terça-feira, 10 de agosto de 2010

do p.A.Vieira - no sermão de Santo António

      -" Advirtamos primeiro uma notável habilidade e astúcia, que usa a inveja para desluzir e escurecer as boas obras, e para lhes envenenar e destruir a mesma bondade. E qual vos parece que será esta habilidade e
astúcia ?  É que nunca olha para toda a obra boa de claro em claro, assim como é em si mesma ; senão que sempre a procura tomar por um lado, e por aquela parte, ou ponta donde menos claramente se descobre a sua bondade, para ter em que morder e que arguir. Balac, rei dos Moabitas, tendo à vista os arraiais do povo de Deus, de que era capital inimigo, subornou com grandes promessas ao profeta Balaão para que os amaldiçoasse. Subiu-se o profeta a um monte, donde se descobriam todos os arraiais, e viu neles tal ordem, tal concerto, tal grandeza e majestade, que em lugar de os amaldiçoar, os abendiçoou, e disse e profetizou deles grandes maravilhas. Que faria o rei ouvindo isto ? Queixou-se muito a Balaão de que fizesse tanto pelo contrário o que entre ambos estava concertado ; e como ele se escusasse que não pudera falar contra o que vira, nem dizer mal do que lhe parecera mais que bem ; o meio que de novo lhe ofereceu e aconselhou o rei, foi este : Veni mecum in alterum locum, unde partem Israel videas, et totum videre non possis, inde maledicito ei : Vinde comigo a outro lugar donde vejais só parte de Israel, e não o possais ver todo, e daí o amaldiçoareis. De sorte, que entendeu sagazmente o rei, que aquilo mesmo que vendo-se todo e como é, não se pode amaldiçoar; visto só por algum lado, pode ser capaz de maldição. E este é o ditame e a astúcia da inveja. Olha para as cousas grandes de modo que se não vejam todas, senão alguma parte, e essa a menos luzida ; e desta sorte não há obra boa tão boa, que por mal vista não possa ser maldita."

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