terça-feira, 31 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão da rainha Santa Isabel
-" O maior cabedal que pode dar o mundo é uma coroa. Mas ainda que as coroas são as que dão as leis, não são mercadoria de lei. Ao menos eu não havia de assegurar esta mercadora, de fogo, mar e corsário ; porque as mesmas coroas muitas vezes elas são o roubo, elas o incêndio, elas o naufrágio. Para conquistar reinos da Terra, o melhor cabedal é uma coroa ; mas para negociar o Reino do Céu, é género que quase não tem valor. Ponde uma coroa na cabeça de Ciro, conquistará os reinos de Baltasar : ponde uma coroa na cabeça de Alexandre, conquistará os reinos de Dario : ponde uma coroa não na cabeça, senão no pensamento de César, o oprimirá a liberdade da pátria ; e da mais florente república fará o mais soberbo e violento império. Mas para negociar o Reino do Céu, nem a Baltasar, nem a Dario, nem a Alexandre, nem a César, nem ao mesmo Ciro, a quem Deus chamava o seu rei, e o seu ungido : Christo meo Cyro, valeram nada as coroas."
do p.A.Vieira - no sermão da rainha Santa Isabel
-" Para as negociações da Terra a muitos falta o cabedal ; outros têm cabedal e falta-lhes a diligência ; outros têm cabedal e diligência, mas falta-lhes a ventura. Na negociação do Céu não é assim. A todos dá Deus o cabedal, a todos oferece a ventura, e a todos pede a diligência. O cabedal são os talentos da natureza ; a ventura são os auxílios da graça ; a diligência é a cooperação das obras. Quando o rei disse : Negotiamini dum venio, os criados, a quem entregou a sua fazenda, para que negociassem com ela, eram três : todos três tiveram cabedal ; dous tiveram diligência ; um não teve ventura. E porque não teve ventura este último ? Porque não teve diligência : enterrou o talento. Bem o conhecia o rei, pois fiou dele o menos. E que sucedeu aos outros dous? O que tinha cinco talentos, negociou e granjeou outros cinco. O que tinha dous talentos, negociou e granjeou outros dous. Ambos tiveram igual ventura, porque fizeram igual diligência ; mas o que entrou com maior cabedal, saía também com maior ganância."
do p.A.Vieira - no sermão da rainha Santa Isabel
-" A uma rainha duas vezes coroada : coroada na Terra, e coroada no Céu ; coroada com uma das coroas que dá a Fortuna, e coroada com aquela coroa, que é sobre todas as fortunas, se dedica a solenidade deste dia. O mundo a conhece com o nome de Isabel ; a nossa pátria, que lhe não sabe outro nome, a venera com a antonomásia de Rainha Santa. Com este título, que excede todos os títulos, a canonizou em vida o pregão de suas obras : a este pregão se seguiram as vozes de seus vassalos ; a estas vozes a adoração, os altares, os aplausos do mundo. Rainha e Santa."
do p.A.Vieira - no sermão da rainha Santa Isabel
-" Quantos grandes há neste mundo, que sabem ser o que são ? Depois de lhe dar o que deu, parece que se arrependeu a fortuna do que lhe tinha dado. O rico é avarento, e não sabe usar da riqueza : o sábio é imprudente , e não sabe usar da sabedoria : o valente é temerário, e não sabe usar do valor ; e até os que têm as coroas na cabeça, e os ceptros na mão, não têm cabeça nem mãos para saber reinar."
domingo, 29 de agosto de 2010
do p.A.Vieira-no sermão de S. Pedro
_" A peste do governo é a irresolução. Está parado o que havia de correr, está suspenso o que havia devoar ; porquenão atamos, nem desatamos. Não debalde escolhe Cristo para o governo da sua casa um homem tão resoluto como Pedro. Se Cristo lhe não mandara embainhar a espada, bem necessãrias lhe eram as ataduras para as feridas. Assi há-de ser quem há-.de ograr, e não homens que nem atam, nem desatam. Aqui pára a história do Evangelho : para passarmos ao discurso, peçamos a graça : Ave Maria."
sexta-feira, 27 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de S. Pedro
-" Antes de se fazerem as cousas, há-se de temer o que dirão ; depois de feitas, há-se de examinar o que dizem. Uma cousa é o acerto, outra o aplauso. A boa opinião de que tanto depende o bom governo, não se forma do que é , senão do que se cuida ; e tanto se devem observar as obras próprias, como respeitar os pensamentos e línguas alheias. A providência com que Deus permite a murmuração, é porque talvez de tão má raiz se colhe o fruto da emenda. E se eu de murmurado me posso fazer aplaudido, porque me não informarei do que se diz ?
do p.A.Vieira - no sermão de S. Pedro
-" Na ocasião em que fala S. Mateus, diz que perguntou Cristo Senhor nosso, que diziam d'Ele os homens : Quem dicunt homines esse Filium hominis ? Perguntou o Senhor , para que os senhores que mandam o mundo, se não desprezem de perguntar. Se pergunta a sabedoria divina, porque não perguntará a ignorância humana ? Mas esse é o maior argumento de ser ignorância. Quem não pergunta, não quer saber ; quem não quer saber, quer errar. Há porém ignorantes tão altivos, que se desprezam de perguntar, ou porque presumem que tudo sabem, ou porque se não presuma que llhes falta alguma cousa por saber. Deus guie a nau onde estes forem os pilotos.
do p.A.Vieira - no sermão de S.João Baptista
-" E seis impossíveis vencidos na Terra, que devem esperar, senão seis cousas ganhadas no Céu ? Dar-vos-á no Céu, esposa sereníssima de Cristo, a Corte com o deserto uma coroa de solitária entre o coro dos eremitas. A mocidade com o desengano uma coroa de prudente entre o coro dos doutores. A grandeza com o desprezo uma coroa de humilde entre o coro dos apóstolos. A inocência com o castigo uma coroa de penitente entre o coro dos confessores. A vida com a morte uma coroa de mortificada entre o coro dos mártires. A clausura com a peregrinação uma coroa de peregrina entre o coro das virgens. Assim triunfa, quem assim
vence : assim alcança, quem assim merece : assim goza, quem assim trabalha : assim reina, quem assim serve : nesta vida a Deus por graça ; na outra vida com Deus por glória. Quam mihi, et vobis, etc."
do p.A.Vieira - no sermão de S.João Baptista
-" Os bens e grandezas do mundo falsamente se chamam bens, porque são males, e sem razão se chamam grandezas, porque são pouquidades. Pois que remédio para fazer das pouquidades grandezas, e dos males
bens ? O remédio é deixá-los, e deixá-los em esperanças ; porque esses que o mundo chama grandes bens, só são bens quando se deixam, só são grandes quando se esperam. A esperança lhe dá a grandeza, e desprezo lhe dá a bondade : desprezados são bens, esperados são grandes. E assim, mais dá quem despreza o que espera, que quem dá o que possui. De umas e outras : de possuidas e de esperadas grandezas, são despojos as cinzas, que hoje se rendem aos soberanos impulsos daquela pedra divina. Oh como desaparece a estátua ! Oh como cresce o monte ! De nossas diminuições aumenta Deus suas grandezas, de nossos desprezos, sua majestade. "
bens ? O remédio é deixá-los, e deixá-los em esperanças ; porque esses que o mundo chama grandes bens, só são bens quando se deixam, só são grandes quando se esperam. A esperança lhe dá a grandeza, e desprezo lhe dá a bondade : desprezados são bens, esperados são grandes. E assim, mais dá quem despreza o que espera, que quem dá o que possui. De umas e outras : de possuidas e de esperadas grandezas, são despojos as cinzas, que hoje se rendem aos soberanos impulsos daquela pedra divina. Oh como desaparece a estátua ! Oh como cresce o monte ! De nossas diminuições aumenta Deus suas grandezas, de nossos desprezos, sua majestade. "
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de S.João Baptista
- " Porque mais faz quem deixa as redes lançadas, que quem deixa os lanços recolhidos. As redes quando se lançam, levam em cada malha uma esperança ; os lanços quando se recolhem , trazem muita rede vazia.
do p.A.Vieira - no sermão de S.João Baptista
- " Para derrubar com uma pedra ao Golias, bastou a funda de David ; para derrubar com outra pedra a estátua de Nabuco, foram necessários impulsos (posto que invisíveis) do braço de Deus. O Golias tinha de altura seis côvados, a estátua tinha sessenta ; que nas grandezas mais pomposas do mundo, sempre são maiores os gigantes, que as estátuas. Nunca as máquinas vivas igualam a medida das sonhadas. Sonha a fantasia, promete a esperança, profetiza o desejo, representa a imaginação : e ainda que a soltura destes sonhos, o cumprimento destas promessas, o prazo destas profecias, a verdade destas representações nunca chegam : mais triunfa a amor divino, quando pisa o fantástico, que o verdadeiro ; o esperado que o possuído.. Deixar antes de possuir, é usura de merecer ; porque quem mais dá, mais merece, e quem dá os bens na esperança, dá-os onde são maiores. A melhor parte dos bens desta vida é o esperar por eles : logo mais faz quem se inabilita para os esperar, que quem se priva de os possuir.
terça-feira, 24 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de S.João Baptista
-" As batalhas da razão com os anos, é uma guerra em que resistem mais os poucos que os muitos. Deixarem-se vencer da razão os muitos anos, não é muito ; mas deixarem-se vencer e convencer os poucos, grande poder da razão ! E mais se considerarmos a resistência favorecida do sítio. Poucos anos e nas montanhas (como eram os do Baptista) não é tanto que se não defendam à força da razão : mas poucos anos e em palácio, convencidos e desenganados ! Grão vitória ! Ofereceu el-rei David a Bercelai um grande lugar no Paço, e ele, que era já de oitenta anos, que responderia ? Octogenarius sum hodie : non indigno hac vicissitudine : Respondeu, que assaz tinha aprendido em tantos anos a desenganar-se das cortes, que o deixasse o rei viver retirado consigo, e tratar da sepultura ; porém que aceitava o lugar para um seu filho que tinha de pouca idade :: Est servus tuus Chamaan, ipse vadat tecum. Parece que se implica nesta acção o amor de pai, mas explica-se bem o engano do mundo. Desenganaram a Bercelai os muitos anos próprios, para não querer para si, e enganaram-se os poucos anos alheios, para querer o Paço para o filho. Não sei que tem o paço e os poucos anos, que ainda quando o conhecem os muitos, não se atrevem a o deixar os poucos. Teve conhecimento para o deixar um velho, não teve ânimo para o aconselhar a um moço.. Sendo mais fácil de dar o conselho, que o exemplo, deu o exemplo Bercelai, mas não se atreveu a dar o conselho. Antes parece que se substituiu a pai nos anos do filho, para lograr na mocidade alheia o que na própria velhice não podia. E que não havendo valor na velhice para deixarem totalmente o mundo, ainda aqueles a quem o mundo deixa, que haja resolução na mocidade para meter o mundo debaixo dos pés, quem o mundo trazia na cabeça ! Oh que bem se desafronta hoje a natureza humana ! "
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de S.João Baptista
- "Queixava-se Marco Túlio, que sendo os homens racionais, pudesse mais com eles o discurso do tempo, que o discurso da razão. Mas hoje vemos o discurso da razão mais poderoso que o discurso do tempo. Que não bastassem noventa anos para dar siso a Heli, e que bastem dezoito anos para fazer sisudo a Samuel ? Oh que grande vitória da razão , contra a sem-razão do tempo ! Uma velhice enganada é a maior sem-razão do tempo : uma mocidade desenganada, é a maior vitória da razão. Que não corte os cabelos Sara depois de pentear desenganos e que os cabelos de Absalão, na idade de ouro, sintam os rigores do ferro !"
do p.A.Vieira - no sermão de S.João Baptista
-" Cum regibus, qui aedificant solitudines : Reis que edificam desertos ! Se dissera reis que edificam palácios, bem estava ; mas reis que edificam desertos ! Os desertos edificam-se ? Antes desfazendo edifícios é que se fazem desertos. Pois que reis são estes, que trocam os termos à arquitectura ? Que reis são estes que edificam desertos ? São aqueles reis (diz S.Gregório Papa) em cujos paços reais de tal maneira se contemporiza com a vaidade da Terra, que se trata principalmente da verdade do Céu : e paços onde se serve a Deus como nos ermos, não são paços, são desertos : Qui aedificant sibi solitudines. Bem dito, que edificam : porque há duas maneiras de edificar ; edificar por edifício e edificar por edificação. O edifício faz dos desertos palácios ; a edificação faz dos palácios desertos. Um paço onde se serve a Deus, é um deserto edificado. Paço onde só Deus se serve e o mundo só se contemporiza : onde a clausura compete com a das religiões ; onde as galas são dissimulações do cilício ; onde a licença do galanteio, a liberdade dos saraus, e outras mal entendidas grandezas são exercícios de espírito ; onde sair do Paço para o noviciado, mais é mudar de casa, que de vida ; este ermo cortesão não lhe chamem paço, chamem-lhe deserto : Qui aedificant solitudines. Lá disse Sócrates do imperador Teodósio II, que fora tão religioso príncipe, e tão reformador da casa real, que convertera o paço em mosteiro."
do p.A.Vieira - no sermão de S.João Baptista
-" Toda a perfeição resumida consiste, como dizem os teólogos, in prosecutione, et fuga, em seguir, e em fugir ; em seguir a virtude, e em fugir do vício. Por isso os preceitos eclesiásticos e divinos, uns são positivos, outros negativos : os positivos, que nos mandam seguir o bem ; os negativos, que nos mandam fugir ao mal."
domingo, 22 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" Por outra parte a cobiça cresce com a idade ; a sensualidade diminui : a matéria da cobiça permanece ainda depois da morte ; a da sensualidade acaba antes do vida : para emenda da sensualidade basta arrepender,
para a da cobiça é necessário arrepender e restituir , com que parece mais dificultoso o remédio deste vício, e mais certa nele a condenação : por onde os Gentios, que a cada vício sinalavam o seu deus, ao deus da cobiça puseram-no no Inferno. Assim que a verdadeira decisão desta proposta, e o conselho certo e seguro, é fugir, e guardar, e renegar de ambos estes vícios. Contudo, para responder com a distinção que entre um e outro pode haver, digo, que mais facilmente se deve esperar a conversão de uma alma perdida na sensualidade, que na cobiça ; e que se na matéria da cobiça e do alheio for ajustada com a lei de Deus, posto que na da sensualidade tenha pecados, se pode ter por grande indício de sua salvação.
para a da cobiça é necessário arrepender e restituir , com que parece mais dificultoso o remédio deste vício, e mais certa nele a condenação : por onde os Gentios, que a cada vício sinalavam o seu deus, ao deus da cobiça puseram-no no Inferno. Assim que a verdadeira decisão desta proposta, e o conselho certo e seguro, é fugir, e guardar, e renegar de ambos estes vícios. Contudo, para responder com a distinção que entre um e outro pode haver, digo, que mais facilmente se deve esperar a conversão de uma alma perdida na sensualidade, que na cobiça ; e que se na matéria da cobiça e do alheio for ajustada com a lei de Deus, posto que na da sensualidade tenha pecados, se pode ter por grande indício de sua salvação.
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" Por fim, como fiz uma advertência necessária, e sem a qual se,não pode curar o vício da sensualidade, assim quero que ouçais outra igualmente, ou mais importante ainda, para o da cobiça, e para desembaraçar a alma dos laços do alheio. A mulher do Evangelho, diz o nosso texto, que para achar a dracma perdida, varreu a casa : Accendit lucernam, et everrit domus. Todos para se salvar, ao menos na hora da morte, querem restituir, mas não querem varrer a casa. É muito para ver, ou para chorar, lá na nossa terra como morrem os poderosos : testam de quarenta, de sessenta, e de cem mil cruzados de dívida : fazem seu testamento, em que encarregam a seus herdeiros que paguem ; e deixando no mesmo tempo a casa cheia de baixelas, de jóias, de tapeçarias, e de outras peças de muito valor, além das fazendas desobrigadas, com que logo puderam pagar o que devem : feita a diligência do testamento, abraçam-se com um Cristo, e ficam os parentes e amigos muito consolados, dizendo que morreu como um S. Paulo. Esta é a frase com que se declaram e consolam, e porventura com que se animam a morrer do mesmo modo."
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" Pôs.se uma vez à mesa el-rei D.João, o III, e trazia grande fastio. Estava entre os fidalgos que o assistam, um muito conhecido por discreto ; disse-lhe el-rei : Que remédio me dais D. Fulano, para comer, que de nenhuma cousa gosto ? Coma vossa alteza do alheio, como eu faço, e verá como lhe sabe bem, Assim respondeu aquele cortesão, e rindo disse a verdade."
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
- " Tanto ganham de estimação as cousas quando se perdem, e tanto acrescentam de gosto quando se recobram. Para que entendais que não deveis menos a Santo António, quando vos depara o perdido, senão tanto, e mais ainda, que se de novo vos dera o mesmo que perdestes."
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" Pouco era se o comer do alheio tivera só o alívio do trabalho de o cavar, e suar, mas dizem que é tão gostoso e saboroso, que é noca e muito maior maravilha haver quem se abstivesse dele. Se o disseram os mesmos ladrões, eu os não crera, como apaixonados do ofício, e subornados da própria inclinação. Mas é dito e sentença do Espírito Santo : Aquae furtivae dulciores sunt, et panis absconditus suavior. A água furtada é mais doce, e o pão que se come às escondidas, mais suave. O que me admira nestas palavras se deve admirar a todos é, que para decifrar o grande sabor do alheio e do furtado, se ponha a comparação em pão e água. A água não tem sabor, e se tem sabor, não é boa água ; o sabor do pão também é tão pouco, que, se não se acompanha ou engana com outro, só a muita fome o pode fazer tolerável : enfim, sustentar-se um homem com pão e água, não é comer, é jejuar, e o mais estreito e rigoroso jejum."
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
- " É cousa tão dificultosa acomodar-se a trabalhar para viver, quem está acostumado a outra vida, que esta mesma dificuldade é a que inventou a arte e artes de furtar. Aquele feitor do pai de famílias, que refere o Evangelho, vendo-se privado da administração da fazenda de que comia, e não se acomodando a trabalhar para viver, que conselho tomou ? Falsificou as escrituras, diz o Texto, e fez-se ladrão por tal arte, que o amo lhe perdoou o furto pela indústria. Esta é a providência do Diabo, com que ele compete com Deus em sustentar o mundo. Para que não desconfieis da Providência Divina, olhai, diz Cristo, para as aves do céu : Respicit volatilia coeli. As aves não aram a terra, nem semeiam, nem colhem, e contudo, sustentam-se : o mesmo fazem por providência do Diabo estas aves de rapina. Os outros cavam, os outros trabalham, os outros suam, e o que estes recolheram na eira, ou venderam na praia, embolsam eles na estrada. O primeiro ladrão que houve no mundo foi o primeiro homem ( tão antigo costume é serem os primeiros homens os primeiros ladrões ). Condenou Deus este primeiro ladrão a que comesse o seu pão com o suor do seu rosto : In sudore vulttus tui vesceris pane tuo . Mas os ladrões que vieram depois, souberam e puderam tanto, que trocaram a sentença ; e em lugar de comerem o seu pão com o suor do seu rosto, comem o pão não seu com o suor do rosto alheio. E homens costumados a esta vida, tão sem cuidado nem trabalho, que a trocassem de comum consentimento, e se deixassem prender e roubar das palavras de Santo António ! Tomara saber o motivo com que o Santo os persuadiu, para vo-lo pregar ; mas suposto que a história o não diz, devendo andar escrito em lâmiinas de bronze, quero continuar a maravilha do caso com maior ponderação da dificuldade dele .".
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
- " Uns se perdem pelas dracmas, outros pelas damas. A cobiça cega a uns, a sensualidade cega a outros, e a cobiça e sensualidade juntamente, a quase todos. E estes são os dous feitiços que levam após si o mundo, e o trazem perdido. "
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" Dizei-me : o espadarte porque não ronca ? Porque, ordinariamente, quem tem muita espada, tem pouca língua. Isto não é regra geral ; mas é regra geral, que Deus não quer roncadores, e que tem particular cuidado de abater e humilhar aos que muito roncam."
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" Mas nem por isso vos negarei, que também cá se deixam pescar os homens pelo mesmo engano, menos honrada e mais ignorantemente. Quem pesca as vidas a todos os homens do Maranhão, e com quê ? Um homem do mar com os retalhos de pano. Vem um mestre de navio de Portugal com quatro varreduras das lojas, com quatro panos e quatro sedas, que já se lhes passou a era e não têm gasto : e que faz ? Isca com aqueles trapos aos moradores da nossa terra : dá-lhes uma sacadela e dá-lhes outra, com que cada vez lhes sobe mais o preço ; e os bonitos, ou os que o querem parecer, todos esfaimados aos trapos, e ali ficam engasgados e presos, com dívidas de um ano para outro ano, e de uma safra para outra safra, e lá vai a vida. Isto não é encarecimento. Todos a trabalhar toda a vida, ou na roça, ou na cana, ou no engenho, ou na tabacal : e este trabalho de toda a vida, quem o leva ? Não o levam os coches, nem as liteiras, nem os cavalos, nem os escudeiros, nem os pajens, nem os lacaios, nem as tapeçarias, nem as pinturas, nem as baixelas, nem as jóias ; pois em que se vai e despende toda a vida ? No triste farrapo com que saem à rua, e para isso se matam todo o ano."
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" Toma um homem do mar um anzol, ata-lhe um pedaço de pano cortado e aberto em duas ou três pontas, lança-o por um cabo delgado até tocar na água, e em o vendo o peixe, arremete cego a ele e fica preso, e boqueando até que assim suspenso no ar, ou lançado ano convés, acaba de morrer. Pode haver maior ignorância e mais rematada cegueira que esta ? Enganado por uma retalho de pano, perder a vida ? Dir-me -eis que o mesmo fazem os homens. Não vo-lo nego, Dá um exército batalha contra outro exército, metem-se os homens pelas pontas dos piques, dos chuços e das espadas, e porquê ? Porque houve quem os engodou, e lhes fez isca com dous retalhos de pano. A vaidade entre os vícios é o pescador mais astuto, e que mais facilmente engana os homens. E que faz a vaidade ? Põe por isca nas pontas desses piques, desses chuços, e dessas espadas dous retalhos de pano, ou branco que se chama hábito de Malta, ou verde , que se chama de Avis, ou vermelho, que se chama de Cristo e de Santiago ; e os homens por chegarem a passar esse retalho de pano ao peito, não reparam em tragar e engolir o ferro. E depois disso que sucede ? O mesmo que a vós. O que engoliu o ferro, ou ali, ou noutra ocasião ficou morto : e os mesmos retalhos de pano tornaram outra vez ao anzol para pescar outros. Por este exemplo vos concedo, peixes, que os homens fazem o mesmo que vós, posto que me parece, que não foi este o fundamento da vossa resposta ou escusa, porque cá no Maranhão ainda que se derrame tanto sangue, não há exércitos, nem esta ambição de hábitos."
terça-feira, 17 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
- " A diferença que há entre pão e os outros comeres, é que para a carne, há dias de carne, e para o peixe, dias de peixe, e para as frutas, diferentes meses no ano ; porém o pão é comer de todos os dias, que sempre e continuadamente se come : e isto é o que padecem os pequenos. São o pão quotidiano dos grandes : e assim como pão se come com tudo, assim com tudo, e em tudo são comidos os miseráveis pequenos, não tendo, nem fazendo ofício em que os não carreguem, em que os não multem, em que os não defraudem, em que os não comam, traguem e devorem : Qui devorant plebem meam, ut cibem panis. Parece-vos bem isto, peixes ? Representa-se-me que com o movimento das cabeças estais todos dizendo que não, e com olhardes uns para os outros, vos estais admirando e pasmando de que entre os homens haja tal injustiça e maldade ! Pois isto mesmo é o que vós fazeis. Os maiores comeis os pequenos : e os muito grandes não só os comem um por um, senão os cardumes inteiros, e isto continuadamente sem diferença de tempos, não só de dia, senão também de noite, às claras e às escuras, como também fazem os homens."
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
- " Vedes vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às praças e cruzar as ruas : vedes aquele subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação nem sossego ? Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer, e como se hão-de comer. "
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
- " Oh quão altas e incompreensíveis são as razões de Deus, e quão profundo o abismo do seus juízos ! "
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" O leme da natureza humana é o alvedrio, o piloto é a razão : mas quão poucas vezes obedecem à razão os ímpetos precipitados do alvedrio ?
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" Falando dos peixes, Aristóteles diz, que só eles, entre todos os animais se não domam nem domesticam. Dos animais terrestres o cão é tão doméstico, o cavalo tão sujeito, o boi tão serviçal, o bugio tão amigo, ou tão lisonjeiro, e até os leões e os tigres com arte e benefícios se amansam. Dos animais do ar, afora aquelas aves que se criam e vivem connosco, o papagaio nos fala, o rouxinol nos canta, o açor nos ajuda e nos recreia ; e até as grandes aves de rapina encolhendo as unhas, reconhecem a mão de quem recebem o sustento. Os peixes pelo contrário lá se vivem nos seus mares e rios, lá se mergulham nos seus pegos, lá se escondem nas suas grutas, e não há nenhum tão grande, que se fie do homem, nem tão pequeno, que não fuja dele. Os autores comummente condenam esta condição dos peixes, e a deitam à pouca docilidade, ou demasiada bruteza ; mas eu sou de mui diferente opinião. Não condeno, antes louvo muito aos peixes este seu retiro, e me parece que se não fora natureza, era grande prudência. Peixes ! Quanto mais longe dos homens tanto melhor : trato e familiaridade com eles, Deus vos livre. Se os animais da terra e do ar querem ser seus familiares, façam-no muito embora, que com suas pensões o fazem. Cante-lhes aos homens o rouxinol,mas na sua gaiola : diga-lhe ditos o papagaio, mas na sua cadeia : vá com eles à caça o açor, mas nas suas pioses : faça-lhe bufonerias o bugio, mas no seu cepo : contente-se o cão de lhes roer um osso, mas levado onde não quer pela trela : preze-se o boi de lhe chamarem formoso ou fidalgo, nas com o jugo sobre a cerviz, puxando pelo arado e pelo carro : glorie-se o cavalo de mastigar freios dourados, mas debaixo da vara e da espora : e se os tigres e os leões lhe comem a ração de carne, que não caçaram no bosque, sejam presos e encerrados com grades de ferro. E entretanto vós, peixes, longe dos homens, e fora dessas cortesanias, vivereis só convosco, sim, mas como peixe na água. De casa e das portas adentro tendes o exemplo de toda esta verdade, o qual vos quero lembrar porque há filósofos que dizem que não tendes memória."
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
_" Os brutos distinguem-se dos homens, em que os homens governam-se pelo entendimento, e os brutos pelos sentidos."
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" É verdade que o não vemos com os olhos, mas vemo-lo nos efeitos. Isso é ser invisível como espírito, e efectivo como consolador. E senão, digam-no todos em todo o tempo e lugar. Os lavradores no campo, os navegantes no mar, os soldados na guerra, os mercantes nos comércios, os pleiteantes nas demandas, os requerentes nos despachos, os presos nos cárceres, os cativos nas masmorras, os enfermos nas doenças, os agonizantes na morte, e até os mortos nas sepulturas ; porque não há lugar nem estado tão alheio de toda a esperança e remédio, a que as consolações deste paráclito universal se não estendam."
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" Para que se veja com quanta cautela, com quanta circunspecção, e com quanta vigilância havia de viver António como argos de si mesmo, e como réu de sua própria ciência, exposto aos olhos, ouvidos, e línguas, não de uma, mas de muitas comunidades, e comunidades de gente regular, cujos olhos são os mais agudos para ver, cujos ouvidos os mais despertos para ouvir, e cujas línguas as mais prontas para não perdoar ; e todos, por tudo, os mais linces, para nada se lhes esconder. Assim estudava e se desvelava a sua humildade depois de jubilado nas letras, por conseguir na opinião o grau de idiota : estudo tanto mais dificultoso à natureza e à honra, quanto é mais custoso à presunção abater as sobrancelhas, que queimar as pestanas. Mas isto se entende daquela ciência que se aprende nas escolas públicas da vaidade, e não debaixo do magistério secretíssimo da Divindade, cuja segunda Pessoa, como lhe tinha dado, para se esconder, o exemplo ; assim lhe comunicou, para ensinar, o docuerit. "
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" Tão dificultoso é aprender a ignorar, até à sabedoria, que tudo sabe !."
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" O mais alto ponto, o mais fino, e o mais difícil da sabedoria, não é o saber ; é o saber e poder encobrir o que sabe."
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" A maior maravilha e o maior milagre do nosso taumaturgo português não foi o ressuscitar mortos (como ressuscitou nove de uma só vez), nem o dominar todos os elementos, nem o ter sempre aparelhada e pronta aos acenos da sua vontade a mesma Omnipotência; mas qual foi ? Foi que tendo o peito cheio daquela extraordinária sabedoria adquirida e sobrenatural, que depois rebentou e saiu a público, ao tempo que a Providência Divina tinha determinado, com assombro e pasmo do mundo ; ele não se chamando mestre ou doutor, nem ainda discípulo, com o simples nome de Frei António, tivesse encoberto e sepultado dentro em si mesmo tudo o que sabia, em tal segredo que fosse reputado de todos por idiota ignorante."
domingo, 15 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
- " O mesmo facto está dizendo que a música há-de estar tão longe do sermão, como o púlpito do coro. Quando pregava, não cantava, e quando cantava, não pregava ; porque a língua de Santo António não era dos pregadores que contam quando pregam. Isto de pregar cantando, é um vício e abuso, que se tem introduzido nos púlpitos, frouxo, fraco, e frio, e quase morto ;sem força, sem eficácia, sem energia, sem alma ; contra toda a retórica, contra toda a razão, contra toda a arte, contra toda a natureza, e contra a mesma Graça. O pregar não é outra cousa que falar mais alto. Pregar cantando é muito bom para adormentar os ouvidos, e conciliar sono, por onde ainda os que mais cabeceiam, dormem ao tom do sermão. As vozes do pregador hão-de seu como as caixas e trombetas da guerra, que espertam, animam, e tocam à arma, como eram as de Santo António ; por isso todos o ouviam com uma atenção tão vigilante e tão viva,que nem pestanejar podiam, quanto mais dormir."
sábado, 14 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" A todos é muito doce o receber ; mas tanto que se fala em dar, grandes amarguras ! "
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
- " O maior jugo de um reino, a mais pesada carga de uma república, são os imoderados tributos. Se queremos que sejam leves, se querermos que sejam suaves, repartam-se por todos. Não há tributo mais pesado que o da morte, e contudo todos o pagam, e ninguém se queixa ; porque é tributo de todos. Se uns homens morreram, e outros não, quem levara em paciência esta rigorosa pensão da mortalidade ? Mas a mesma razão que a estende, a facilita ; e porque não há privilegiados, não há queixosos. Imitem : as resoluções políticas o governo natural do Criador : Qui solem suum oriri faciet super bonos et malos, et pluit super justos et injustus. Se amanhece o Sol, a todos aquenta ; e se chove o céu,a todos molha. Se toda a luz caíra a uma parte, e toda a tempestade a outra, quem o sofrera ? Mas não sei que injusta condição é a deste elemento grosseiro em que vivemos, que as mesmas igualdades do céu, em chegando à Terra, logo se desigualam. Chove o céu com aquela desigualdade distributiva que vemos ; mas em a água chegando à Terra, os montes ficam enxutos e os vales afogando-se : os montes escoam o peso da água de si, e toda a força do corrente desce a alagar os vales: e queira Deus que não seja teatro de recreação para os que estão olhando do alto, ver nadar as cabanas dos pastores sobre os dilúvio de suas ruínas."
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António -
-" Assim aconteceu aos bem governados vassalos do imperador Teidorico, dos quais por grande glória sua dizia ele : Sentimus auctas illationes, vos addita tribura mescitis : eu sei que há tributos, porque vejo as minhas rendas acrescentadas : vós não sabeis se os há, porque não sentis as vossas diminuídas. Razão é que por todas as vias se acuda à conservação ; mas como somos compostos de carne e sangue, obre de tal maneira o racional, que tenha sempre respeito ao sensitivo. Tão ásperos podem ser os remédios, que seja menos feia a morte, que a saúde. Que me importa a mim sarar do remédio, se hei-de morrer do tormento ?
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
- " Tais como isto devem ser os remédios com que se hão-se conservar as repúblicas. Conservativos sim, mas desabridos não. Obrar a conservação, e saborear, ou ao menos não ofender o gosto, é o primor dos remédios. Não tem bons efeitos o sal, quando aquilo que se salga fica sentido. De tal maneira se há-se conseguir a conservação, que se escusa quanto for possível o sentimento. Tirou Deus uma costa a Adão para a fabrica de Eva : mas como a tirou ? Immisit Deus saporem in Adam. diz o Texto sagrado : fez Deus adormecer a Adão, e assim dormindo lhe tirou a costa."
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" Se o sal não for efectivo ; se os meios que se tomarem para a conservação, saírem vãos e ineficazes, que remédio ? Esta é a razão de se repetiram ; e esta é a maior dificuldade destas segundas Cortes. As primeiras Cortes foram de boas vontades ; estas segundas podem ser de bons entendimentos. Nas primeiras tratou-se de remediar o Reino ; nestas trata-se de remediar os remédios. DIficultosa empresa, mas importantíssima. Quando os remédios não têm bastante eficácia para curar a enfermidade, é necessário curar os remédios, para que os remédios curem ao enfermo. Assim o fez o mesmo Cristo Deus e Senhor nosso, sem dispêndio de sua sabedoria nem erro de sua providência. Não se pode acertar tudo na primeira."
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
- " Porque importa pouco o ter tomado, se se não conservar o que se tomou. Chamar-lhes pescadores, foi encomendar-lhes a pescaria ; chamar-lhes sal, foi encarregar-lhes a conservação. Sois pescadores Apóstolos meus, porque quero que vades pescar por esse mar do mundo ; mas advirto-vos que sois também sal ; porque quero que pesqueis, não para comer, senão para conservar. Senhores meus, já fomos pescadores, ser agora sal é o que resta. Fomos pescadores astutos, fomos pescadores venturosos ; aproveitámo-nos da água envolta, lançámos as redes a tempo, e ainda que tomámos somente um peixe-rei, foi o mais formoso lanço, que se fez nunca ; não digo nas ribeiras do Tejo, mas em quantas rodeiam as praias do Oceano. Pescou Portugal o seu reino, pescou Portugal a sua coroa, advirta agora Portugal, que não a pescou para a comer, senão para a conservar. Foi pescador, seja sal. Mas isto não se discorre, supõe-se."
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" O mesmo sucede a outros ladrões, que nem eles se enforcam a si, nem a Justiça a eles. Facilmente confessam o pecado : porque roubar o alheio já não é acção tão vil e afrontosa, depois que a nobreza e dignidade dos que a usam, a tem feito quase honra. Mas tendo tantas artes e ardis para tomar o alheio na vida ; encomendam a restituição a seus herdeiros, e nenhum tem valor para a fazer por si mesmo na morte,
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
- " Para sarar pelo tacto, era necessária presença e movimento ; para sarar pelo desejo, nem era necessária presença, nem o movimento, bastava a vontade : pelo tacto, não podia sarar o tolhido, nem o ausente ; pelo desejo, o tolhido e o ausente todos podiam sarar, e todos saravam. E isto é o que fez António : Qui fecerit. "
terça-feira, 10 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
- " Não assim o generoso e fiel ânimo de António, e por isso antes de Pádua, que de Lisboa. Não teve agravos que perdoar à pátria ; porque os antecipou com fugir dela : foi porém tão reconhecido, e tão agradecido às honras que recebeu da devoção, da piedade, e da nobreza de Itália, posto que terra estranha, que não tendo outra cousa que lhe deixar (como aquele que tinha deixado tudo) por prenda de seu amor, por memorial de sua gratidão, e por fiador perpétuo de seu patrocínio, deixou nela o depósito de seus sagrados despojos ; para que também entendam todos os que amam, veneram, e servem a Santo António, de qualquer nação ou condição que sejam, que servem a tão bom pagador, que não sabe dever o que deve ; que e só é natural das suas obrigações, porque não reconhece outra pátria."
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" Advirtamos primeiro uma notável habilidade e astúcia, que usa a inveja para desluzir e escurecer as boas obras, e para lhes envenenar e destruir a mesma bondade. E qual vos parece que será esta habilidade e
astúcia ? É que nunca olha para toda a obra boa de claro em claro, assim como é em si mesma ; senão que sempre a procura tomar por um lado, e por aquela parte, ou ponta donde menos claramente se descobre a sua bondade, para ter em que morder e que arguir. Balac, rei dos Moabitas, tendo à vista os arraiais do povo de Deus, de que era capital inimigo, subornou com grandes promessas ao profeta Balaão para que os amaldiçoasse. Subiu-se o profeta a um monte, donde se descobriam todos os arraiais, e viu neles tal ordem, tal concerto, tal grandeza e majestade, que em lugar de os amaldiçoar, os abendiçoou, e disse e profetizou deles grandes maravilhas. Que faria o rei ouvindo isto ? Queixou-se muito a Balaão de que fizesse tanto pelo contrário o que entre ambos estava concertado ; e como ele se escusasse que não pudera falar contra o que vira, nem dizer mal do que lhe parecera mais que bem ; o meio que de novo lhe ofereceu e aconselhou o rei, foi este : Veni mecum in alterum locum, unde partem Israel videas, et totum videre non possis, inde maledicito ei : Vinde comigo a outro lugar donde vejais só parte de Israel, e não o possais ver todo, e daí o amaldiçoareis. De sorte, que entendeu sagazmente o rei, que aquilo mesmo que vendo-se todo e como é, não se pode amaldiçoar; visto só por algum lado, pode ser capaz de maldição. E este é o ditame e a astúcia da inveja. Olha para as cousas grandes de modo que se não vejam todas, senão alguma parte, e essa a menos luzida ; e desta sorte não há obra boa tão boa, que por mal vista não possa ser maldita."
astúcia ? É que nunca olha para toda a obra boa de claro em claro, assim como é em si mesma ; senão que sempre a procura tomar por um lado, e por aquela parte, ou ponta donde menos claramente se descobre a sua bondade, para ter em que morder e que arguir. Balac, rei dos Moabitas, tendo à vista os arraiais do povo de Deus, de que era capital inimigo, subornou com grandes promessas ao profeta Balaão para que os amaldiçoasse. Subiu-se o profeta a um monte, donde se descobriam todos os arraiais, e viu neles tal ordem, tal concerto, tal grandeza e majestade, que em lugar de os amaldiçoar, os abendiçoou, e disse e profetizou deles grandes maravilhas. Que faria o rei ouvindo isto ? Queixou-se muito a Balaão de que fizesse tanto pelo contrário o que entre ambos estava concertado ; e como ele se escusasse que não pudera falar contra o que vira, nem dizer mal do que lhe parecera mais que bem ; o meio que de novo lhe ofereceu e aconselhou o rei, foi este : Veni mecum in alterum locum, unde partem Israel videas, et totum videre non possis, inde maledicito ei : Vinde comigo a outro lugar donde vejais só parte de Israel, e não o possais ver todo, e daí o amaldiçoareis. De sorte, que entendeu sagazmente o rei, que aquilo mesmo que vendo-se todo e como é, não se pode amaldiçoar; visto só por algum lado, pode ser capaz de maldição. E este é o ditame e a astúcia da inveja. Olha para as cousas grandes de modo que se não vejam todas, senão alguma parte, e essa a menos luzida ; e desta sorte não há obra boa tão boa, que por mal vista não possa ser maldita."
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" Notai este terrível e diabólico circulo, que a inveja faz com causalidade recíproca entre a potência de ver, e o objecto visto. A vista, ou se faz por espécies, que o objecto manda à potência, ou por raios, que a potência manda ao objecto : e estas duas opiniões contrárias dos filósofos, conciliou e ajuntou a inveja para fazer guerra ao bem, que não pode ver. Pelas espécies que sem do objecto, faz que sendo o objecto bom, os olhos sejam maus ; e pelos raios que saem dos olhos, faz que sendo os olhos maus, o objecto não seja bom. De maneira que a bondade do objecto faz a maldade da potência, e a maldade da potência desfaz a vontade do objecto. Porque eu sou bom, os teus olhos são maus : e porque os teus olhos são maus , eu não hei-de ser bom."
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
- " Que foi um Afonso de Albuquerque no Oriente ? Que foi um Duarte Pacheco ? Que foi um D. Joáo de Castro ? Que foi um Nuno da Cunha, e tantos outros heróis famosos, senão uns astros e planetas lucidíssimos, que assim como alumiaram com estupendo resplendor aquele glorioso século, assim escureceram todos os passados ? Cada um era na gravidade do aspecto um Saturno no valor militar um Marte, na prudência e diligência um Mercúrio, na altiveza e magnanimidade um Júpiter, na fé, e na religião, e no zelo de a propagar e estender entre aquelas vastíssimas gentilidades, um Sol. Mas depois de voarem nas asas da fama por todo o mundo estes astros, ou indígetes da nossa nação, onde foram parar, quando chegaram a ela ? Um vereis privado com infâmia do governo, outro preso, e morto em um hospital, outro retirado e mudo em um deserto, e o melhor livrado de todos, o que se mandou sepultar nas ondas do Oceano, encomendando aos ventos levassem à sua pátria as últimas vozes, com que dela se despedia : Ingratia patria non possidebis ossa mea. "
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
- " Nenhuma terra há contudo entre todas as do mundo, que mais se oponha à luz, que a Lusitânia. Outra etimologia lhe dei eu no sermão passado, mas como há vocábulos que admitem muitas derivações, e alguns que significam por antífrase o contrário do que soam ; assim o entendo deste nome, posto que tão luzido. O mundo, dizem os gramáticos, que se chama mundo, Quia minime mundus : e a morte, Parca, Quia nemini parcit. E assim como o mundo se chama mundo, porque é imundo, e a morte se chama Parca, porque a ninguém perdoa, assim a nossa terra se pode chamar Lusitânia, porque a ninguém deixa luzir. "
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
-" Lembra-se Lisboa do seu famoso fundador Ulisses, tão amante da terra onde nascera, que sendo natural de Ítaca, o mais áspero e desconhecido lugar de toda a Grécia, antepôs a dureza de seus rochedos às delícias e grandezas mais celebradas do mundo, e depois de o ter visto e rodeado todo, o deixou todo por ela : tanto assim ( diz Homero) que prometendo a deusa Calipso a Ulisses de lhe conceder a imortalidade, só com a condição, que se deixasse ficar e viver nas terras que lhe oferecia, pôde tanto com ele o natural amor da sua, que não aceitou uma tal promessa, querendo antes (como pondera Cícero e depois dele o ponderou também S, Crisóstomo), querendo antes morrer na terra própria, que ser imortal na estranha ."
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
- " Por mares nunca dantes navegados, Deus abriu o caminho aos Portugueses, e os Portugueses o abriram às outras nações. Mareavam sem carta, porque eles haviam de fazer a carta de marear. As suas vitórias arrumaram as terras ; os seus perigos descobriram os baixos ; a sua experiência compassou as alturas ; a sua resistência examinou as correntes. Navegavam sem carta nem roteiro, por novos mares, por novos climas, com ventos novos, com céus novos, e com estrelas novas ; mas nunca perderam o tino, nem a derrota, porque Deus era o que mandava a via : Viam fecisti in mari equis tuis. Estes eram os cavalos intrépidos e generosos. E as carroças da salvação, quais eram ? Eram aquelas cidades nadantes aqueles poderosíssimos vasos da primeira navegarão do Oriente, a quem os estrangeiros com pouca diferença de carroças, chamaram carracas. E chama-lhe o profeta carroças de salvação : Quadrigae tuae salvatio, porque da quilha ao tope, isso é o que levavam."
domingo, 8 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
- " Os portugueses primeiro se chamaram Tubales (de Tubal) que quer dizer mundanos, e depois se chamaram Lusitanos : :Lusitanos, para que trouxessem no nome a luz ; mundanos para que trouxessem no nome o mundo ; porque Deus os havia de escolher para luz do mundo : Vos estis lux mundi ".
sábado, 7 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santo António
- " Levante Pádua glorioso mausoléu às sagradas relíquias de António, e veja-se esculpida nas quatro fachadas dele a obediência dos quatro elementos sujeitos a seu império. A terra com os animais prostrados, o mar com os peixes ouvintes, o ar com as tempestades suspensas, o fogo com os incêndios parados. Pendurem-se nas pirâmides, por troféus, os despojos inumeráveis de sua beneficência : as bandeiras dos vencedores, as âncoras dos naufragantes, as cadeias dos cativos, as mortalhas dos ressuscitados, e dos enfermos de todas as enfermidades, os votos. Dispa-se a fama, para fazer cortinas a este sacrário,, bordadas (como fazia a Antiguidade) de olhos, de línguas, e de orelhas. Das orelhas com que deu ouvidos a tantos surdos, dos olhos com que restituiu a vista a tantos cegos, das línguas com que desimpediu a fala a tantos mudos. E por alma de todo este corpo milagroso, veja-se (como hoje se vê) e adore-se em custódia de cristal a mesma língua de António, depois da morte, viva ; antes da ressurreição ressuscitada ; apesar da terra, incorrupta ; apesar das cinzas , inteira ; apesar da sepultura, imortal ; e apesar dos tempos, eterna. "
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão da Santo António
-" Todos os santos do Céu se dividem em seis hierarquias : patriarcas, profetas, apóstolos, confessores, virgens : e em todas estas hierarquias tem eminente lugar Santo António.
do p.A.Vieira - no sermão da Santa Cruz
- " Temos visto as três boas e necessárias qualidades que concorriam em Nicodemo para o nome que tinha de vencedor. Victor Populi : nobreza de sangue, familiaridade com Deus, docilidade no juízo. Nobreza de sangue, para o valor ; docilidade no juízo, para o conselho : e familiaridade com Deus, para o favor do Céu, sem o qual tudo o demais aproveita pouco. "
do p.A.Vieira - no sermão da Santa Cruz
- " O que desigualou o poder, pode-o suprir a arte ; o que errou a mesma arte, pode-.o emendar a fortuna ; mas o que se intentou sem conselho, ainda que o favoreça o caso, nunca é vitória. "
do p.A.Vieira - no sermão da Santa Cruz
- " O maior perigo e perdição da guerra é cuidarem os doutores desta arte, que sabem tudo. Os sábios em qualquer faculdade mais sabem ouvindo, que discorrendo, e mais acompanhados, que sós. Meliores aestimantur qui soli non omnia praesumunt : diz o grande político Cassiodoro : que sempre foram estimados por melhores, os que de si só não presumem tudo. Já se a presunção do saber se ajunta à soberania do poder, como em Nicodemo, que era mestre e príncipe ; nestes dous resvaladeiros está certo o princípio e a ruína. Para conseguir efeitos grandes, e para levar ao cabo empresas dificultosas, mais segura é uma ignorância bem aconselhada, que uma ciência presumida. A primeira vitória para alcançar outras muitas, é sujeitar o juízo próprio, quem não é sujeito ao mando alheio. Perguntado Alexandre Magno com que indústria, ou com que meios em tão breve tempo se fizera senhor do mundo, diz Estrobeu, que respondera estas palavras : Consiliis, eloquentia, et arte imperatoria: Com os conselhos, com a eloquência, e com a arte de governar exércitos. No último lugar pôs a arte, e no primeiro o conselho ; porque o conselho é a arte das artes, e a alma e inteligência do que ela ensina. A arte prescreve preceitos em comum, o conselho considera as circunstâncias particulares : a arte ensina o que se há-de fazer, o conselho delibera quando, como e por quem."
do p.A.Vieira - no sermão da Santa Cruz
- " Mas responde por ele S. Ambrósio: Fugit David a facie Absalom : Foge de Absalão David, aquele que por nome e por antonomásia era o valente : David, idest, manu fortis: e porquê ? Quia peccatum illum imbellem fecit : Porque o seu pecado, de valente o fez fraco, de animoso o fez covarde, de guerreiro e belicoso o fez imbele. Olhou para uma mulher que não era sua, e este só olhar lhe deu olhado à valentia ; e este quebranto lhe quebrantou o valor e o ânimo. Deixou-se vencer do seu apetite, por isso não pôde resistir a um tão desigual inimigo : deixou de temer a Deus, por isso temeu a quem não chegava a ser homem. "
do p.A.Vieira - no sermão da Santa Cruz
- " Não quero dizer com isto que seja necessário descender dor Godos para ser valente, que isso será contradizer a razão, e negar a experiência,. A espada que faz a guerra, e dá as vitórias, não é fabricada do ouro, senão do ferro ; não do metal mais resplandecente e ilustre, senão do mais duro e forte. Para ser tão caloroso como Alexandre, não é necessário ser filho de Filipe da Macedónia. O testamento, ou morgado de Marte não exclui a rudeza dos nomes, nem a vulgaridade dos apelidos. Basta ser Gonçalo e ser Fernandes, para ser grão capitão. Honrada cousa é que a valentia venha por herança, e por continuação de muitas idades, mas talvez pode vir de tão longe, que chegue já mui cansada. Quantos do arado subiram ao triunfo, e do triunfo tornaram outra vez laureados ao arado ? As lentilhas deram a Roma os Lêntulos , e as favas os Fávios. O campo para eles era campanha, e a agricultura, diz Plínio, arte e exercício militar ; porque na ordem com que dispunham as plantas, aprendiam a ordenar e a governar os exércitos : Sive illi cadem cura semina tractabant, qua bella: cademque diligentia arva disponebant, qua castra. Pastor tinha sido o terror dos mesmos Romanos, o nosso poruguês Viriato, e tanto que trocou o cajado com o bastão, dos seus soldados soube fazer leões, e dos inimigos ovelhas. Assim que, não são totalmente necessários os altos nascimentos para ter valorosos procedimentos. "
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão da Santa Cruz
- " Tanto aproveita o sangue para os animosos procedimentos, que não está o valor nos braços, está nas veias. "
do p.A.Vieira - no sermão da Santa Cruz
- " Bem fora que pudera mais com os homens a memória, que a esperança ; mas que melhor razão de não ser assim, que ter dito que bem fora ? É uma fidalguia de corações que se acha em muito raros ; e quem prega, há-de falar para todos. "
terça-feira, 3 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de S. José
- " E se não, pergunto : qual foi a razão, porque ordenou Deus que o libertador que havia de ser de Portugal, se conhecesse tantos amos antes no mundo, não pelo nome de libertador, senão pelos nome de encoberto ? A razão foi ; porque maior milagre da Providência era conservá-lo encoberto, que fazê-lo libertador. Fazê-lo libertador, foi deliberarem-se os homens a uma cousa muito útil ; conservá-lo encoberto, foi cegarem-se os homens a uma cousa muito manifesta : e maior milagre é encobrir evidências ao entendimento, que persuadir conveniências à vontade. O que todos ponderam, o que todos admiram, o de que todos fazem maior caso é, que se unissem, e concordassem as vontades de todo um reino, para fazer o que fizeram. Muito foi ; mas bem considerado, não foi muito ; porque, que muito que as vontades dos homens se persuadissem a uma cousa tão útil, e tão honrosa, como ter reino, ter rei, ter liberdade, viver sem cativeiro e sem opressão ? Porém que o autor felicíssimo de todo este bem nascesse e vivesse entre nós tão retratado pelos oráculos divinos, e ainda nomeado pelo próprio nome, e o tivesse Deus encoberto, sem que o amor,nem a emulação, que são os dous afectos mais linces, o descobrissem ! Que o vissem os olhos, e que guardasse segredo o entendimento ! Que suspirassem os desejos, e que não bastassem as maiores advertências ! Dissimulado a evidências, e encoberto a olhos vistos ! Este é o maior milagre, esta a maior maravilha, mas agora exercitada, e muitos séculos antes já ensaiada : por quem ? Pelo autor da mesma protecção, S. José."
do p.A.Vieira - no sermão do gloriosíssimo Patriarca S. José
- " Brasonai agora lá das vossas ascendências, que a melhor cousa que podem ter, é não se saber donde começaram. E tudo isto o ordenou assim a Providência Divina, para quê ? Para abater e confundir a soberba humana. David do cajado subiu ao ceptro, e é mais fácil o descer, que o subir. E quantos governaram reinos e monarquias, cujos descendentes estão hoje vivendo ou do remo no mar, ou do arado na terra ? Ninguém se estime a si, nem despreze a outro pelo que pode dar ou tirar a fortuna.."
do p.A.Vieira - no sermão do gloriosíssimo Patriarca S. José
- " Como o filho de Deus se tinha feito homem, era conveniente que em tudo se fizesse semelhante aos outros homens, aos quais tinha o mesmo Deus condenado em Adão a comer o seu pão com o suar do seu rosto. Este é o sustento e modo de os homens se sustentarem, o mais decente, o mais natural, o mais inocente, e o mais justo. Os reis sustentam-se dos tributos dos vassalos; mas quantas injustiças vão envoltas nesses tributos? Os grandes sustentam-se dos seus morgados, mas quantos, como o de Jacob, por astúcias e enganos foram roubados a Esaú ? Outros se sustentam pela armas nas guerras, outros pelas letras nos tribunais, outros pelos governos nas províncias remotas, e sendo tanto o pão que ali se recolhe, e que talvez não chega a se comer, qual é o que não seja amassado com as lágrimas e sangue dos inocentes ?"
