lanças dos gregos, e do incêndio e labaredas de Troia, levando sobre seus ombros ao velho Anquises, deu mais hroicamente a vida a seu pai do que dele a recebera. À vista deste famoso espectáculo de valor e de piedade, não há dúvida que venceu o filho ao pai; mas qual foi então mais glorioso, o filho vencedor ou o pai vencido? A este exemplo ajunta o mesmo filósofo o de Antígono, e de outros que deram a seus pais mais ainda que o ser e a vida, que lhes deviam, e conclui assim : Felices qui vicerint, felices qui vincentur: quid autem est felicius quam sic cedere? Quando os filhos vencem aos pais, e se ostentam maiores que eles, felizes são os que vencen, e felizes os vencidos; mas muito mais fellizes os pais vencidos que os filhos vencedores, porque não pode haver maior gosto, nem maior glória para um pai, que ver-se vencido de seu filho. Grande glória é do filho que vença ao pai, que lhe deu o ser; mas muito maior glória é do mesmo pai, ver que deu o ser a um tal filho que o vença a ele. "
do p.A.Vieira - no sermão de Nossa Senhora do Carmo
-" A filiação adoptiva, como se funda, não em caso, ou fortuna da natureza, senão em eleição do juizo e da vontade, necessariamente supõe merecimento; e quando o juizo é mais sublime, e a vontade mais recta, tanto maior merecimento supõe."
do p.A.Vieira - no sermão de Nossa Senhora do Carmo
-" Pergunto: Qual é maior prerrogativa, e maior excelência, ser filho natural, ou filho adoptivo? A adopção é suplemento da natureza; logo parece que maior cousa e mais excelente é ser filho por natureza, que por adopção. Contudo, absoluta e precisamente falando, digo, que alguma cousa tem de maior prerrogativa ser filho adoptivo, que filho natural. No filho natural funda-se a preferência na filiação; no adoptivo, funda-se a filiação na preferência. O filho natural ama-se, porque é filho; o filho adoptivo é filho, porque se ama. Ser natural, é fortuna; ser adoptivo, é merecimento. A razão de toda esta diferença, é porque os filhos naturais são partos da natureza : os adoptivos são filhos da eleição. Nos primeiros não tem parte a vontade nem o juizo: nos segundos tudo é juilzo, e tudo vontade. Assim o notou advertidamente Santo Ambrósio na Epístola ad Finisium . Aut natura filios suscipimus, aut electione; in natura, casus est: in elestione, judicium. Os filhos ou são por natureza ou por eleição: se por natureza é caso; se por eleição, é juizo. Quanto vai da sorte à escolha, tanto vai de uns filhos a outros. Se os pais escolhessem os filhos, muitos haviam de trocar os seus pelos alheios, e talvez antes não quereriam ter filhos, que tais filhos. Parece-vos que escolheria Adão a Caim, Noé a Cão, Isaac a Ismael, Jacob a Ruben, David a Absalão ? Claro está que não.l Mas contenta-se cada um com aqueles filhos que lhe couberam em sorte; porque nesta parte também os filhos entram em conta de bens de fortuna. Nos filhos adptivos, é pelo contrário; porque como o escolher este ou aquele, depende da nossa eleição, da nossa vontade, do nosso juizo; muito errado será o juizo e a vontade de quem não escolher o melhor de todos, o mais excelente, e o mais digno: Non est dignus adptari, nisi qui fortissimus meretur agnosci, disse Cassiodoro. E a razão que logo dá, é a mesma diferença que dizíamos: In sobole frequenter fallimur, ignavi autem esse nesciunt, quos judicia pepererunt. Nos filhos naturais não se satisfaz muitas vezes o desejo, porque ainda que são partos da natureza, dá-os a fortuna: nos adoptivos sempre o acerto e a satisfação é segura; porque são filhos da eleição, e partos do juizo: Quos judicia pepererunt."
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão da visitação de Nossa Senhora
-"Tendo os soldados de Júlio César sitiada a cidade de Dirráquio, chegaram a comer não sei que pão feito de ervas, mas pão enfim; o qual como o visse Pompeio, que era o capitão sitiado, primeiramente disse que ele pelejava com feras e não com homens; e logo mandou que aquele pão não aparecesse, porque se o vissem seus soldados, sem dúvida desmaiariam, e não se atreveriam a resistir a gente de tanta constância e pertinácia. Ne visa patientia, et pertinacia hostis, animi suorum frangerentur, diz Suetónio. Bem digo eu logo, holandeses, se vedes o pão com que se sustentam nossos soldados, de cujo veneno morreram um uma noite mais de vinte, se vedes esta paciência, esta constância, esta pertinácia, como vos atreveis a pelejar com tal gente, com se vos não quebram os ânimos, como não desistis da empresa? Mas agora o fareis, agora o veremos com o favor divino, que já é chegado o tempo."
do p.A.Vieira - no sermão da visitação de Nossa Senhora
-"Não é miserável a república onde há delitos, senão onde falta o castigo deles, que os reinos e os impérios não os arruinam os pecados por cometidos, senão por dissimulados. Dissimular com os maus, é mandar-lhe que o sejam, disse Séneca, e mais era gentio : Qui non vetat peccare, cum possit, jubet. A conquistar dilatadíssimas províncias caminhava Moisés, general dos israelitas, e não duvidou degolar de uma vez vinte e quatro mil homens, como se lê na Escritura, porque entendia, como experimentado capitão, que mais lhe importava no seu exército a observância da justiça, que o número dos soldados. Quem pelejou nunca no mundo com número mais desigual que Judas Macabeu? E contudo nem os exércitos de Apolónio, nem os ardis de Séron, nem os elefantes de Antíoco o puderam jamais vencer, antes ele saíu sempre carregado de depojos e de vitórias: porquê? Porque primeiro tirava a espada contra os seus, e depois contra os inimigos. Pelejava com poucos soldados e mais vencia, porque poucos com justiça é grande exército."
do p.A.Vieira - no sermão da visitação de Nossa Senhora
- " Como disse Aristóteles, as leis não são boas porque bem se mandam, semão porque bem se guardam. Que importa que fossem justos os bandos, se não se guardavam mais, que se se mandara o que se proibia? Que importa que fossem acertadas as ordens, se nunca foi castigado quem as quebrou, e pode ser que nem repreendido?"
do p.A.Vieira - no sermão da visitação de Nossa Senhora
-" Sem justiça não há reino, nem província, nem cidade, nem ainda companhia de ladrões que possa conservar-se. Assim o prova S.to Agostinho com autoridade de Cipião Africano, e o ensinam conformemente Túlio, Aristóteles, Platrão e todos os que escreveram de república. Enquanto os romanos guardaram igualdade, ainda que neles não era verdadeira virtude, floresceu seu império, e foram senhores do mundo; porém tanto que a inteireza da justiça se foi corrompendo pouco a pouco, ao mesmo passo enfraqueceram as forças, desmaiaram os brios, e vieram a pagar tributo os que o receberam de todas as gentes. Isto estão clamando todos os reinos com suas mudanças, todos os impérios com suas ruinas, o dos persas, o dos gregos, o dos assírios."
do p.A.Vieira - no sermão da visitação de Nossa Senhora
." Que maior alegria para um enfermo aflito, que luz e saúde? A nenhum lhe importa mais uma e outra, que no Brasil, porque não sei qual o tem posto sempre em maior perigo, se a enfermidade, se as trevas. As trevas cederam ao sol, e enfermidade obedecerá à saúde, e como todo este bem nos vem com asas, certa será a melhoria. Curará a diligência o que danou a remissão, e recuperará a pressa o que os vagares perderam."
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão do nascimento da virgem Maria
-" Muitos dos que nós chamamos bens de Deus, sem luz são verdadeiramente males; e muitos dos que nós chamamos males, com luz são verdadeiros bens. Os favores sem luz são castigos, e os castigos com luz são favores; as felicidades sem luz são desgraças, e as desgraças com luz são felicidades: as riquezas sem luz são pobreza, e as pobrezas com luz são as maiores riquezas; a saúde sem luz é doença, e a doença com luz é saúde. Enfim, na luz ou falta de luz, consiste todo o bem ou mal desta vida, e todo o da outra. Porque cuidais que foram santos os santos, senão porque tiveram a luz, que a nós nos falta? Eles deprezaram o que nós estimamos, eles fugiram do que nós buscamos, eles meteram debaixo dos pés o que nós trazemos sobre a cabeça, porque viam as cousas com diferente luz do que nós as vemos. Por isso David em todos os salmos, por isso os profetas em todas suas orações, e a Igreja nas suas, não cessam de pedir a Deus luz e mais luz."
domingo, 19 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão do nascimento da virgem Maria
-" Porque estimam os homens o ouro e a prata mais que os outros metais? Porque têm alguma cousa de luz. Porque estimam os diamantes e as pedras preciosas mais que as outras pedras? Porque têm alguma cousa de luz. Porque estimam mais as sedas que as lãs? Porque têm alguma cousa de luz. Pela luz avaliam os homens a estimação das cousas, e avaliam bem, porque quanto mais têm de luz, mais têm de perfeição. Vede o que notou S. Tomás. Neste mundo visível umas cousas são imperfeitas, outras perfeitas, outras perfeitíssimas; e nota ele com sutileza e advertência angélica, que as perfeitíssimas têm luz e dão luz; as perfeitas não têm luz mas recebem luz; as imperfeitas, nem têm luz, nem a recebem. Os planetas, as estrelas e o elemento do fogo , que são criaturas sublimes e perfeitíssima, têm luz, e dão luz; a Terra e todos os corpos terrestres,que são criaturas imperfeitas e grosseiras, nem têm luz, nem recebem luz, antes a rebatem e deitam de si. Ora não sejamos terrestres, já que Deus nos deu uma alma celestial: recebamos a luz, amemos a luz, busquemos a luz, e conheçamos que nem temos, nem podemos, nem Deus nos pode dar bem nenhum que seja verdadeiro bem, sem luz."
do p.A.Vieira - no sermão do nascimento da virgem Maria
"Quereis ver a diferença da luz ao Sol? Olhai para o mesmo Sol, e para a mesma luz de quem ele nasce, a aurora. A aurora é o riso do céu, a alegria dos campos, a respiração das flores, a harmonia das aves,a vida e alento do mundo. Começa a sair e acrescer o Sol, eis o gesto agradável do mundo, e a composição da mesma natureza toda mudada. O céu acende-se, os campos secam-se, as flores murcham-se, as aves emudcem, os animais buscam as covas, os homens as sombras. E se Deus não cortara a carreira ao Sol, com a interposição da noite, fervera e abrasara-se a Terra, arderam as plantas, secaram-se os rios, sumiram-se as fontes, e foram verdadeiros e não fabulosos, os incêndios de Fácton. A razão natural desta diferença é porque o Sol (como dizem os filósofos) ou verdadeiramente é fogo, ou de natureza mui semelhante ao fogo, elemento terrível, bravo, indómito, abrasador, executivo, e consumidor de tudo. Pelo contrário a luz em sua pureza, é uma qualidade branda, suave, amiga, enfim, criada para companheira e instrumento da vista, sem ofensa dos olhos, que são em toda a organização do corpo humano a parte mais humana, mais delicada, e mais mimosa. Filósofos houve, que pela sutileza e facilidade da luz, chegaram a cuidar que era espírito e não corpo. Mas porque a filosofia humana ainda não tem alcançado perfeitamente a diferença da luz ao Sol, valhamo-nos da ciência dos anjos."
do p.A.Vieira - no sermão do nascimento da virgem Maria
-" ...saibam os curiosos, que não é novidade nova, senão mui antiga, e uma das mais bem retratadas verdades que o Criador do mundo nos pintou no princípio dele. No primeiro dia do mundo criou Deus a luz, no quarto dia criou o Sol. Sobre estes dous dias e estas duas criações há grande batalha entre os doutores, porque se o Sol é a fonte da luz, que luz é esta que foi criada antes do Sol? Ou é a mesma luz do Sol, ou é outra luz diferente? Se é a mesma porque não foi criada no mesmo dia? E se é diferente , que luz é , ou que luz pode haver diferente da luz do Sol? Ou é a mesma luz do Sol, ou é outra luz diferente? Se é a mesma, porque não foi criadano mesmo dia? E se é diferente, que luz é, ou que luz pode haver diferente daluz do Sol? S.Tomás, e com ele o sentir mais comum dos teólogos, resolve que a luz que Deus criou no primeiro dia foi a mesma luz de que formou o Sol ao dia quarto. De modo que em ambos estes dias, e em ambas estas criações foi criado o Sol. No primeiro dia foi criado o Sol informe, no quarto dia foi criado o Sol formado. São os termos de que usa S.Tomás. No primeiro dia foi criado o Sol informe, porque foi criado em forma de luz; no quarto dia foi criado o Sol formado, porque foi criado em forma de Sol. Em conclusão, que entre todas as criaturas só o Sol teve dous dias de nascimento, o primeiro dia e o quarto dia. O quarto dia em que nasceu em si mesmo, e o primeiro em que nasceu na sua luz. O quarto dia em que nasceu Sol formado, e o primeiro em que nasceu na luz de que se formou."
sábado, 18 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão do nascimento da mãe de Deus
-" Nesta vida muitos há que lhe não pesa de ter nascido, e por fundamentos tão leves, que não é muito que lhe não pese, nem pese. Outros lançam maldições ao dia e hora em que nasceram, e também com pouca razão, porque olham para o que padecem, e não para o Fim."
