quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Nossa Senhora do Carmo
-" Pergunto: Qual é maior prerrogativa, e maior excelência, ser filho natural, ou filho adoptivo? A adopção é suplemento da natureza; logo parece que maior cousa e mais excelente é ser filho por natureza, que por adopção. Contudo, absoluta e precisamente falando, digo, que alguma cousa tem de maior prerrogativa ser filho adoptivo, que filho natural. No filho natural funda-se a preferência na filiação; no adoptivo, funda-se a filiação na preferência. O filho natural ama-se, porque é filho; o filho adoptivo é filho, porque se ama. Ser natural, é fortuna; ser adoptivo, é merecimento. A razão de toda esta diferença, é porque os filhos naturais são partos da natureza : os adoptivos são filhos da eleição. Nos primeiros não tem parte a vontade nem o juizo: nos segundos tudo é juilzo, e tudo vontade. Assim o notou advertidamente Santo Ambrósio na Epístola ad Finisium . Aut natura filios suscipimus, aut electione; in natura, casus est: in elestione, judicium. Os filhos ou são por natureza ou por eleição: se por natureza é caso; se por eleição, é juizo. Quanto vai da sorte à escolha, tanto vai de uns filhos a outros. Se os pais escolhessem os filhos, muitos haviam de trocar os seus pelos alheios, e talvez antes não quereriam ter filhos, que tais filhos. Parece-vos que escolheria Adão a Caim, Noé a Cão, Isaac a Ismael, Jacob a Ruben, David a Absalão ? Claro está que não.l Mas contenta-se cada um com aqueles filhos que lhe couberam em sorte; porque nesta parte também os filhos entram em conta de bens de fortuna. Nos filhos adptivos, é pelo contrário; porque como o escolher este ou aquele, depende da nossa eleição, da nossa vontade, do nosso juizo; muito errado será o juizo e a vontade de quem não escolher o melhor de todos, o mais excelente, e o mais digno: Non est dignus adptari, nisi qui fortissimus meretur agnosci, disse Cassiodoro. E a razão que logo dá, é a mesma diferença que dizíamos: In sobole frequenter fallimur, ignavi autem esse nesciunt, quos judicia pepererunt. Nos filhos naturais não se satisfaz muitas vezes o desejo, porque ainda que são partos da natureza, dá-os a fortuna: nos adoptivos sempre o acerto e a satisfação é segura; porque são filhos da eleição, e partos do juizo: Quos judicia pepererunt."
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário