quinta-feira, 19 de agosto de 2010

do p.A.Vieira - no sermão de Santo António

          -" Mas nem por isso vos negarei, que também cá se deixam pescar os homens pelo mesmo engano, menos honrada e mais ignorantemente. Quem pesca as vidas a todos os homens do Maranhão, e com quê ? Um homem do mar com os retalhos de pano. Vem um mestre de navio de Portugal com quatro varreduras das lojas, com quatro panos e quatro sedas, que já se lhes passou a era e não têm gasto : e que faz ? Isca com aqueles trapos aos moradores da nossa terra : dá-lhes uma sacadela e dá-lhes outra, com que cada vez lhes sobe mais o preço ; e os bonitos, ou os que o querem parecer, todos esfaimados aos trapos, e ali ficam engasgados e presos, com dívidas de um ano para outro ano, e de uma safra para outra safra, e lá vai a vida. Isto não é encarecimento. Todos a trabalhar toda a vida, ou na roça, ou na cana, ou no engenho, ou na tabacal : e este trabalho de toda a vida, quem o leva ? Não o levam os coches, nem as liteiras, nem os cavalos, nem os escudeiros, nem os pajens, nem os lacaios, nem as tapeçarias, nem as pinturas, nem as baixelas, nem as jóias ; pois em que se vai e despende toda a vida ? No triste farrapo com que saem à rua, e para isso se matam todo o ano."

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