do p.A.Vieira - no sermão do nascimento da mãe de Deus
-" Septimus dies mundi natalis est. Pois se o mundo por maior nasceu no primeiro dia, e por partes nos seguintes, porque razão se não faz a festa do natal e nascimento do mundo ao primeiro dia em que foi criado, senão ao dia sétimo? Faz dias o mundo, como se fizera anos, em um dia; e a festa do seu nascimento não se lhe faz no mesmo dia, senão em outro? Sim; porque as festas dos nascimentos não se podem fazer seguramente senão depois de se saber o fim para que nasce quem nasce. E como o fim para que nasceu o mundo era o homem, e o homem foi criado ao dia sexto, por isso se guardou a festa do nascimento do mundo para o sétimo. Enquanto o mundo se criou e foi nascendo por partes, esteve suspenso e duvidoso o aplauso entre a esperança e o temor, porque não se sabia o fim para que nascia; porém tanto que ao sexto dia apareceu o homem, glorioso fim para que fora criado o mundo, por isso logo se lhe dedicou dia de festa, e foi dia santo o do nascimento do mundo: Septimus dies natalis es mundi: et sanctificavit illum."
do p.A.Vieira - no sermão do nascimento da mãe de Deus
-" Salomão, o mais sábio e todos os que nasceram, faz uma comparação tão superior ao nosso juizo que só podia caber no seu. Compara o dia da morte com o do nascimento; e na diferença destes dous extremos, quem não imaginará que se compara o dia com a noite, a luz com as trevas, a alegria com a tristeza, a felicidade com a desgraça, a cousa mais desejada com a mais temida, e com a mais terrível a mais amável? Sendo porém tão prenhe de admiração a proposta, mais digna de espanto é a sentença. Resolve Salomão, que melhor é o dia da morte, que o dia do nascimento: Melior est dies mortis die nativitatis. E que tem o dia da morte para ser melhor que o do nascimento? O dia do nascimento não é o mais alegre, e o da morte o mais triste? O do nascimento não é o que povoa o mundo, o da morte o que abre e enche as sepulturas? O do nascimento o que veste de gala as famílias e as cortes, o da morte o que as cobre de lutos? A morte não é o maior inimigo da vida, e o nascimento não é o que, sendo ela mortal, a imortaliza? Que é o nascer, senão o remédio do não ser, e que seria do mundo se em lugar dos mortos não nasceram outros que lhes sucedessem? Até em Deus necessita do nascimento a mesma Trindade, porque sendo só a Pessoa do Padre inascível, Deus sem nascimento seria um, mas não seria trino. Pois se tantos são os bens e felicidades que traz consigo o dia do nascimento, os quais todos funesta, consome, e acaba o dia da morte; que motivo teve o juizo de Salomão para antepor o dia da morte ao dia do nascimento? Entendeu-o melhor que todos o maior intérprete das Escrituras. É melhor (diz Jerónimo) o dia da morte que o dia do nascimento, porque no dia do nascimento ninguém pode saber o para que nasce, e só no dia da morte se sabe o fim para que nasceu: Certe quod in morte quales simus notum sit, in exordio vero, nascendi qui futuri simus, ignoratur."
do p.A.Vieira - no sermão do nascimento da mãe de Deus
-" Os homens (deve de ser porque são mortais) o que costumam festejar com maiores demonstrações de gosto, parabéns e aplausos, assim pública, como privadamente, são os nascimentos. Mas isto de nascer, pelo que tem de si, nem merece alegria, nem tristeza; antes, se bem se considera, mais digno é de tristesza, que de alegria. Não debalde com ser o risível a primeira propriedade de nossa natureza, a mesma natureza nos ensina a nascer chorando. Com lágrimas choraram muitas nações os nascimentos que nós solenizamos com festas, e não sei se nos deveram tornar o nome de bárbaros, que lhes damos. Queixamo-nos da vida, e festejamos os nascimentos, como se o nascer não fora princípio da mesma vida, que nos traz queixosos. O nascimento é o princípio da vida, como a morte o fim : e uma carreira que tem o fim tão duvidoso: uma navegação que tem o porto tão pouco seguro, como pode ter o princípio alegre? Nascemos sem saber para que nascemos, e bastava só esta ignorância para fazer a vida pesada, quando não tivera tantos encargos sabidos. Os ditosos e os desgraçados todos nasceraqm, e como são mais os que acusam a fortuna, que os que lhe dão graças, maior matéria dão os nascimentos ao temor que à esperança. A esperança promete bens, o temor ameaça males, e entre promessas e ameaças tanto vem a se padecer o que se espera, como o que se teme. A quem começa a vida, tudo fica futuro, e no futuro nenhuma distinção há de males a bens, todos são males, porque todos se padecem. Os males padecem-se, porque se temem; os bens padecem-se, porque se esperam : e para afligir o mal, basta ser possível; para molestar o bem, basta ser duvidoso. Se alguma cousa nos pudera segurar os sobressaltos desta contingência, parece que era o tempo, o lugar, e as pessoas de que nascemos; mas por mais que destas circunstâncias conjecture a vã sabedoria felicidades, o certo é que nem o tempo as influi, nem a pátria as produz, nem dos mesmos pais se herdam. Do mesmo pai nasceu Isaac e Ismael, e um foi o morgado da fé, outro da heresia. Na mesma hora masceu Jacob e Esaú, e um foi amado de Deus, outro aborrecido. Na mesma terra nasceu Caim e Abel, e um foi o primeito tirano, outro o primeiro mártir. Assim que avaliar o nascimento pelos pais, é vaidade; medi-lo pelo tempo, é superstição; estimá-lo pela pátria é ignorância; e só julgado pelo fim, é prudência."
do p.A.Vieira - no sermao de Santo Estevão
-"Porque o calor e fervor do disputar, batalha em que se não empenha a fazenda ou a saúde, senão o entendimento, é o mais rigoroso exame da paciêncial."
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermao de Santo Estevão
-"Eram áspides venenosos e feros aqueles inimigos mortais de Estêvão e de Cristo, a quem pregava; e como tinham experimentado tanta vezes, que em falando Estêvão, como sáblio encantador, com a virtude de suas palavras os encantava e rendia de maneira, que não havia quem lhe resistisse; por isso agora, temendo-se que falando obrasse neles os mesmos efeitos, cerraram primeiro os ouvidos para o não poderem ouvir, e surdos como áspides empregaram nele o seu veneno. Enganaram-se, porém, tão cegos, como surdos: porque tão necessárias eram as suas vozes à sua sabedoria, como os seu silêncio àa sua paciência: as vozes necessárias à sabedoria para não ser resistida e vencer, e o silêncio necessário à paciência para não resistir e ser ferida."
do p.A.Vieira - no sermao de Santo Estevão
Conservat patientiam. Admirável sentença por certo! Assim como o licor precioso , se a boca da redoma não está tapada, exala e evapora o cheiro, e perde a virtude; assim a paciência de nenhum modo se conserva na sua perfeição, se o silêncio constante lhe não tapa e emudece a boca; porque só padecendo e calando há verdadeira paciência."
do p.A.Vieira - no sermao de S.Joao Evangelista
-" Nenhum segredo e´ segredo perfeito, senao o que passa a ser ignorancia; porque o segredo que se sabe, pode-se dizer, o que se ignora, nao se pode manifestar. Esta e´ a causa de os homens comummente nao saberem guardar segredos; porque encomendam o segredo `a memoria, sendo que o haviam de encomendar ao esquecimento. O segredo encomendado `a memoria corre perigo; o segredo encomendado ao esquecimento esta´ seguro. A razao : porque o segredo encomendado `a memoria e´ cautela, e o que se guarda com cautela, pode-se perder; o segredo encomendado ao esquecimento e´ ignorancia, e o que se ignora totalmente, nao se pode manifestar. Logo o perfeito segredo e´ so´ o que chega a ser ignorancia."
do p.A.Vieira - no sermao de S.Joao Evangelilsta
-" Ordinariamente nas cortes dos principes, os que contrafazem a verdade, sao os que granjeiam o amor."
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Das víboras não só se tira veneno, semão também triaga. E que cousa trouxe ao mundo a pólvora Um desengano universal, de que nenhum homem se deve jjá fiar das suas próprias forças? Antigamente havia Aquiles, havia Hércules, havia Sansões: depois que a póvora veio ao mundo, acabou-se a valentia dos braços. Um pigmeu com duas onças de pólvora pode derrubar o maior gigante. Que fundamento cuidais teve a filosofia simbólica das fábulas, para fingir que os gigantes fizeram guerra ao Céu, e quiseram apear de seu trono a Júpiter, senão porque entenderam e quiseram declarar aqueles sábios, que os homens que se fiam em suas grandes forças, não temem a Deus , nem O veneram como se não dependeram d'Ele. Ouvi a arrogância sacrílega e blasfema com que falava um destes chamado Mezêncio: Dextra mihi Deus, et telum, quod missile libro : O meu Deus é o meu braço e a minha lança. Por certo, soberbíssimo capitão, que não havieis de falar tão confiadamente, se fora em tempo que o menor sodadinho do exército contrário, vos pudera responder com uma boca de fogo. Este é pois o desengano que trouxe ao mundo a pólvora, para que todo o homem, e muito mais os que vivem na guerra e da guerra, se persuadam que só Deus lhe pode conservar a vida, e não o seu braço, nem a sua espada. Assim o dizia David, aquele soldado tão esforçado e tão forçoso, que com as mãos desarmadas escalava ursos e afogava leões: Gladius meus non salvabit me."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Vendo Moisés nos desertos de Mádian, que a sarça ardia, e não se queimava, disse: Vadam, et videbo visionem hanc magnam: Quero ver este grande milagre. O milagre consistia em que estando o fogo tão vizinho à sarça, ela, contudo. sem o admitir em si, estivesse tão verde, que, como bem disse Filo Hebreu, mais parecia que a sarça queimava o fogo que o fogo a sarça ; e que em vez de o mesmo fogo a abrandar, a regava, para que mais reverdecesse. Por isso Moisés não só lhe chamou milagre, mas grande: Visionem hanc mangnam. E não seria grande, nem milagre, se a fome e voracidade do fogo não fosse qual é. O mistério com que os Antigos fingiram a Vulcano, deus do fogo, manco e arrimado a um bordão, é porque só o fogo, entre todos os elementos, necessita de matéria em que se sustente. A terra, a água, o ar, sustentam-se e conservam-se em si mesmos; o fogo, se não tiver em que sustente, apaga-se e morre. Assim se apagou nas alâmpadas das virgens néscias pela falta de óleo. E desta mesma necessidade de comer para se sustentar, nasce ao fogo9 aquela voracidade com que tão facilmente se ateia, e tanto mais quanto a matéria é mais disposta."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Tão necessário é ao intrépido e temeroso of'icio da artilharia (que tudo isto compreende), o patrocínio de Santa Bárbara na terra. E passando da terra ao mar, bem se deixa ver quanto mais importante será, e quanto mais admirável e milagroso, defendendo aos que pelejam com os mesmos instrumentos de fogo, metidos em uma lenho, e sobre as ondas. Averiguada conclusão é entre os mestres de uma e outra milícia, que comparada a da terra, com a do mar, esta é muito mais trabalhosa e perigosa. Na terra peleja contra vós um elemento, no mar todos quatro : na terra tendes por onde vos retirar, no navio estais preso, e não tendes outra retirada que lançando-vos ao mesmo mar. Na terra ajudam uns esquadrões a outros esquadrões, e uns terços a outros terços, no mar estais com os companheiros à vista, e nem eles muitas vezes vos podem socorrer a vós nem vós a eles. E quanto ao exercício da artilharia, na terra borneais a vossa peça coberta de um parapeito de pedra de cinco pés, ou de uma trincheira de faxina de dezoito, no mar detrás de uma tábua de três dedos. Na terra corre a artilharia sobre uma esplanada firme e segura, no mar sobre um convés sempre inquieto e também inquieto da parte contrária o ponto a que se nivela o tiro. Os Gregos chamaram à peça de artilharia bombarda pelo boato, os Latinos tormentum, pelo que atormenta o corpo oposto que fere: eu na terra chamara-lhe tormento, e no mar tormenta : Ignis, et sulphur, et spiritus procelarum. Grande ciência geométrica é necessária pora entre dous pontos inconstantes tirar uma linha certamente recta, quel há-de seguir a bala para se empregar com efeito. Mas tudo isto pode fazer o sábio artilheiro náutico com maiores estragos do inimigo, dos que acima referimos, conseguindo com um só tiro, por ser na mar, o que não pode suceder na terra. "
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Vede quanto se aumentou o seu domínio com o invento da pólvora na multidão, na variedade, na força, nos efeitos, e ainda na facilidade dos tiros e máquinas de fogo a que preside. Para se gerar um raio, é necessário que as terras não sejam extremamente frias, que por isso na Cítia são raríssimos; é necessário que o tempo seja Estio ou Outono : que as nuvens sejam espessas e húmidas: que as exalações sejam, secas e cálidas: que o movimento ou antiperistase as acenda : que a rotura por onde sai seja pela parte inferior, e não pela de cima: e que a matéria seja crassa e pingue, porque se não dissipe ou apague o fogo, antes que chegue à terra. Tudo isto é necessário para formar um raio na região do ar. Na terra, porém, quão pouco basta? Basta que aos que têm o supremo poder lhes suba à cabeça um vaporzinho, ou de cobiça, ou de ambição, ou de inveja, ou de ódio, ou somente de vaidade e glóra, para que contra uma fortaleza, ou sobre uma cidade, chova tanta multidão de raios, quantas são as pedras das suas muralhas. Os raios que caem do céu em muitos anos , são contados; os que se fulminam da Terra na bataria ou defensa de uma praça, não têm conto. Ainda quando os do céu se não contentam com ferir os montes, ou com se empregar nas feras, e nas enzinhas, ou só com meter medo aos homens; raro é o raio que seja réu mais que de um homicídio. Mas os que saem de uma peça de artilharia, se o não vistes, ouvi o estrago que fazem. Na baralha naval emtre os cesarianos e franceses na ribeira de Salerno, matou uma bala de artilharia quarenta cesarianos: na batalha campal dos alemães contra os espanhóis junto a Ravena, matou outra peça com um só tiro mais de cinquenta alemães ; na guerra de Alberto César contra os Polacos em Boémia, não dizem as histórias de qual das partes, mas afirmam que uma só bala matou oitenta sodados."
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Mas se o que mais estimam os homens e o porque mais trabalham, assim na paz como na guerra, é que os reis tenham boa opinião deles; que razão particular há nos sábios para que a não queiram? A razão é, porque os reis (comummente) não têm por doutos e sábios, semão aqueles que em tudo aprovam e se conformam com os seus ditames e interesses políticos, e com as razões ou pretextos com que os querem justificar; e como isto muitas vezes não pode ser sem ofensa das leis divinas e violência das humanas, melhor é para os tais casos ser reputado por menos douto, e não ter para com os reis opinião de sábio: Penes regem noli velle videri sapiens."
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Aquele prolóquio vulgar dos filósofos, que um semelhante não tem actividade contra outro semelhante: Simile non agit in simile, em nenhum agente se verifica mais que de sábio a sábio. Como pelejam com as armas iguais, podem-se resistir, mas não se podem vencer. A mais celebrada disputa de que há memória nas Dvinas Letras, e como tal a primeira e mais antiga cousa que se esccreveu no mundo foi a de Job com aqueles três filósofos, que o vieram visitar em seus trabalhos. Aconteceu-lhe o que acontece ordinariamente entre letrados, que começa a visita em conversação e acaba em questão e disputa. Disse pois Job o que lhe ditava a sua dor, e quando esta lastimosa proposta pedia mais consolações que argumentos, argumentou contra ela em primeiro lugar Elifaz, em segundo Beldad, em terceiro Sofar; e posto que Job respondeu copiosa e eficazmente, assim aos argumenttos, como às instâncias, que uma e outra vez replicaram sobre as suas respostas, Eliú, que ouvia de fora, tomou a mão sobre todos , e o arguiu de nocvo tão furiosamente que se o mesmo Deus não interpusera sua autoridade favorecendo a parte de Job, não se sabe em que viria a parar a disputa. Pois se Job tinha tanta ciência, assim adquirida, como infusa; se natural e sobrenaturalmente era tão sábio; se falou tanto e tão altamente, e com aquela força de eloquência que a mesma dor ensina, ainda aos que não sabem falar; sobretudo se tinha de sua parte a razão, e respondeu a todas as contrárias; como não rendeu, nem convenceu estes amigos antes os irritou mais? Porque todos eram filósofos, todos sábios, todos doutos, e não há mais dificultosa vitória que de sábio a sábios. É verdade que a razáo estava da parte de Job, como definiu o mesmo Deus; mas eles como eram filósofos e doutos ainda que lhe faltasse a razáo, ou sofísticas ou verdadeiras, para tudo tiveram razões. Lede com atenção o que disseram, para que depois de admirados da profundidade de suas filosofias, vos admireis mais de que Santa Catarina convencesse a tantos fjilósofos."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Tendo Abimelech entrado à força de armas os muros de Tebés, e não lhe restando por render mais que a última torre, a cujas portas estava pondo fogo, uma mulher lançou de cima sobre ele uma grande pedra de que caíu mortalmente ferido na cabeça; mas ainda teve acordo para dizer ao seu pajem da lança estas palavras: Evagina gladium tuum, et percute me, ne forte dicatur, quod a foemina interfectus sum : tira depressa pela espada e mata-me, porque se não diga no mundo, que me matou uma mulher. Tão injuriosa cousa é aos homens, principalmente grandes e famosos qual era Abimelech, poder-se dizer que uma mulher os venceu, que antes se deixaram e mandaram matar que sofrer tal injúria."
domingo, 12 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Converteu Moisés a sua vara em serpente, e os magos também as suas em outras igualmente ferozes e grandes; e o fim da batalha foi que a serpente de Moisés comeu todas as outras: Devoravit virgas eorum. Agora pergunto: e não bastara que a serpente de Moisés matara as serpentes dos magos? Parece que não só bastava senão que deste modo ficaria a superioridade mais conhecida, a vitória mais ostentosa, o teatro mais funesto e temeroso, e o mesmo Faraó mais confuso e compungido. Pois porque razão as serpentes dos Egípcios não foram somente mortas senão comidas? Porque nesta batalha da serpente de Moisés com as dos Egípcios eram significadas as batalhas e vitórias que a sabedoria cristã havia de alcançar de todas as seitas dos gentios, tão fantásticas, aparentes e falsas como as serpentes dos magos: e nestas batalhas da fé e da religião é maior e mais dificultosa vitória ficarem os contrários comidos, que somente mortos. E porquê? Porque ficarem somente mortos, é ficarem vencidos e convencidos, sem força, alento, nem voz para persistir no que defendiam; porém ficarem comidos e incorporados em quem os comeu, é ficarem não só vencidos e convencidos, senão também convertidos, assim como o que se come se converte na sustância de quem o come."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
." Naquele famoso desafio dos três Horácios romanos contra os três Curácios albaneses, dous Curiácios mataram dous Horácios, e o terceiro Horácio que ficou, matou aos três Curiácios; mas como ? Vendo-se só lançou a fugir, e os outros após ele; alcançou-o o que mais corria, e voltando-se contra este matou-o, e continuou a fugir; alcançou-o o segundo, e também o matou; e depois que não ficava mais que o último, então pelejou só por só com ele, e com a sua morte acabou de vingar as dos dous irmãos, e ficou com a inteira vitória. Tito Lívio e outros historiadores romanos celebram muito esta façanha, dizendo que o terceiro Horácio venceu aos três Curiácios; mas não dizem bem. Venceu por três vezes a cada um, mas não venceu a todos três. É evidente. Porque ele venceu aqueles com quem pelejou, e nunca pelejou com todos três, nem com dous, senão com um só. Foram três vitórias de um, mas não foi uma vitória de três. E é tanto assim, que dos três fugiu, e também dos dous,porque nem com três nem com dous se atreveu a pelejar, senão só com um. Muito antes deste caso tinha dito Salomão : Funiculus triplex difficile rumpitur: que o cordão de três fios dificultosamente se rompe. E por isso o prudente e valoroso Horácio, aos mesmos três que juntos se não atreveu a desafiar, desafiou-os, e deste modo rompeu fio a fio o cordão que não podia romper, unido."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" O mais formoso teatro que nunca viu o mundo, a mais grave e ostentosa disputa que nunca ouviram as academias, a mais rara e ostentosa vitória, que nunca alcançou da ignorância douta e presumida a verdadeira sabedoria, é a que hoje teve por defendente um querubim em hábito de mulher, ou um rosto de mulher com entendimento e asas de querubim - Santa Catarina. A aula ou teatro desta famosa representação foi o palácio imperial : os ouvintes e assistentes , o imperador Maxiimino, o senado de Alexandria, e toda a corte e nobreza do Oriente : a questão a da verdadeira divindade de um ou de muitos deuses, e a fé e religião que deviam seguir os homens : as defendentes, de uma parte, uma mulher de poucos anos, e da outra cinquenta fulósofos escolhidos de todas as seitas e universidades ; e a expectação da disputa e sucesso da controvérsia, igual nos ânimos de todos à grandeza de tão inaudito certame. Em primeiro lugar propuseram os filósofos, inchados, seus argumentos aplaudidos e vitoriados de todo o teatro, e só da intrépida defendente recibidos com modesto riso. E depois que todos disseram quanto sabiam em defensa e autoridade dos deuses mortos e mudos, que eles chamavam imortais; então falou Catarina por parte da Divindade Eterna e sem princípio, do Criador do Céu e da Terra, e da humanidade do Verbo tomada em tempo, para remédio do mundo. Falou Catarina, e foi tal o peso das suas razões, e sutileza do seu engenho, e a eloquência mais que humana, com que orou e perorou, que não só desfez faciilmente os fundamentos ou erros dos enganados filósofos, mas