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - sermão da Mãe de Deus
-" Esta diferença faz o sono dos príncipes ao dos outros homens - que os reis cuidam dormindo, e dormem cuidando. O sono dos reis é um sono desvelado, é um dormir cuidadoso, um descansar inquieto, um desatender advertido, um descuidar-se vigiando. Nos outros homens o sono é prisão dos sentidos ; nos reis é dissimulação somente. Por isso ao leão lhe deram o império dos animais, porque dorme com os olhos abetos. Nenhum rei fechou os olhos, que lhe não fizesse sentinela o coração : Ego dormio, et cor meum vigilat, dizia o rei mais sábio. "
do p.A.Vieira - no sermão de S.Pedro Nolasco
- " Um exército pode.se refazer ; mas um segredo roto não se pode remediar. Um exército roto pode-se refazer com soldados ; um segredo roto não se pode soldar com exércitos. Qualquer grande poder sem segredo é fraqueza : e a mesma fraqueza com grande segredo é grande poder. Enquanto Sansão encobriu o segredo dos seus cabelos, destruiu exércitos inteiros ; como descobriu o segredo a Dalila, cortaram-lhe os cabelos os Filisteus, e puderam atar aquelas valentes mão de quem tantas vezes foram vencidos. Oh que grande exemplo do poder do segredo ! De maneira que sete cabelos, com segredo, faziam tremer exércitos armados ; e esse mesmo poder que fazia tremer exércitos armados, sem segredo, bastou um golpe de uma tesoura para o desbaratar. "
do p.A.Vieira - no sermão de S.Pedro Nolasco
- " Porque não há mais próprio sinal de se acabar um império, uma monarquia, que romperem-se as cortinas dos seus mistérios, e rasgarem-se os véus de seus segredos. Os reinos e as monarquias sustentam-se mais do misterioso, que do verdadeiro : e se se manifestam seus mistérios, mal os defendem as suas verdades,. A opinião é a vida dos impérios ; o segredo é a alma da opinião. A prevenção sabida ameaça a uma só parte ; secreta ameaça a todas. Os intentos ignorados suspendem a atenção do inimigo ; manifestos, são a guia mais segura de seus acertos. Reino cujas resoluções primeiro forem públicas, que executadas, oh que perigosa conjectura tem de sua conservação ! "
do p.A.Vieira - no sermão de S.Pedro Nolasco
- " ...A filosofia moral e política pede um conhecimento antes, e outro depois : um conhecimento antes, que guie a vontade a tomar a resolução ; e outro conhecimento depois, que examine a resolução depois de tomada."
do p.A.Vieira - no sermão de S.Pedro Nolasco
- " O maior bem desta vida, é a liberdade, e o maior bem da outra, é a salvação."
do p.A.Vieira - no sermão de S.Pedro Nolasco
- " Quem dá o que tem, dá a fazenda : quem pede para dar, dá o sangue ; e o sangue mais honrado e mais sensitivo, que é o que sai às faces. Quem dá o que tem, pode dar o que vale pouco ; mas quem dá o que pede, não pode dar senão o que custa muito ; porque nenhuma cousa custa tanto como o pedir. A palavra mais dura de pronunciar, e que para sair da boca uma vez se engole, e afoga muitas, é, Peço ."
do p.A.Vieira - no sermão de S.Pedro Nolasco
_ " Tanto maior dificuldade é a do pedir, que a do deixar : tanto menor fineza é a do deixar, que a do pedir. Deixar é grandeza, pedir é sujeição : deixar é desprezar, pedir é fazer-se desprezado : deixar é abrir as mãos próprias, pedir é beijar as alheias : deixar é comprar-se, porque quem deixa, livra-se ; pedir é vender-se, porque quem pede cativa-se : deixar finalmente é acção de quem tem : pedir é acção de quem não tem : e tanto vai de pedir a deixar, quanto vai de não ter a ter. "
do p.A.Vieira - no sermão de S. Sebastião
- " Se lançarmos com advertência os olhos por todo o mundo cristão, acharemos nele quatro diferenças de homens, em que este deixar, e seguir do Evangelho está variamente complicado. Há uns, que nem deixam, nem seguem : há outros, que deixam, mas não seguem : outros que seguem, mas não deixam : outros que deixam, e juntamente seguem. Não deixar, nem seguir, é miséria : deixar, e não seguir, é fraqueza : seguir, e não deixar, é desengano : deixar, e seguir, é perfeição. Em nenhum destes quatro predicamentos entram os homens do mundo, ainda que sejam cristãos ; porque nenhum dele professa deixar, e seguir. A sua profissão é obedecer aos preceitos, mas não seguir os conselhos de Cristo. Os que somente professam deixar, e seguir, somo todos os que temos nome de religiosos. E para que cada um conheça em que predicamento destes está, e a qual pertence, se ao da miséria, se ao da fraqueza, se ao do desengano, se ao da perfeição ; será bem que declaremos estes nomes, e que definamos estas diferenças ; e que saibamos, quem são estes miseráveis, quem são estes fracos, quem são estes desenganados, e quem são estes perfeitos, e santos. "
do p.A.Vieira- no sermão de S. Sebastião
- " Oh que grande cristão por dentro, oh que grande político por fora ! Sebastião visto por fora, e entendido por dentro : uma cousa era o que era, e outra cousa era o que parecia : parecia um cortesão do palácio da Terra, e era um peregrino da corte do Céu : parecia um capitão que militava debaixo das águias romanas ; e era um soldado que servia debaixo da bandeira da cruz : parecia uma grande privado de Diocleciano, e era o maior confidente de Cristo. Sua fortuna, seu hábito e traje, seu nome, tudo era suposto : o nome era ironia. Debaixo do nome de Sebastião (que significava Augusto) encobria o príncipe a quem servia : debaixo das armas e do bastão encobria a milícia que professava : debaixo da privança e graça do imperador encobria a graça de Cristo, de que só vivia. Toda a sua vida era uma dissimulação da vista, toda era um enigma da opinião, e toda era uma metáfora do que não era : porque parecendo que toda se empregava em dar a César o que era de César, só dava a Deus o que era de Deus. Assim servia Sebastião encoberto a Cristo, porque entendia (e cuidava bem), que o servia mais encoberto, que declarado. "
domingo, 1 de agosto de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de S. Gonçalo
- " Entre os olhos dos néscios e os olhos dos sábios há grande diferença : os olhos dos néscios, como param na superfície, vêem só as aparências : os olhos dos sábios, como penetram o interior das cousas, vêem as realidades. E como naqueles que morrem por Deus está encoberta a realidade da vida debaixo da aparência da morte, por isso os néscios, que só vêem as aparências, presumem neles a morte : Visi sunt oculis insipientium mori. E os sábios, que penetram as realidades, reconhecem neles sempre a vida : Estais mortos (diz S. Paulo), mas a vossa vida está escondida em Cristo, com Deus. Glorioso Apóstolo, explicai os termos desta postila, que parecem implicados."
.p. A. Vieira - do sermão de S. Gonçalo
- " Oh quão admiráveis são os juízos e traças de Deus em homens fatais, que ele escolheu para cousas grandes ! "
do p.A.Vieira - do sermão de São Gonçalo
- " Ide, ide a Amarante, visitai no sagrado mausoléu de S. Gonçalo as memórias imortais de sua vida póstuma, e vereis o que me ouvis. Vereis, ou pintadas, ou de vulto, como troféus das suas obras divinamente humanas, as muletas doas mancos, os braços dos aleijados, os olhos dos cegos, as orelhas dos surdos, as línguas dos mudos, as mortalhas dos mortos, ou moribundos : e porque os males interiores e invisíveis são os que mais atormentam e matam, também vereis os corações dos tristes, dos aflitos, dos perseguidos, dos desesperados, que só na invocação do nome de S. Gonçalo acharam a consolação, o alívio, a respiração, o remédio. "
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