sábado, 18 de dezembro de 2010

do p.A.Vieira - no sermão do nascimento da mãe de Deus

-" Salomão, o mais sábio e todos os que nasceram, faz uma comparação tão superior ao nosso juizo que só podia caber no seu. Compara o dia da morte com o do nascimento; e na diferença destes dous extremos, quem não imaginará que se compara o dia com a noite, a luz com as trevas, a alegria com a tristeza, a felicidade com a desgraça, a cousa mais desejada com a mais temida, e com a mais terrível a mais amável? Sendo porém tão prenhe de admiração a proposta, mais digna de espanto é a sentença. Resolve Salomão, que melhor é o dia da morte, que o dia do nascimento: Melior est dies mortis die nativitatis. E que tem o dia da morte para ser melhor que o do nascimento? O dia do nascimento não é o mais alegre, e o da morte o mais triste? O do nascimento não é o que povoa o mundo, o da morte o que abre e enche as sepulturas? O do nascimento o que veste de gala as famílias e as cortes, o da morte o que as cobre de lutos? A morte não é o maior inimigo da vida, e o nascimento não é o que, sendo ela mortal, a imortaliza? Que é o nascer, senão o remédio do não ser, e que seria do mundo se em lugar dos mortos não nasceram outros que lhes sucedessem? Até em Deus necessita do nascimento a mesma Trindade, porque sendo só a Pessoa do Padre inascível, Deus sem nascimento seria um, mas não seria trino. Pois se tantos são os bens e felicidades que traz consigo o dia do nascimento, os quais todos funesta, consome, e acaba o dia da morte; que motivo teve o juizo de Salomão para antepor o dia da morte ao dia do nascimento? Entendeu-o melhor que todos o maior intérprete das Escrituras. É melhor (diz Jerónimo) o dia da morte que o dia do nascimento, porque no dia do nascimento ninguém pode saber o para que nasce, e só no dia da morte se sabe o fim para que nasceu: Certe quod in morte quales simus notum sit, in exordio vero, nascendi qui futuri simus, ignoratur."

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