redarguindo e convertendo contra eles seus próprios argumentos, os confundiu e convenceu com tal evidência, que sem haver entre eles quem se atrevesse a responder ou instar, todos confessaram a uma só voz a verdade inflível da fé e religião cristã. E que faria com este sucesso Maximino imperador, empenhado e cruel ? Afrontado de se ver vencido nos mesmos mestres da sua crença de quem tinha fiado a honra e defensa dela, e enfurecido e fora de si, por ver publicamente demonstrada e conhecida a falsidade dos vãos e infames deuses a quem atribuia o seu império, em lugar de seguir a luz e docilidade racional dos mesmos filósofos, com sentença bárbara e ímpia, mandou que ou sacrificassem logo aos ídolos. ou morressem todos a fogo. Todos sem duvidar, nem vacilar algum, aceitaram a morte por Cristo, não só constantemente, mas com grande alegria e júbilo, e na mesma hora, e do mesmo teatro onde tinham entrado filósofos, saíram teólogos; onde tinham entrado gentios, saíram crstãos, e onde tinham entrado idólatras, saíram mártires. Oh vitória da fé a mais ilustre e ostentosa que antes nem depois celebraram os séculos da Cristandade ! Oh triunfo de Catarina, não com duas palmas, nas mãos de virgem e mártir, mas com cinquenta palmas aos pés de subtil, de angélica, de invencível doutora ! Digna por esta inaudita façanha de que no mais alto do monte Sinai, depois de ser trono do Supremo Legislador, as mesmas mãos que escreveram as primeiras letras divinas, levantassem eterno trofeu à memória das suas."
sábado, 11 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" A casa que edificou para si a Sabedoria : Sapientia aedificavit sibi domum, era aquela parte mais interiot e mais sagradado do Templo de Salomão, chamada por outro nome Santa Sanctorum. Levantavam-se no meio dela dous grandes querubins, cujo nome quer dizer sábios, e são entre todos os coros dos anjos os mais eminentes na sabedoria. Com as asas cobriam estes querubins a Arca do Testamento, e com as mãos sustentavam o Propiciatório, que eram o tesouro e o assento da Sabedoria Divina. A Arca era o tesouro da Sabedoria Divina em letras, porque nela estavam encerradas as Tábuas da Lei, primeiro escritas e depois ditadas por Deus; e o Propiciatório era o assento da mesma Sabedoria em voz porque nele era consultado Deus, e respondia vocalmente, que por isso se chameva Oráculo. As paredes de toda a casa em roda estavam ornadas com sete palmas, cujos troncos formavam outras tantas colunas; e os ramos de umas para as outras faziam naturalmente seis arcos, debaixo dos quais se viam em pé seis estátuas também de querubins. Esta era a forma e o ornato da casa da Sabedoria, edificada por Salomão, porém traçada por Deus; e não se viam em toda ela mais que querubins e palmas, em que a mesma Sabedoria, como vencedora de tudo, ostentava seus trofeus e triunfos."
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Acabaram-se as guerras, e vitórias romanas, não só fechadas, mas quebrados para sempre os ferrolhos das portas de Jano ; acabaram-se os capitólios ; acabaram-se os consulados ; acabaram-se as ditaduras ; acabaram-se para os generais as ovações e os triunfos ; acabaram-se para os capitães famosos as estátuas e inscrições ; acabaram-se para os soldados as coroas cívicas, murais e rostratas ; acabaram-se enfim com o Império os mesmos imperadores, e só vivem e reinam, ao revés da roda da Fortuna, os que eles quiseram acabar. Acabou Nero ; e vivem e reinam Pedro e Paulo ; acabou Trajano e vive e reina Clemente ; acabou Marco Aurélio e vive e reina Policarpo ; acabou Vespasiano e vive e reina Apolinar ; acabou Valeriano e vive e reina Lourenço ; acabou enfim Maximino e vive e reina Catarina ; ele, e os outros imperadores, porque se fiaram falsamente do Império sem fim : Imperium sine fine dedi : ela com os seus, e com os outros mártires, porque reinam e hão-de reinar por toda a eternidade com Cristo, no reino que verdadeiramente não há-de ter fim : Cujus regni non erit finis. "
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Muito mais dificultoso é haver de vencer soldados, que ter convencido filósofos. Os soldados não se vencem com argumentos de palavras, senão com silogismos de ferro. Para os mais subtis de entendimento, o capacete lhe defende a cabeça ; e para os mais brandos de vontade, a malha e o arnês lhe indurecem o peito. Toda a força que tem o filósofo consiste na razão, e toda a razão do soldado consiste na força. Só à maior força, só à maior violência, só ao maior poder, se abatem as bandeiras , e rendem as armas. Alma e salvação são as duas cousas mais precisas, e por isso as que causam maior medo de se perderem ; mas para quem tem piedade de uma, e fé da outra.
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" As vitorias proprias vistas sem os olhos na roda, ensoberbecem ; com os olhos nela, humilham. Com os olhos na roda, aos vencidos causam esperança, e aos vencedores, temor. Por isso Abraao temia a sua vitoria, e todos os grandes capitaes temeram sempre as suas. "
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Como na guerra nao ha´ cousa mais para estimar que o vencer, assim nao ha outra mais para temer que a mesma vitoria. Quando o sabio capitao se vir mais vitorioso e triunfante na carroça de Marte e da fortuna, entao e´ que mais se deve temer da volta das suas rodas."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
- " Oh que facilmente se engana o juizo humano nas apreensoes de qualquer sucesso prospero ! Por isso disse sabia e prudentissimamente o grande senador romano, Severino Boecio, que melhor e mais util e´ ao homem a fortuna adversa, que a prospera : Plus reor hominibus adversam, quam prosperam prodesse fortunam. E da´ a razao : porque a prospera mente, e a adversa desengana : Illa enim semper specie felicitatis, cum videtur blanda, mentitur : hace semper vera est, cum se instabilem mutatione demonstrat. Illa fallit, haec instruit. Quem se nao quiser enganar com as lisonjas da fortuna prospera, olhe para a roda. Nela, e do mesmo barro faz Deus reinos, e desfaz reinos ; desfaz Jerusalem, e acrescenta Babilonias ; cativa os livres, e restitui a liberdade aos cativos. Assim o fez a benignidade divina, dando outra volta `a roda, e restituindo os cativos de Babilonia `a liberdade, de que poucos ja se lembravam, ao fim de setenta amos : caso bem parecido ao nosso."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Ne forte. Variamente pintaram os Antigos a que eles chamaram Fortuna. Uns lhe puseram na mao o mundo, outros uma cornucopia, outros um leme ; uns a formaram de ouro, outros de vidro, e todos a fizeram cega, todos em figura de mulher, todos com asas nos pes, e os pes sobre uma roda. Em muitas cousas erraram, como gentios ; em outras acertaram como experimentados e prudentes. Erraram no nome de Fortuna, que significa caso, ou fado ; erraram na cegueira dos olhos , erraram nas insignias e poderes das maos, porque o governo do mundo, significado no leme, e a distribuiçao de todas as cousas, significada na cornucopia, pertence somente `a Providencia Divina, a qual nao cegamente, ou com os olhos tapados, mas com a perspicacia de sua sabedoria, e com a balança de sua justiça na mao, e´ a que reparte a cada um e a todos o que para os fins da mesma Providencia com altlissimo conselho tem ordenado e disposto. Acertaram, porem, os mesmos gentios na figura que lhe deram de mulher, pela inconstancia : nas asas dos pes, pela velocidade com que se muda ; e sobretudo em lhos porem sobre uma roda ; porque nem no prospero, nem no adverso, e muito menos no prospero, teve jamais firmeza. Dos que a fizerrram de ouro diremos depois ; o que agora somente me parece dizer, e´ que os que a fingiram de vidro pela fragilidade, fingiram e encareceram pouco ; porque ainda que a formassem de bronze, nunca lhe podiam segurar a inconstancia da roda."
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" De prudentes e néscias se compoe toda a historia do nosso Evangelho, gloriosa para umas , e tragica para outras. As prudentes foram as venturosas, porque disseram: Ne forte ; as nescias , as sem ventura, porque o nao souberam dizer. As prudentes com as alampadas acesas entraram `as bodas ; as nescias , `as escuras, e com elas apagadas ficaram de fora. Cuidaram as nescias que se lhes nao apagariam as alampadas, cuidaram que seriam socorridas das companheiras, cuidaram que ainda que chegassem tarde, se lhes abririam as portas : e depois de tanto cuidar, acharam que nao tinham cuidado ; porque nao cuidaram quando, e como convinha, nem souberam dizer a tempo, ne forte. Tres vezes o disseram as prudentes : na consideraçao, na prevençao, e na resoluçao. Na consideraçao, considerando que por falta do sustento natural do oleo se poderia apagar o fogo, e morrer a luz das alampadas; na prevençao, porque se preveniram de o levar nas redomas, para delas o suprir, quando faltasse ; na resoluçao, porque faltando `as companheiras, resolutamente lhe responderam, que nao as podiam socorrer., porque podia nao bastar para todas : Ne forte non sufficiat nobis, et vobis.
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Ne forte : breve cláusula para tema; porém grande para sermâo! É tão grande e tão forte a significação deste ne forte, que com ela se sustentam e são fortes todas as fortalezas : e as que não são fortes, nem se defendem, só or falta dela são fracas, só por falta dela se rendem e são vencidas. E que quer dizer ne forte ? Quer dizer: para que não por algum caso; para que não por alguma desgraça ; para que não por algum engano ; para que não por aolguma violência ; para que não por algum descuido próprio, ou diligência e indústria alheia. É o ne forte um advérbio, sempre vigilante, mas indeciso ; é uma suspensão do que é ; é uma dúvida do que será : é um cuidado solícito do que pode ser. É um receio temeroso do futuro, não esquecido do passado, nem divertido do presente ; e neste círculo de todos os tempos acautelado para todos. Deriva-se a palavra ne forte daquela que o mundo chama Fortuna, e é uma força tão poderosa e tão forte, que desarma a mesma fortuna de todos os seus poderes ; porque a quem estiver cuidadoso do que ela pode fazer ou desfazer, nunca lhe acontecerá que diga - não cuidei - , que é a prineira máxima da prudência.".
sábado, 4 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão do beato Estanislau Kostka
-" Notáveis foram o primeiro e último milagre de Cristo. No primeiro converteu a água em vinho ; porém isto é o que faz a vide. Chove água do céu e a vide a converte em vinho. No último milagre, e o maior de todos, converteu o pão e o vinho em carne e sangue ; e isto é o que faz o corpo humano.Come pão e bebe vinho, e os converte em carne e sangue. E posto que esta não é transubstanciação (maravilha própria sómente daquele altíssimo mistério) é verdadeira conversão. Pois se a natureza na vida converte a água em vinho, e no corpo humano converte o pão e o vinho em carne e sangue; estes porque razão não hão-de ser milagres ? Pela diferença do tempo. A natureza, porque há mister introduzir as disposições pouco a pouco, obra depois de largo tempo ; mas se aquilo mesmo que a natureza faz depois de muito tempo, se fizesse em brevíssimo, já não seria obra da natureza senão milagre da Omnipotência."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
-" E para tudo isto (que muitos não entendem nem capacitam) que compreensão e vastidão de todas as ciências divinas e humanas era necessária ; que memória de todas as histórias sagradas e profanas ; que escrutínio da cronologia de todos os tempos ; que notícias de todas as terras e gentes, de suas leis, costumes, cerimónias, ritos ; que inteligência e conhecimento exacto de todas as línguas, latina, grega, hebreia, caldaica, siríaca, umas originais dos Textos sagrados, outras em que foram vertidos ? E que estudo, que aplicação que continuação e trabalho era outrossim necessário para adquirir esta imensa erudição, ajudado o engenho natural, e elevado de contínuas orações ao Cèu, donde vem a verdadeira luz ? Estas eram as minas em que cavavam e suavam aqueles diligentíssimos e utilíssimos operários, estas as riquezas inestimáveis que metiam e acumulavam nos tesouros da Igreja, estas as armas finíssimas e escudos impenetráveis, de que forneciam a Torre de David, para as futuras ocasiões e batalhas, como hoje se eexperimenta : empregando e aplicando a estas (que com razão se chamam obras) todas as forças do espírito, todas as potências da alma, e todos os sentidos do corpo : negando-lhe o descanso de dia, e o repouso e sono de noite ; e c hegando a não gostar, nem sentir o mesmo que comiam, como à mesa de el-rei S.Luis de França lhe aconteceu a S. Tomás. Mas como eram tão doutos e sábios, sabiam melhor que todos, quão grande cousa é ser santos. e por isso o procuravam eles ser com esta vida, e que os demais o fossem com esta mesma doutrina."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
-" Ali se vêem refutadas e convencidas todas as seitas dos antigos filósofos, pitagóricos, platónicos, cínicos, peripatéticos, epicúrios, estóicos : ali os mistérios porfundíissimos da Fé, facilitados e críveis i os argumentos conttrários desavanecidos ; ali as tradições apostólicas sucessivamente continuadas, e as definições dos concílios gerais e particulares estabelecidas ; ali as dificuldades da Sagrada Escritura, e os lugares escuros dela declarados, e o Velho e Novo Testamento, e os Evangelhos entre si concordes ; ali as questões altíssimas da teologia sutilissimamente disputadas e resolutas ; as controversas debatidas e examinadas ; e o certo como certo, o falso como falso, e o provável como provável, tudo decidido ; ali as heresias antigas e modernas expugnadas, e as cavilações dos hereges desfeitas, e os Textos sagrados, corruptos e adulteraddos por eles, conservados em sua original pureza ; os Arrios , os Apolinares, os Macedónios, os Nestórios, os Donatos. os Pelágios, os Maniqueus, ou Eutíquios, os Elvícios, os Jovinianos, os Vigilâncios, e os Luteros, e Calvinos, que em nosssos tempos os ressuscitaram, sepultados outra vez e convencidos ; ali finalmente os vícios perseguidos, os abusos emendados, as virtudes sinceras e sólidas louvadas, as falsas e aparentes confundidas, e toda a perfeição evangélica digesta, praticada, e posta em seu ponto."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
-" Os santos doutores, esquadrão também laureado, não fizeram ou não se desfizeram menos por ser santos. Foram a luz do mundo, e o sal da Terra ; e assim como a tocha se consome para alumiar, e o sal se derrete para conservar ; assim eles para alumiar as cegueiras do nundo e conservar a Fé e a Religião em sua pureza, não só se pode dizer com verdade, que consumiram a vida, mas que derreteram e estilaram a alma. Todos esses livros, tantos e tão admiráveis , de S. Basílio, de S:Crisóstomo, de Santo Atanásio, de Santo Ambrósio, de S.Jerónimo, de Santo Agostinho, e dos dous Gregórios, quatro doutores da Igreja grega, e quatro da latina, e os dous que depois se acrescentaram a este sagrado gúmero de S.Tomás, e S.Boaventura ; os livvros igualmente doutíssimos dos santos bispos, Hilário, Cipriano, Fulgêncio, Epifãmio, Isidoro, e um e outro Cirilo ; e os dos antiquíssimos padres, Clemente Romano, Dionísio Areopagita, Irineu, Justino,Gregório Taumaturgo, Clemente Alexandrino, Lactâncio, e infinitos outros. Todos estes escritos, digo, cheios de divina e celestial doutrina, que outra cousa são sem encarecimento nem metáfora, senão as almas dos mesmos santos, e as quintas-essências dos seus entendimentos, estiladas pela pena ?
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
-" Quando um vassalo se rebela contra seu rei, confiscam-lhe todos seus bens. Pois se Lucifer se rebelou contra Deus, porque lhe confiscaram só a graça e a santidade, e lhe deixam tudo o mais ? Porque só a graça e a santidade são bens : tudo o mais que têm os anjos maus, uma vez que não têm santidade, antes são males que bens. A ciência sem santidade é ignorância ; a formosura sem santidade, é fealdade ; o poder sem santidade, é fraqueza ; a grandeza sem santidade, é miséria : e por isso são os anjos maus os mais miseráveis de todas as criaturas, assim como os anjos bons os mais felizes, e bem-aventurados de todas ; estes porque são santos, aqueles porque não são santos."
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
-" Oh quem me dera ter neste auditório todas as snho0ras do mundo, tão prendadas e tão presas, tão tidas e tão retidas das vaidades do mesmo mundo, para que vissem o de que só se haviam de deixar prender e deter, `Ja imiitação da maior Senhora e Rainha de todas ! Tudo quanto a apreensão e fantasia feminil estima e preza, viu a benditéssima Virgem no grande teatro de Israel, de que Deus A fizera herdeira : In Israel haereditare. Viu a nobreza do sangue, antiga e ilustre em Sara, soberana e real em Micol ; mas não a deteve o esplendor da nobreza, nem lhe moveu, ou alterou os espíritos. Viu a formosura servida e adorada em Raque, buscada e preferlida am Agisai ; mas não A deteve a formosura, nem julgou por digna de ser vista a que leva após si os olhos. Viu fecundidade grande e invejada em Lia, maior e mais desvanecida em Fenena ; mas não A deteve o apetite natural de ser mãe, nem desejou perpetuar-Se em mais vidas. Viu a requeza coméstica em Rebeca, e os tesouros reais em Sulamite ; mas não A deteve cobiça ou ambição de riqueza, porque tinha o coração em outros tesouros. Viu as galas e afeites de Jezabel, e todo o valor do Oriente engastado nas jóias ,e Ester ;mas não A deteve a apar~encia vã dos aparatos do corpo, como a que só cuidava em ornar o erpírito. Viu a uqe o mundo nhama ventura, nas bodas n~jao esperadas de Rute, e nas muito mais venturosas de Séfora ; mas não A deteve o especioso laço das bodas, antes Lhe fizeram horror as delílcias do tálamo. Viu as vitórias e triunfos de Dégora, e os despojos e trofeus da famosa Judite ; mas não A deteve a fama com o ruído de seus aplausos, nem afectou vitórias e triunfos, Viu, finalmente, coroada Abigail, e assentada Berzabee em igual trono com Salomão , mas não A deteve a soberania daquelas alturas, porque era mais alto o seu ânima que os tronos, e de maior esfera que as coroas."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
-" Em todas as ciencias e certo que ha muitos erros dos quais nasce a diferença das opinioes : em todas as ciencias ha muitas ignorancias , as quais confessam todos os maiores letrados, que nao compreendem, nem alcançam. Pois se vinha a Sabedoria de Deus ao mundo, porque nao alumiou estes erros, porque nao tirou estas ignorancias ? Porque errar ou acertar em todas essas materias, sabe-las ou nao as saber, nenhuma cousa importa : o que so importa e saber salvar : o que so importa, e aceertar a ser santos : e isto e o que so nos veio ensinar o Filho de Deus. Nem ensinou aos filosofos a composiçao do continuo ; nem aos geometras a quadratura do circulo ; nem aos mareantes a altura de leste a oeste ; nem aos quimicos o descobrimento da pedra fosofal ; nem aos medicos as virtudes das ervas , das plantas, e dos mesmos elementos ; nem aos astrologos e astronomos o curso, a grandeza, o numero, as influencias dos astros; so nos ensinou a ser humildes, so nos ensinou as ser castos, so nos ensinou a desprezar as rquezas,so nos ensinou a perdoar as injurias, so nos ensinoou a sofrer a perseguiçoes, so nos ensinou a chorar e aborrecer os pecados, e a amar e exercitar as virtudes ; porque eatas sao as regras e as conclusoes, estes os preceitos e os teoremas, por onde se aprende a ser santos, que e a ciencia que professou e veio ensinar a Pessoa do Filho de Deus : Scientiam sactorum"
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
- " E tal a força e poder da infamia (notem muito isto os que tao facilmente infamam as honras alheias), e tal a força e poder da infamia, que sendo a calunia testemunho falso, a mesma infamia fara que a inocencia infamada o faça verdadeiro. "
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
-" E porque razão os grandes trabalhos e aflições se chamam calix ? Os mesmos textos o dizem. Porque assim como o vinho demasiadamente bebido tira o juizo : Calix in manu Domini inebrians : assim os trabalhos, angústias, e aflições, se são grandes , têm os mesmos efeitos em quem os padece, e os faz endoudecer : Et bibent, et turbabuntur, et insaniantent. "
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