_" Era Filipe, pai , e Alexandre filho, e tão fora estava o pai de sentir que lhe antepusessem o filho, que antes o tinha por lisonja e glória, e esse era o seu maior gosto: Ut etiam gauderet. Quando lhe tiravam a coroa para a darem a seu filho, então se tinha Filipe por mais coroado: quando já faziam a Alexandre herdeiro do reino, antes de lhe esperarem pela morte, então se tinha por imortal: quando o apelidavam com menor nome, então se tinha por maior. E quando lhe diziam que ele só era capitão, então aceitava esta gloriosa injúria, como os vivas e aplusos da mais ilustre vitória; porque a maior glória de um pai é ser vencido de seu filho: Et vinci gaudet ab illo.
A razão , e filosofia natural deste afecto é, porque ao maior desejo, quando se consegue, segue-se naturalmente o maior gosto: e o maior desejo que têm e devem ter os pais, é serem tais seus filhos que não só os igualem, mas os vençam e excedam a eles. Assim o disse ou cantou ao imperador Teodósio, Claudiano, tão insigne na filosofia, como na poética. Descreve copiosamente as virtudes imperiais, militares e políticas com que seu filho Honório se adiantava admiravelmente aos anos, e não só igualava, mas excedia a seu pai; e fazendo uma apóstrofe a Teodósio, lhe diz confiadamente assim: Aspice nunc quacumque micas, seu circulus Austri, Magne Parens, gelidi seu te meruere Triones, aspice, completur votum, jam natus adaequat te meritis, et quod magis est optabile, vincit. De lá, onde como estrela de Marte ilustrais o mundo com vossas vitórias, ou seja no círculo do astro, ou no frio setentrião, olhai, felicíssimo César, para Honório, vosso filho, e se como imperador tendes conseguido o nome de Grande, chamando-vos a voz pública Teodósio o Magno, a minha (diz Claudiano) não vos invoca com o nome de grande imperador, senão com o de grande pai: Magne parens: e o que celebro mais entre todas as glórias de vossa felicidade, e o que tenho por mais digno do emprego de vossa vista, é que vejais e torneis a ver: Aspice, aspice; que chegaste a ter um filho, o qual nãeo só vos iguala, que é o que desejam os pais, mas que já vos excede, e vence, que é o que mais devem desejar: Et quod magis esta aptabile, vincit. Notai muito as palavras: Quod magis est aptabile; e aplicai-as ao nosso caso. O que mais se deve desejar é o melhor que se pode escolher; e como o que mais devem desejar os pais é que os filhos vençam, e os excedam, bem se conclui, que se entre a Glória de Deus, e a de sua Mãe, fora a escolha da mesma Mãe, o que a Senhora havia de escolher para Si, é que seu Filho A excedesse e vencesse na mesma Glória, como verdadeiramenta A excede e vence: Et quod magis est optabile, vincit. Vence Deus incomparavelmente a sua Mãe na glória infinita que goza, mas como este mesmo excesso é o mais que Maria podia desejar, e o melhor que devia escolher como Mãe, por isso se diz com razão, que Maria escolheu hoje a melhor parte: Maria optimum parte elegit.
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Nossa Senhora do Carmo
-"Isto que disse Séneca, falando dos benefícios, corre igualmente, e muito mais em todas as outras acções ou grandezas, em que os pais se vêem vencidos dos filhos. Ouçamos a outro filósofo, que melhor ainda que Séneca, conheceu os afectos naturais, e não só em mais harmonioso estilo, mas com mais profunda especulação que todos, penetrou a anatomia do coração humano. Faz paralelo Ovídio entre os dous primeiros Césares, Júlio e Augusto aquele pai, e este filho; e depois de assentar que a maior obra de Júlio César foi ter um tal filho como Augusto: Nec enim de Caesaris actis ullum maius opus, quam quod pater extitit hujus. Supõe com a comum opinião de Roma, que um cometa que na morte de Júlio César apareceu, era a alma do mesmo Júlio colocada entre os deuses como um deles. E no meio daquela imaginada bem-aventurança, qual vos parece que seria a maior glória de um homem que nesta vida tinha logrado todas as que pode dar o mundo? Diz o mesmo Ovídio (tão falso na suposição como poeta, mas tão certo no discurso como filósofo) que o que fazia lá de cima Júlio César era olhar para o seu filho Augusto, e que considerando as grandezas do mesmo filho, e reconhecendo e confessando, que eram maiores que as suas, o seu maior gosto e a sua maior glória era ver-se vencido dele: Natique videns benefacta, fatetur esse suis maiora, et vinci gaudet ab illo."
do p.A.Vieira - no sermão de Nossa Senhora do Carmo
-" ...resolve o mesmo Séneca, que bem pode um filho vencer no maior benefício a seu pai, e o prova com o exemplo de Eneias, o qual por meio das lanças dos gregos, e do incêndio e labaredas de Troia, levando sobre seus ombros ao velho Anquises, deu mais hroicamente a vida a seu pai do que dele a recebera. À vista deste famoso espectáculo de valor e de piedade, não há dúvida que venceu o filho ao pai; mas qual foi então mais glorioso, o filho vencedor ou o pai vencido? A este exemplo ajunta o mesmo filósofo o de Antígono, e de outros que deram a seus pais mais ainda que o ser e a vida, que lhes deviam, e conclui assim : Felices qui vicerint, felices qui vincentur: quid autem est felicius quam sic cedere? Quando os filhos vencem aos pais, e se ostentam maiores que eles, felizes são os que vencen, e felizes os vencidos; mas muito mais fellizes os pais vencidos que os filhos vencedores, porque não pode haver maior gosto, nem maior glória para um pai, que ver-se vencido de seu filho. Grande glória é do filho que vença ao pai, que lhe deu o ser; mas muito maior glória é do mesmo pai, ver que deu o ser a um tal filho que o vença a ele. "
do p.A.Vieira - no sermão de Nossa Senhora do Carmo
-" A filiação adoptiva, como se funda, não em caso, ou fortuna da natureza, senão em eleição do juizo e da vontade, necessariamente supõe merecimento; e quando o juizo é mais sublime, e a vontade mais recta, tanto maior merecimento supõe."
do p.A.Vieira - no sermão de Nossa Senhora do Carmo
-" Pergunto: Qual é maior prerrogativa, e maior excelência, ser filho natural, ou filho adoptivo? A adopção é suplemento da natureza; logo parece que maior cousa e mais excelente é ser filho por natureza, que por adopção. Contudo, absoluta e precisamente falando, digo, que alguma cousa tem de maior prerrogativa ser filho adoptivo, que filho natural. No filho natural funda-se a preferência na filiação; no adoptivo, funda-se a filiação na preferência. O filho natural ama-se, porque é filho; o filho adoptivo é filho, porque se ama. Ser natural, é fortuna; ser adoptivo, é merecimento. A razão de toda esta diferença, é porque os filhos naturais são partos da natureza : os adoptivos são filhos da eleição. Nos primeiros não tem parte a vontade nem o juizo: nos segundos tudo é juilzo, e tudo vontade. Assim o notou advertidamente Santo Ambrósio na Epístola ad Finisium . Aut natura filios suscipimus, aut electione; in natura, casus est: in elestione, judicium. Os filhos ou são por natureza ou por eleição: se por natureza é caso; se por eleição, é juizo. Quanto vai da sorte à escolha, tanto vai de uns filhos a outros. Se os pais escolhessem os filhos, muitos haviam de trocar os seus pelos alheios, e talvez antes não quereriam ter filhos, que tais filhos. Parece-vos que escolheria Adão a Caim, Noé a Cão, Isaac a Ismael, Jacob a Ruben, David a Absalão ? Claro está que não.l Mas contenta-se cada um com aqueles filhos que lhe couberam em sorte; porque nesta parte também os filhos entram em conta de bens de fortuna. Nos filhos adptivos, é pelo contrário; porque como o escolher este ou aquele, depende da nossa eleição, da nossa vontade, do nosso juizo; muito errado será o juizo e a vontade de quem não escolher o melhor de todos, o mais excelente, e o mais digno: Non est dignus adptari, nisi qui fortissimus meretur agnosci, disse Cassiodoro. E a razão que logo dá, é a mesma diferença que dizíamos: In sobole frequenter fallimur, ignavi autem esse nesciunt, quos judicia pepererunt. Nos filhos naturais não se satisfaz muitas vezes o desejo, porque ainda que são partos da natureza, dá-os a fortuna: nos adoptivos sempre o acerto e a satisfação é segura; porque são filhos da eleição, e partos do juizo: Quos judicia pepererunt."
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão da visitação de Nossa Senhora
-"Tendo os soldados de Júlio César sitiada a cidade de Dirráquio, chegaram a comer não sei que pão feito de ervas, mas pão enfim; o qual como o visse Pompeio, que era o capitão sitiado, primeiramente disse que ele pelejava com feras e não com homens; e logo mandou que aquele pão não aparecesse, porque se o vissem seus soldados, sem dúvida desmaiariam, e não se atreveriam a resistir a gente de tanta constância e pertinácia. Ne visa patientia, et pertinacia hostis, animi suorum frangerentur, diz Suetónio. Bem digo eu logo, holandeses, se vedes o pão com que se sustentam nossos soldados, de cujo veneno morreram um uma noite mais de vinte, se vedes esta paciência, esta constância, esta pertinácia, como vos atreveis a pelejar com tal gente, com se vos não quebram os ânimos, como não desistis da empresa? Mas agora o fareis, agora o veremos com o favor divino, que já é chegado o tempo."
do p.A.Vieira - no sermão da visitação de Nossa Senhora
-"Não é miserável a república onde há delitos, senão onde falta o castigo deles, que os reinos e os impérios não os arruinam os pecados por cometidos, senão por dissimulados. Dissimular com os maus, é mandar-lhe que o sejam, disse Séneca, e mais era gentio : Qui non vetat peccare, cum possit, jubet. A conquistar dilatadíssimas províncias caminhava Moisés, general dos israelitas, e não duvidou degolar de uma vez vinte e quatro mil homens, como se lê na Escritura, porque entendia, como experimentado capitão, que mais lhe importava no seu exército a observância da justiça, que o número dos soldados. Quem pelejou nunca no mundo com número mais desigual que Judas Macabeu? E contudo nem os exércitos de Apolónio, nem os ardis de Séron, nem os elefantes de Antíoco o puderam jamais vencer, antes ele saíu sempre carregado de depojos e de vitórias: porquê? Porque primeiro tirava a espada contra os seus, e depois contra os inimigos. Pelejava com poucos soldados e mais vencia, porque poucos com justiça é grande exército."
do p.A.Vieira - no sermão da visitação de Nossa Senhora
- " Como disse Aristóteles, as leis não são boas porque bem se mandam, semão porque bem se guardam. Que importa que fossem justos os bandos, se não se guardavam mais, que se se mandara o que se proibia? Que importa que fossem acertadas as ordens, se nunca foi castigado quem as quebrou, e pode ser que nem repreendido?"
do p.A.Vieira - no sermão da visitação de Nossa Senhora
-" Sem justiça não há reino, nem província, nem cidade, nem ainda companhia de ladrões que possa conservar-se. Assim o prova S.to Agostinho com autoridade de Cipião Africano, e o ensinam conformemente Túlio, Aristóteles, Platrão e todos os que escreveram de república. Enquanto os romanos guardaram igualdade, ainda que neles não era verdadeira virtude, floresceu seu império, e foram senhores do mundo; porém tanto que a inteireza da justiça se foi corrompendo pouco a pouco, ao mesmo passo enfraqueceram as forças, desmaiaram os brios, e vieram a pagar tributo os que o receberam de todas as gentes. Isto estão clamando todos os reinos com suas mudanças, todos os impérios com suas ruinas, o dos persas, o dos gregos, o dos assírios."
do p.A.Vieira - no sermão da visitação de Nossa Senhora
." Que maior alegria para um enfermo aflito, que luz e saúde? A nenhum lhe importa mais uma e outra, que no Brasil, porque não sei qual o tem posto sempre em maior perigo, se a enfermidade, se as trevas. As trevas cederam ao sol, e enfermidade obedecerá à saúde, e como todo este bem nos vem com asas, certa será a melhoria. Curará a diligência o que danou a remissão, e recuperará a pressa o que os vagares perderam."
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão do nascimento da virgem Maria
-" Muitos dos que nós chamamos bens de Deus, sem luz são verdadeiramente males; e muitos dos que nós chamamos males, com luz são verdadeiros bens. Os favores sem luz são castigos, e os castigos com luz são favores; as felicidades sem luz são desgraças, e as desgraças com luz são felicidades: as riquezas sem luz são pobreza, e as pobrezas com luz são as maiores riquezas; a saúde sem luz é doença, e a doença com luz é saúde. Enfim, na luz ou falta de luz, consiste todo o bem ou mal desta vida, e todo o da outra. Porque cuidais que foram santos os santos, senão porque tiveram a luz, que a nós nos falta? Eles deprezaram o que nós estimamos, eles fugiram do que nós buscamos, eles meteram debaixo dos pés o que nós trazemos sobre a cabeça, porque viam as cousas com diferente luz do que nós as vemos. Por isso David em todos os salmos, por isso os profetas em todas suas orações, e a Igreja nas suas, não cessam de pedir a Deus luz e mais luz."
domingo, 19 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão do nascimento da virgem Maria
-" Porque estimam os homens o ouro e a prata mais que os outros metais? Porque têm alguma cousa de luz. Porque estimam os diamantes e as pedras preciosas mais que as outras pedras? Porque têm alguma cousa de luz. Porque estimam mais as sedas que as lãs? Porque têm alguma cousa de luz. Pela luz avaliam os homens a estimação das cousas, e avaliam bem, porque quanto mais têm de luz, mais têm de perfeição. Vede o que notou S. Tomás. Neste mundo visível umas cousas são imperfeitas, outras perfeitas, outras perfeitíssimas; e nota ele com sutileza e advertência angélica, que as perfeitíssimas têm luz e dão luz; as perfeitas não têm luz mas recebem luz; as imperfeitas, nem têm luz, nem a recebem. Os planetas, as estrelas e o elemento do fogo , que são criaturas sublimes e perfeitíssima, têm luz, e dão luz; a Terra e todos os corpos terrestres,que são criaturas imperfeitas e grosseiras, nem têm luz, nem recebem luz, antes a rebatem e deitam de si. Ora não sejamos terrestres, já que Deus nos deu uma alma celestial: recebamos a luz, amemos a luz, busquemos a luz, e conheçamos que nem temos, nem podemos, nem Deus nos pode dar bem nenhum que seja verdadeiro bem, sem luz."
do p.A.Vieira - no sermão do nascimento da virgem Maria
"Quereis ver a diferença da luz ao Sol? Olhai para o mesmo Sol, e para a mesma luz de quem ele nasce, a aurora. A aurora é o riso do céu, a alegria dos campos, a respiração das flores, a harmonia das aves,a vida e alento do mundo. Começa a sair e acrescer o Sol, eis o gesto agradável do mundo, e a composição da mesma natureza toda mudada. O céu acende-se, os campos secam-se, as flores murcham-se, as aves emudcem, os animais buscam as covas, os homens as sombras. E se Deus não cortara a carreira ao Sol, com a interposição da noite, fervera e abrasara-se a Terra, arderam as plantas, secaram-se os rios, sumiram-se as fontes, e foram verdadeiros e não fabulosos, os incêndios de Fácton. A razão natural desta diferença é porque o Sol (como dizem os filósofos) ou verdadeiramente é fogo, ou de natureza mui semelhante ao fogo, elemento terrível, bravo, indómito, abrasador, executivo, e consumidor de tudo. Pelo contrário a luz em sua pureza, é uma qualidade branda, suave, amiga, enfim, criada para companheira e instrumento da vista, sem ofensa dos olhos, que são em toda a organização do corpo humano a parte mais humana, mais delicada, e mais mimosa. Filósofos houve, que pela sutileza e facilidade da luz, chegaram a cuidar que era espírito e não corpo. Mas porque a filosofia humana ainda não tem alcançado perfeitamente a diferença da luz ao Sol, valhamo-nos da ciência dos anjos."
do p.A.Vieira - no sermão do nascimento da virgem Maria
-" ...saibam os curiosos, que não é novidade nova, senão mui antiga, e uma das mais bem retratadas verdades que o Criador do mundo nos pintou no princípio dele. No primeiro dia do mundo criou Deus a luz, no quarto dia criou o Sol. Sobre estes dous dias e estas duas criações há grande batalha entre os doutores, porque se o Sol é a fonte da luz, que luz é esta que foi criada antes do Sol? Ou é a mesma luz do Sol, ou é outra luz diferente? Se é a mesma porque não foi criada no mesmo dia? E se é diferente , que luz é , ou que luz pode haver diferente da luz do Sol? Ou é a mesma luz do Sol, ou é outra luz diferente? Se é a mesma, porque não foi criadano mesmo dia? E se é diferente, que luz é, ou que luz pode haver diferente daluz do Sol? S.Tomás, e com ele o sentir mais comum dos teólogos, resolve que a luz que Deus criou no primeiro dia foi a mesma luz de que formou o Sol ao dia quarto. De modo que em ambos estes dias, e em ambas estas criações foi criado o Sol. No primeiro dia foi criado o Sol informe, no quarto dia foi criado o Sol formado. São os termos de que usa S.Tomás. No primeiro dia foi criado o Sol informe, porque foi criado em forma de luz; no quarto dia foi criado o Sol formado, porque foi criado em forma de Sol. Em conclusão, que entre todas as criaturas só o Sol teve dous dias de nascimento, o primeiro dia e o quarto dia. O quarto dia em que nasceu em si mesmo, e o primeiro em que nasceu na sua luz. O quarto dia em que nasceu Sol formado, e o primeiro em que nasceu na luz de que se formou."
sábado, 18 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão do nascimento da mãe de Deus
-" Nesta vida muitos há que lhe não pesa de ter nascido, e por fundamentos tão leves, que não é muito que lhe não pese, nem pese. Outros lançam maldições ao dia e hora em que nasceram, e também com pouca razão, porque olham para o que padecem, e não para o Fim."
do p.A.Vieira - no sermão do nascimento da mãe de Deus
-" Septimus dies mundi natalis est. Pois se o mundo por maior nasceu no primeiro dia, e por partes nos seguintes, porque razão se não faz a festa do natal e nascimento do mundo ao primeiro dia em que foi criado, senão ao dia sétimo? Faz dias o mundo, como se fizera anos, em um dia; e a festa do seu nascimento não se lhe faz no mesmo dia, senão em outro? Sim; porque as festas dos nascimentos não se podem fazer seguramente senão depois de se saber o fim para que nasce quem nasce. E como o fim para que nasceu o mundo era o homem, e o homem foi criado ao dia sexto, por isso se guardou a festa do nascimento do mundo para o sétimo. Enquanto o mundo se criou e foi nascendo por partes, esteve suspenso e duvidoso o aplauso entre a esperança e o temor, porque não se sabia o fim para que nascia; porém tanto que ao sexto dia apareceu o homem, glorioso fim para que fora criado o mundo, por isso logo se lhe dedicou dia de festa, e foi dia santo o do nascimento do mundo: Septimus dies natalis es mundi: et sanctificavit illum."
do p.A.Vieira - no sermão do nascimento da mãe de Deus
-" Salomão, o mais sábio e todos os que nasceram, faz uma comparação tão superior ao nosso juizo que só podia caber no seu. Compara o dia da morte com o do nascimento; e na diferença destes dous extremos, quem não imaginará que se compara o dia com a noite, a luz com as trevas, a alegria com a tristeza, a felicidade com a desgraça, a cousa mais desejada com a mais temida, e com a mais terrível a mais amável? Sendo porém tão prenhe de admiração a proposta, mais digna de espanto é a sentença. Resolve Salomão, que melhor é o dia da morte, que o dia do nascimento: Melior est dies mortis die nativitatis. E que tem o dia da morte para ser melhor que o do nascimento? O dia do nascimento não é o mais alegre, e o da morte o mais triste? O do nascimento não é o que povoa o mundo, o da morte o que abre e enche as sepulturas? O do nascimento o que veste de gala as famílias e as cortes, o da morte o que as cobre de lutos? A morte não é o maior inimigo da vida, e o nascimento não é o que, sendo ela mortal, a imortaliza? Que é o nascer, senão o remédio do não ser, e que seria do mundo se em lugar dos mortos não nasceram outros que lhes sucedessem? Até em Deus necessita do nascimento a mesma Trindade, porque sendo só a Pessoa do Padre inascível, Deus sem nascimento seria um, mas não seria trino. Pois se tantos são os bens e felicidades que traz consigo o dia do nascimento, os quais todos funesta, consome, e acaba o dia da morte; que motivo teve o juizo de Salomão para antepor o dia da morte ao dia do nascimento? Entendeu-o melhor que todos o maior intérprete das Escrituras. É melhor (diz Jerónimo) o dia da morte que o dia do nascimento, porque no dia do nascimento ninguém pode saber o para que nasce, e só no dia da morte se sabe o fim para que nasceu: Certe quod in morte quales simus notum sit, in exordio vero, nascendi qui futuri simus, ignoratur."
do p.A.Vieira - no sermão do nascimento da mãe de Deus
-" Os homens (deve de ser porque são mortais) o que costumam festejar com maiores demonstrações de gosto, parabéns e aplausos, assim pública, como privadamente, são os nascimentos. Mas isto de nascer, pelo que tem de si, nem merece alegria, nem tristeza; antes, se bem se considera, mais digno é de tristesza, que de alegria. Não debalde com ser o risível a primeira propriedade de nossa natureza, a mesma natureza nos ensina a nascer chorando. Com lágrimas choraram muitas nações os nascimentos que nós solenizamos com festas, e não sei se nos deveram tornar o nome de bárbaros, que lhes damos. Queixamo-nos da vida, e festejamos os nascimentos, como se o nascer não fora princípio da mesma vida, que nos traz queixosos. O nascimento é o princípio da vida, como a morte o fim : e uma carreira que tem o fim tão duvidoso: uma navegação que tem o porto tão pouco seguro, como pode ter o princípio alegre? Nascemos sem saber para que nascemos, e bastava só esta ignorância para fazer a vida pesada, quando não tivera tantos encargos sabidos. Os ditosos e os desgraçados todos nasceraqm, e como são mais os que acusam a fortuna, que os que lhe dão graças, maior matéria dão os nascimentos ao temor que à esperança. A esperança promete bens, o temor ameaça males, e entre promessas e ameaças tanto vem a se padecer o que se espera, como o que se teme. A quem começa a vida, tudo fica futuro, e no futuro nenhuma distinção há de males a bens, todos são males, porque todos se padecem. Os males padecem-se, porque se temem; os bens padecem-se, porque se esperam : e para afligir o mal, basta ser possível; para molestar o bem, basta ser duvidoso. Se alguma cousa nos pudera segurar os sobressaltos desta contingência, parece que era o tempo, o lugar, e as pessoas de que nascemos; mas por mais que destas circunstâncias conjecture a vã sabedoria felicidades, o certo é que nem o tempo as influi, nem a pátria as produz, nem dos mesmos pais se herdam. Do mesmo pai nasceu Isaac e Ismael, e um foi o morgado da fé, outro da heresia. Na mesma hora masceu Jacob e Esaú, e um foi amado de Deus, outro aborrecido. Na mesma terra nasceu Caim e Abel, e um foi o primeito tirano, outro o primeiro mártir. Assim que avaliar o nascimento pelos pais, é vaidade; medi-lo pelo tempo, é superstição; estimá-lo pela pátria é ignorância; e só julgado pelo fim, é prudência."
do p.A.Vieira - no sermao de Santo Estevão
-"Porque o calor e fervor do disputar, batalha em que se não empenha a fazenda ou a saúde, senão o entendimento, é o mais rigoroso exame da paciêncial."
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermao de Santo Estevão
-"Eram áspides venenosos e feros aqueles inimigos mortais de Estêvão e de Cristo, a quem pregava; e como tinham experimentado tanta vezes, que em falando Estêvão, como sáblio encantador, com a virtude de suas palavras os encantava e rendia de maneira, que não havia quem lhe resistisse; por isso agora, temendo-se que falando obrasse neles os mesmos efeitos, cerraram primeiro os ouvidos para o não poderem ouvir, e surdos como áspides empregaram nele o seu veneno. Enganaram-se, porém, tão cegos, como surdos: porque tão necessárias eram as suas vozes à sua sabedoria, como os seu silêncio àa sua paciência: as vozes necessárias à sabedoria para não ser resistida e vencer, e o silêncio necessário à paciência para não resistir e ser ferida."
do p.A.Vieira - no sermao de Santo Estevão
Conservat patientiam. Admirável sentença por certo! Assim como o licor precioso , se a boca da redoma não está tapada, exala e evapora o cheiro, e perde a virtude; assim a paciência de nenhum modo se conserva na sua perfeição, se o silêncio constante lhe não tapa e emudece a boca; porque só padecendo e calando há verdadeira paciência."
do p.A.Vieira - no sermao de S.Joao Evangelista
-" Nenhum segredo e´ segredo perfeito, senao o que passa a ser ignorancia; porque o segredo que se sabe, pode-se dizer, o que se ignora, nao se pode manifestar. Esta e´ a causa de os homens comummente nao saberem guardar segredos; porque encomendam o segredo `a memoria, sendo que o haviam de encomendar ao esquecimento. O segredo encomendado `a memoria corre perigo; o segredo encomendado ao esquecimento esta´ seguro. A razao : porque o segredo encomendado `a memoria e´ cautela, e o que se guarda com cautela, pode-se perder; o segredo encomendado ao esquecimento e´ ignorancia, e o que se ignora totalmente, nao se pode manifestar. Logo o perfeito segredo e´ so´ o que chega a ser ignorancia."
do p.A.Vieira - no sermao de S.Joao Evangelilsta
-" Ordinariamente nas cortes dos principes, os que contrafazem a verdade, sao os que granjeiam o amor."
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Das víboras não só se tira veneno, semão também triaga. E que cousa trouxe ao mundo a pólvora Um desengano universal, de que nenhum homem se deve jjá fiar das suas próprias forças? Antigamente havia Aquiles, havia Hércules, havia Sansões: depois que a póvora veio ao mundo, acabou-se a valentia dos braços. Um pigmeu com duas onças de pólvora pode derrubar o maior gigante. Que fundamento cuidais teve a filosofia simbólica das fábulas, para fingir que os gigantes fizeram guerra ao Céu, e quiseram apear de seu trono a Júpiter, senão porque entenderam e quiseram declarar aqueles sábios, que os homens que se fiam em suas grandes forças, não temem a Deus , nem O veneram como se não dependeram d'Ele. Ouvi a arrogância sacrílega e blasfema com que falava um destes chamado Mezêncio: Dextra mihi Deus, et telum, quod missile libro : O meu Deus é o meu braço e a minha lança. Por certo, soberbíssimo capitão, que não havieis de falar tão confiadamente, se fora em tempo que o menor sodadinho do exército contrário, vos pudera responder com uma boca de fogo. Este é pois o desengano que trouxe ao mundo a pólvora, para que todo o homem, e muito mais os que vivem na guerra e da guerra, se persuadam que só Deus lhe pode conservar a vida, e não o seu braço, nem a sua espada. Assim o dizia David, aquele soldado tão esforçado e tão forçoso, que com as mãos desarmadas escalava ursos e afogava leões: Gladius meus non salvabit me."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Vendo Moisés nos desertos de Mádian, que a sarça ardia, e não se queimava, disse: Vadam, et videbo visionem hanc magnam: Quero ver este grande milagre. O milagre consistia em que estando o fogo tão vizinho à sarça, ela, contudo. sem o admitir em si, estivesse tão verde, que, como bem disse Filo Hebreu, mais parecia que a sarça queimava o fogo que o fogo a sarça ; e que em vez de o mesmo fogo a abrandar, a regava, para que mais reverdecesse. Por isso Moisés não só lhe chamou milagre, mas grande: Visionem hanc mangnam. E não seria grande, nem milagre, se a fome e voracidade do fogo não fosse qual é. O mistério com que os Antigos fingiram a Vulcano, deus do fogo, manco e arrimado a um bordão, é porque só o fogo, entre todos os elementos, necessita de matéria em que se sustente. A terra, a água, o ar, sustentam-se e conservam-se em si mesmos; o fogo, se não tiver em que sustente, apaga-se e morre. Assim se apagou nas alâmpadas das virgens néscias pela falta de óleo. E desta mesma necessidade de comer para se sustentar, nasce ao fogo9 aquela voracidade com que tão facilmente se ateia, e tanto mais quanto a matéria é mais disposta."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Tão necessário é ao intrépido e temeroso of'icio da artilharia (que tudo isto compreende), o patrocínio de Santa Bárbara na terra. E passando da terra ao mar, bem se deixa ver quanto mais importante será, e quanto mais admirável e milagroso, defendendo aos que pelejam com os mesmos instrumentos de fogo, metidos em uma lenho, e sobre as ondas. Averiguada conclusão é entre os mestres de uma e outra milícia, que comparada a da terra, com a do mar, esta é muito mais trabalhosa e perigosa. Na terra peleja contra vós um elemento, no mar todos quatro : na terra tendes por onde vos retirar, no navio estais preso, e não tendes outra retirada que lançando-vos ao mesmo mar. Na terra ajudam uns esquadrões a outros esquadrões, e uns terços a outros terços, no mar estais com os companheiros à vista, e nem eles muitas vezes vos podem socorrer a vós nem vós a eles. E quanto ao exercício da artilharia, na terra borneais a vossa peça coberta de um parapeito de pedra de cinco pés, ou de uma trincheira de faxina de dezoito, no mar detrás de uma tábua de três dedos. Na terra corre a artilharia sobre uma esplanada firme e segura, no mar sobre um convés sempre inquieto e também inquieto da parte contrária o ponto a que se nivela o tiro. Os Gregos chamaram à peça de artilharia bombarda pelo boato, os Latinos tormentum, pelo que atormenta o corpo oposto que fere: eu na terra chamara-lhe tormento, e no mar tormenta : Ignis, et sulphur, et spiritus procelarum. Grande ciência geométrica é necessária pora entre dous pontos inconstantes tirar uma linha certamente recta, quel há-de seguir a bala para se empregar com efeito. Mas tudo isto pode fazer o sábio artilheiro náutico com maiores estragos do inimigo, dos que acima referimos, conseguindo com um só tiro, por ser na mar, o que não pode suceder na terra. "
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Vede quanto se aumentou o seu domínio com o invento da pólvora na multidão, na variedade, na força, nos efeitos, e ainda na facilidade dos tiros e máquinas de fogo a que preside. Para se gerar um raio, é necessário que as terras não sejam extremamente frias, que por isso na Cítia são raríssimos; é necessário que o tempo seja Estio ou Outono : que as nuvens sejam espessas e húmidas: que as exalações sejam, secas e cálidas: que o movimento ou antiperistase as acenda : que a rotura por onde sai seja pela parte inferior, e não pela de cima: e que a matéria seja crassa e pingue, porque se não dissipe ou apague o fogo, antes que chegue à terra. Tudo isto é necessário para formar um raio na região do ar. Na terra, porém, quão pouco basta? Basta que aos que têm o supremo poder lhes suba à cabeça um vaporzinho, ou de cobiça, ou de ambição, ou de inveja, ou de ódio, ou somente de vaidade e glóra, para que contra uma fortaleza, ou sobre uma cidade, chova tanta multidão de raios, quantas são as pedras das suas muralhas. Os raios que caem do céu em muitos anos , são contados; os que se fulminam da Terra na bataria ou defensa de uma praça, não têm conto. Ainda quando os do céu se não contentam com ferir os montes, ou com se empregar nas feras, e nas enzinhas, ou só com meter medo aos homens; raro é o raio que seja réu mais que de um homicídio. Mas os que saem de uma peça de artilharia, se o não vistes, ouvi o estrago que fazem. Na baralha naval emtre os cesarianos e franceses na ribeira de Salerno, matou uma bala de artilharia quarenta cesarianos: na batalha campal dos alemães contra os espanhóis junto a Ravena, matou outra peça com um só tiro mais de cinquenta alemães ; na guerra de Alberto César contra os Polacos em Boémia, não dizem as histórias de qual das partes, mas afirmam que uma só bala matou oitenta sodados."
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Mas se o que mais estimam os homens e o porque mais trabalham, assim na paz como na guerra, é que os reis tenham boa opinião deles; que razão particular há nos sábios para que a não queiram? A razão é, porque os reis (comummente) não têm por doutos e sábios, semão aqueles que em tudo aprovam e se conformam com os seus ditames e interesses políticos, e com as razões ou pretextos com que os querem justificar; e como isto muitas vezes não pode ser sem ofensa das leis divinas e violência das humanas, melhor é para os tais casos ser reputado por menos douto, e não ter para com os reis opinião de sábio: Penes regem noli velle videri sapiens."
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Aquele prolóquio vulgar dos filósofos, que um semelhante não tem actividade contra outro semelhante: Simile non agit in simile, em nenhum agente se verifica mais que de sábio a sábio. Como pelejam com as armas iguais, podem-se resistir, mas não se podem vencer. A mais celebrada disputa de que há memória nas Dvinas Letras, e como tal a primeira e mais antiga cousa que se esccreveu no mundo foi a de Job com aqueles três filósofos, que o vieram visitar em seus trabalhos. Aconteceu-lhe o que acontece ordinariamente entre letrados, que começa a visita em conversação e acaba em questão e disputa. Disse pois Job o que lhe ditava a sua dor, e quando esta lastimosa proposta pedia mais consolações que argumentos, argumentou contra ela em primeiro lugar Elifaz, em segundo Beldad, em terceiro Sofar; e posto que Job respondeu copiosa e eficazmente, assim aos argumenttos, como às instâncias, que uma e outra vez replicaram sobre as suas respostas, Eliú, que ouvia de fora, tomou a mão sobre todos , e o arguiu de nocvo tão furiosamente que se o mesmo Deus não interpusera sua autoridade favorecendo a parte de Job, não se sabe em que viria a parar a disputa. Pois se Job tinha tanta ciência, assim adquirida, como infusa; se natural e sobrenaturalmente era tão sábio; se falou tanto e tão altamente, e com aquela força de eloquência que a mesma dor ensina, ainda aos que não sabem falar; sobretudo se tinha de sua parte a razão, e respondeu a todas as contrárias; como não rendeu, nem convenceu estes amigos antes os irritou mais? Porque todos eram filósofos, todos sábios, todos doutos, e não há mais dificultosa vitória que de sábio a sábios. É verdade que a razáo estava da parte de Job, como definiu o mesmo Deus; mas eles como eram filósofos e doutos ainda que lhe faltasse a razáo, ou sofísticas ou verdadeiras, para tudo tiveram razões. Lede com atenção o que disseram, para que depois de admirados da profundidade de suas filosofias, vos admireis mais de que Santa Catarina convencesse a tantos fjilósofos."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Tendo Abimelech entrado à força de armas os muros de Tebés, e não lhe restando por render mais que a última torre, a cujas portas estava pondo fogo, uma mulher lançou de cima sobre ele uma grande pedra de que caíu mortalmente ferido na cabeça; mas ainda teve acordo para dizer ao seu pajem da lança estas palavras: Evagina gladium tuum, et percute me, ne forte dicatur, quod a foemina interfectus sum : tira depressa pela espada e mata-me, porque se não diga no mundo, que me matou uma mulher. Tão injuriosa cousa é aos homens, principalmente grandes e famosos qual era Abimelech, poder-se dizer que uma mulher os venceu, que antes se deixaram e mandaram matar que sofrer tal injúria."
domingo, 12 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Converteu Moisés a sua vara em serpente, e os magos também as suas em outras igualmente ferozes e grandes; e o fim da batalha foi que a serpente de Moisés comeu todas as outras: Devoravit virgas eorum. Agora pergunto: e não bastara que a serpente de Moisés matara as serpentes dos magos? Parece que não só bastava senão que deste modo ficaria a superioridade mais conhecida, a vitória mais ostentosa, o teatro mais funesto e temeroso, e o mesmo Faraó mais confuso e compungido. Pois porque razão as serpentes dos Egípcios não foram somente mortas senão comidas? Porque nesta batalha da serpente de Moisés com as dos Egípcios eram significadas as batalhas e vitórias que a sabedoria cristã havia de alcançar de todas as seitas dos gentios, tão fantásticas, aparentes e falsas como as serpentes dos magos: e nestas batalhas da fé e da religião é maior e mais dificultosa vitória ficarem os contrários comidos, que somente mortos. E porquê? Porque ficarem somente mortos, é ficarem vencidos e convencidos, sem força, alento, nem voz para persistir no que defendiam; porém ficarem comidos e incorporados em quem os comeu, é ficarem não só vencidos e convencidos, senão também convertidos, assim como o que se come se converte na sustância de quem o come."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
." Naquele famoso desafio dos três Horácios romanos contra os três Curácios albaneses, dous Curiácios mataram dous Horácios, e o terceiro Horácio que ficou, matou aos três Curiácios; mas como ? Vendo-se só lançou a fugir, e os outros após ele; alcançou-o o que mais corria, e voltando-se contra este matou-o, e continuou a fugir; alcançou-o o segundo, e também o matou; e depois que não ficava mais que o último, então pelejou só por só com ele, e com a sua morte acabou de vingar as dos dous irmãos, e ficou com a inteira vitória. Tito Lívio e outros historiadores romanos celebram muito esta façanha, dizendo que o terceiro Horácio venceu aos três Curiácios; mas não dizem bem. Venceu por três vezes a cada um, mas não venceu a todos três. É evidente. Porque ele venceu aqueles com quem pelejou, e nunca pelejou com todos três, nem com dous, senão com um só. Foram três vitórias de um, mas não foi uma vitória de três. E é tanto assim, que dos três fugiu, e também dos dous,porque nem com três nem com dous se atreveu a pelejar, senão só com um. Muito antes deste caso tinha dito Salomão : Funiculus triplex difficile rumpitur: que o cordão de três fios dificultosamente se rompe. E por isso o prudente e valoroso Horácio, aos mesmos três que juntos se não atreveu a desafiar, desafiou-os, e deste modo rompeu fio a fio o cordão que não podia romper, unido."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" O mais formoso teatro que nunca viu o mundo, a mais grave e ostentosa disputa que nunca ouviram as academias, a mais rara e ostentosa vitória, que nunca alcançou da ignorância douta e presumida a verdadeira sabedoria, é a que hoje teve por defendente um querubim em hábito de mulher, ou um rosto de mulher com entendimento e asas de querubim - Santa Catarina. A aula ou teatro desta famosa representação foi o palácio imperial : os ouvintes e assistentes , o imperador Maxiimino, o senado de Alexandria, e toda a corte e nobreza do Oriente : a questão a da verdadeira divindade de um ou de muitos deuses, e a fé e religião que deviam seguir os homens : as defendentes, de uma parte, uma mulher de poucos anos, e da outra cinquenta fulósofos escolhidos de todas as seitas e universidades ; e a expectação da disputa e sucesso da controvérsia, igual nos ânimos de todos à grandeza de tão inaudito certame. Em primeiro lugar propuseram os filósofos, inchados, seus argumentos aplaudidos e vitoriados de todo o teatro, e só da intrépida defendente recibidos com modesto riso. E depois que todos disseram quanto sabiam em defensa e autoridade dos deuses mortos e mudos, que eles chamavam imortais; então falou Catarina por parte da Divindade Eterna e sem princípio, do Criador do Céu e da Terra, e da humanidade do Verbo tomada em tempo, para remédio do mundo. Falou Catarina, e foi tal o peso das suas razões, e sutileza do seu engenho, e a eloquência mais que humana, com que orou e perorou, que não só desfez faciilmente os fundamentos ou erros dos enganados filósofos, mas redarguindo e convertendo contra eles seus próprios argumentos, os confundiu e convenceu com tal evidência, que sem haver entre eles quem se atrevesse a responder ou instar, todos confessaram a uma só voz a verdade inflível da fé e religião cristã. E que faria com este sucesso Maximino imperador, empenhado e cruel ? Afrontado de se ver vencido nos mesmos mestres da sua crença de quem tinha fiado a honra e defensa dela, e enfurecido e fora de si, por ver publicamente demonstrada e conhecida a falsidade dos vãos e infames deuses a quem atribuia o seu império, em lugar de seguir a luz e docilidade racional dos mesmos filósofos, com sentença bárbara e ímpia, mandou que ou sacrificassem logo aos ídolos. ou morressem todos a fogo. Todos sem duvidar, nem vacilar algum, aceitaram a morte por Cristo, não só constantemente, mas com grande alegria e júbilo, e na mesma hora, e do mesmo teatro onde tinham entrado filósofos, saíram teólogos; onde tinham entrado gentios, saíram crstãos, e onde tinham entrado idólatras, saíram mártires. Oh vitória da fé a mais ilustre e ostentosa que antes nem depois celebraram os séculos da Cristandade ! Oh triunfo de Catarina, não com duas palmas, nas mãos de virgem e mártir, mas com cinquenta palmas aos pés de subtil, de angélica, de invencível doutora ! Digna por esta inaudita façanha de que no mais alto do monte Sinai, depois de ser trono do Supremo Legislador, as mesmas mãos que escreveram as primeiras letras divinas, levantassem eterno trofeu à memória das suas."
sábado, 11 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" A casa que edificou para si a Sabedoria : Sapientia aedificavit sibi domum, era aquela parte mais interiot e mais sagradado do Templo de Salomão, chamada por outro nome Santa Sanctorum. Levantavam-se no meio dela dous grandes querubins, cujo nome quer dizer sábios, e são entre todos os coros dos anjos os mais eminentes na sabedoria. Com as asas cobriam estes querubins a Arca do Testamento, e com as mãos sustentavam o Propiciatório, que eram o tesouro e o assento da Sabedoria Divina. A Arca era o tesouro da Sabedoria Divina em letras, porque nela estavam encerradas as Tábuas da Lei, primeiro escritas e depois ditadas por Deus; e o Propiciatório era o assento da mesma Sabedoria em voz porque nele era consultado Deus, e respondia vocalmente, que por isso se chameva Oráculo. As paredes de toda a casa em roda estavam ornadas com sete palmas, cujos troncos formavam outras tantas colunas; e os ramos de umas para as outras faziam naturalmente seis arcos, debaixo dos quais se viam em pé seis estátuas também de querubins. Esta era a forma e o ornato da casa da Sabedoria, edificada por Salomão, porém traçada por Deus; e não se viam em toda ela mais que querubins e palmas, em que a mesma Sabedoria, como vencedora de tudo, ostentava seus trofeus e triunfos."
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Acabaram-se as guerras, e vitórias romanas, não só fechadas, mas quebrados para sempre os ferrolhos das portas de Jano ; acabaram-se os capitólios ; acabaram-se os consulados ; acabaram-se as ditaduras ; acabaram-se para os generais as ovações e os triunfos ; acabaram-se para os capitães famosos as estátuas e inscrições ; acabaram-se para os soldados as coroas cívicas, murais e rostratas ; acabaram-se enfim com o Império os mesmos imperadores, e só vivem e reinam, ao revés da roda da Fortuna, os que eles quiseram acabar. Acabou Nero ; e vivem e reinam Pedro e Paulo ; acabou Trajano e vive e reina Clemente ; acabou Marco Aurélio e vive e reina Policarpo ; acabou Vespasiano e vive e reina Apolinar ; acabou Valeriano e vive e reina Lourenço ; acabou enfim Maximino e vive e reina Catarina ; ele, e os outros imperadores, porque se fiaram falsamente do Império sem fim : Imperium sine fine dedi : ela com os seus, e com os outros mártires, porque reinam e hão-de reinar por toda a eternidade com Cristo, no reino que verdadeiramente não há-de ter fim : Cujus regni non erit finis. "
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Muito mais dificultoso é haver de vencer soldados, que ter convencido filósofos. Os soldados não se vencem com argumentos de palavras, senão com silogismos de ferro. Para os mais subtis de entendimento, o capacete lhe defende a cabeça ; e para os mais brandos de vontade, a malha e o arnês lhe indurecem o peito. Toda a força que tem o filósofo consiste na razão, e toda a razão do soldado consiste na força. Só à maior força, só à maior violência, só ao maior poder, se abatem as bandeiras , e rendem as armas. Alma e salvação são as duas cousas mais precisas, e por isso as que causam maior medo de se perderem ; mas para quem tem piedade de uma, e fé da outra.
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" As vitorias proprias vistas sem os olhos na roda, ensoberbecem ; com os olhos nela, humilham. Com os olhos na roda, aos vencidos causam esperança, e aos vencedores, temor. Por isso Abraao temia a sua vitoria, e todos os grandes capitaes temeram sempre as suas. "
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Como na guerra nao ha´ cousa mais para estimar que o vencer, assim nao ha outra mais para temer que a mesma vitoria. Quando o sabio capitao se vir mais vitorioso e triunfante na carroça de Marte e da fortuna, entao e´ que mais se deve temer da volta das suas rodas."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
- " Oh que facilmente se engana o juizo humano nas apreensoes de qualquer sucesso prospero ! Por isso disse sabia e prudentissimamente o grande senador romano, Severino Boecio, que melhor e mais util e´ ao homem a fortuna adversa, que a prospera : Plus reor hominibus adversam, quam prosperam prodesse fortunam. E da´ a razao : porque a prospera mente, e a adversa desengana : Illa enim semper specie felicitatis, cum videtur blanda, mentitur : hace semper vera est, cum se instabilem mutatione demonstrat. Illa fallit, haec instruit. Quem se nao quiser enganar com as lisonjas da fortuna prospera, olhe para a roda. Nela, e do mesmo barro faz Deus reinos, e desfaz reinos ; desfaz Jerusalem, e acrescenta Babilonias ; cativa os livres, e restitui a liberdade aos cativos. Assim o fez a benignidade divina, dando outra volta `a roda, e restituindo os cativos de Babilonia `a liberdade, de que poucos ja se lembravam, ao fim de setenta amos : caso bem parecido ao nosso."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Ne forte. Variamente pintaram os Antigos a que eles chamaram Fortuna. Uns lhe puseram na mao o mundo, outros uma cornucopia, outros um leme ; uns a formaram de ouro, outros de vidro, e todos a fizeram cega, todos em figura de mulher, todos com asas nos pes, e os pes sobre uma roda. Em muitas cousas erraram, como gentios ; em outras acertaram como experimentados e prudentes. Erraram no nome de Fortuna, que significa caso, ou fado ; erraram na cegueira dos olhos , erraram nas insignias e poderes das maos, porque o governo do mundo, significado no leme, e a distribuiçao de todas as cousas, significada na cornucopia, pertence somente `a Providencia Divina, a qual nao cegamente, ou com os olhos tapados, mas com a perspicacia de sua sabedoria, e com a balança de sua justiça na mao, e´ a que reparte a cada um e a todos o que para os fins da mesma Providencia com altlissimo conselho tem ordenado e disposto. Acertaram, porem, os mesmos gentios na figura que lhe deram de mulher, pela inconstancia : nas asas dos pes, pela velocidade com que se muda ; e sobretudo em lhos porem sobre uma roda ; porque nem no prospero, nem no adverso, e muito menos no prospero, teve jamais firmeza. Dos que a fizerrram de ouro diremos depois ; o que agora somente me parece dizer, e´ que os que a fingiram de vidro pela fragilidade, fingiram e encareceram pouco ; porque ainda que a formassem de bronze, nunca lhe podiam segurar a inconstancia da roda."
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" De prudentes e néscias se compoe toda a historia do nosso Evangelho, gloriosa para umas , e tragica para outras. As prudentes foram as venturosas, porque disseram: Ne forte ; as nescias , as sem ventura, porque o nao souberam dizer. As prudentes com as alampadas acesas entraram `as bodas ; as nescias , `as escuras, e com elas apagadas ficaram de fora. Cuidaram as nescias que se lhes nao apagariam as alampadas, cuidaram que seriam socorridas das companheiras, cuidaram que ainda que chegassem tarde, se lhes abririam as portas : e depois de tanto cuidar, acharam que nao tinham cuidado ; porque nao cuidaram quando, e como convinha, nem souberam dizer a tempo, ne forte. Tres vezes o disseram as prudentes : na consideraçao, na prevençao, e na resoluçao. Na consideraçao, considerando que por falta do sustento natural do oleo se poderia apagar o fogo, e morrer a luz das alampadas; na prevençao, porque se preveniram de o levar nas redomas, para delas o suprir, quando faltasse ; na resoluçao, porque faltando `as companheiras, resolutamente lhe responderam, que nao as podiam socorrer., porque podia nao bastar para todas : Ne forte non sufficiat nobis, et vobis.
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Catarina
-" Ne forte : breve cláusula para tema; porém grande para sermâo! É tão grande e tão forte a significação deste ne forte, que com ela se sustentam e são fortes todas as fortalezas : e as que não são fortes, nem se defendem, só or falta dela são fracas, só por falta dela se rendem e são vencidas. E que quer dizer ne forte ? Quer dizer: para que não por algum caso; para que não por alguma desgraça ; para que não por algum engano ; para que não por aolguma violência ; para que não por algum descuido próprio, ou diligência e indústria alheia. É o ne forte um advérbio, sempre vigilante, mas indeciso ; é uma suspensão do que é ; é uma dúvida do que será : é um cuidado solícito do que pode ser. É um receio temeroso do futuro, não esquecido do passado, nem divertido do presente ; e neste círculo de todos os tempos acautelado para todos. Deriva-se a palavra ne forte daquela que o mundo chama Fortuna, e é uma força tão poderosa e tão forte, que desarma a mesma fortuna de todos os seus poderes ; porque a quem estiver cuidadoso do que ela pode fazer ou desfazer, nunca lhe acontecerá que diga - não cuidei - , que é a prineira máxima da prudência.".
sábado, 4 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão do beato Estanislau Kostka
-" Notáveis foram o primeiro e último milagre de Cristo. No primeiro converteu a água em vinho ; porém isto é o que faz a vide. Chove água do céu e a vide a converte em vinho. No último milagre, e o maior de todos, converteu o pão e o vinho em carne e sangue ; e isto é o que faz o corpo humano.Come pão e bebe vinho, e os converte em carne e sangue. E posto que esta não é transubstanciação (maravilha própria sómente daquele altíssimo mistério) é verdadeira conversão. Pois se a natureza na vida converte a água em vinho, e no corpo humano converte o pão e o vinho em carne e sangue; estes porque razão não hão-de ser milagres ? Pela diferença do tempo. A natureza, porque há mister introduzir as disposições pouco a pouco, obra depois de largo tempo ; mas se aquilo mesmo que a natureza faz depois de muito tempo, se fizesse em brevíssimo, já não seria obra da natureza senão milagre da Omnipotência."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
-" E para tudo isto (que muitos não entendem nem capacitam) que compreensão e vastidão de todas as ciências divinas e humanas era necessária ; que memória de todas as histórias sagradas e profanas ; que escrutínio da cronologia de todos os tempos ; que notícias de todas as terras e gentes, de suas leis, costumes, cerimónias, ritos ; que inteligência e conhecimento exacto de todas as línguas, latina, grega, hebreia, caldaica, siríaca, umas originais dos Textos sagrados, outras em que foram vertidos ? E que estudo, que aplicação que continuação e trabalho era outrossim necessário para adquirir esta imensa erudição, ajudado o engenho natural, e elevado de contínuas orações ao Cèu, donde vem a verdadeira luz ? Estas eram as minas em que cavavam e suavam aqueles diligentíssimos e utilíssimos operários, estas as riquezas inestimáveis que metiam e acumulavam nos tesouros da Igreja, estas as armas finíssimas e escudos impenetráveis, de que forneciam a Torre de David, para as futuras ocasiões e batalhas, como hoje se eexperimenta : empregando e aplicando a estas (que com razão se chamam obras) todas as forças do espírito, todas as potências da alma, e todos os sentidos do corpo : negando-lhe o descanso de dia, e o repouso e sono de noite ; e c hegando a não gostar, nem sentir o mesmo que comiam, como à mesa de el-rei S.Luis de França lhe aconteceu a S. Tomás. Mas como eram tão doutos e sábios, sabiam melhor que todos, quão grande cousa é ser santos. e por isso o procuravam eles ser com esta vida, e que os demais o fossem com esta mesma doutrina."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
-" Ali se vêem refutadas e convencidas todas as seitas dos antigos filósofos, pitagóricos, platónicos, cínicos, peripatéticos, epicúrios, estóicos : ali os mistérios porfundíissimos da Fé, facilitados e críveis i os argumentos conttrários desavanecidos ; ali as tradições apostólicas sucessivamente continuadas, e as definições dos concílios gerais e particulares estabelecidas ; ali as dificuldades da Sagrada Escritura, e os lugares escuros dela declarados, e o Velho e Novo Testamento, e os Evangelhos entre si concordes ; ali as questões altíssimas da teologia sutilissimamente disputadas e resolutas ; as controversas debatidas e examinadas ; e o certo como certo, o falso como falso, e o provável como provável, tudo decidido ; ali as heresias antigas e modernas expugnadas, e as cavilações dos hereges desfeitas, e os Textos sagrados, corruptos e adulteraddos por eles, conservados em sua original pureza ; os Arrios , os Apolinares, os Macedónios, os Nestórios, os Donatos. os Pelágios, os Maniqueus, ou Eutíquios, os Elvícios, os Jovinianos, os Vigilâncios, e os Luteros, e Calvinos, que em nosssos tempos os ressuscitaram, sepultados outra vez e convencidos ; ali finalmente os vícios perseguidos, os abusos emendados, as virtudes sinceras e sólidas louvadas, as falsas e aparentes confundidas, e toda a perfeição evangélica digesta, praticada, e posta em seu ponto."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
-" Os santos doutores, esquadrão também laureado, não fizeram ou não se desfizeram menos por ser santos. Foram a luz do mundo, e o sal da Terra ; e assim como a tocha se consome para alumiar, e o sal se derrete para conservar ; assim eles para alumiar as cegueiras do nundo e conservar a Fé e a Religião em sua pureza, não só se pode dizer com verdade, que consumiram a vida, mas que derreteram e estilaram a alma. Todos esses livros, tantos e tão admiráveis , de S. Basílio, de S:Crisóstomo, de Santo Atanásio, de Santo Ambrósio, de S.Jerónimo, de Santo Agostinho, e dos dous Gregórios, quatro doutores da Igreja grega, e quatro da latina, e os dous que depois se acrescentaram a este sagrado gúmero de S.Tomás, e S.Boaventura ; os livvros igualmente doutíssimos dos santos bispos, Hilário, Cipriano, Fulgêncio, Epifãmio, Isidoro, e um e outro Cirilo ; e os dos antiquíssimos padres, Clemente Romano, Dionísio Areopagita, Irineu, Justino,Gregório Taumaturgo, Clemente Alexandrino, Lactâncio, e infinitos outros. Todos estes escritos, digo, cheios de divina e celestial doutrina, que outra cousa são sem encarecimento nem metáfora, senão as almas dos mesmos santos, e as quintas-essências dos seus entendimentos, estiladas pela pena ?
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
-" Quando um vassalo se rebela contra seu rei, confiscam-lhe todos seus bens. Pois se Lucifer se rebelou contra Deus, porque lhe confiscaram só a graça e a santidade, e lhe deixam tudo o mais ? Porque só a graça e a santidade são bens : tudo o mais que têm os anjos maus, uma vez que não têm santidade, antes são males que bens. A ciência sem santidade é ignorância ; a formosura sem santidade, é fealdade ; o poder sem santidade, é fraqueza ; a grandeza sem santidade, é miséria : e por isso são os anjos maus os mais miseráveis de todas as criaturas, assim como os anjos bons os mais felizes, e bem-aventurados de todas ; estes porque são santos, aqueles porque não são santos."
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
-" Oh quem me dera ter neste auditório todas as snho0ras do mundo, tão prendadas e tão presas, tão tidas e tão retidas das vaidades do mesmo mundo, para que vissem o de que só se haviam de deixar prender e deter, `Ja imiitação da maior Senhora e Rainha de todas ! Tudo quanto a apreensão e fantasia feminil estima e preza, viu a benditéssima Virgem no grande teatro de Israel, de que Deus A fizera herdeira : In Israel haereditare. Viu a nobreza do sangue, antiga e ilustre em Sara, soberana e real em Micol ; mas não a deteve o esplendor da nobreza, nem lhe moveu, ou alterou os espíritos. Viu a formosura servida e adorada em Raque, buscada e preferlida am Agisai ; mas não A deteve a formosura, nem julgou por digna de ser vista a que leva após si os olhos. Viu fecundidade grande e invejada em Lia, maior e mais desvanecida em Fenena ; mas não A deteve o apetite natural de ser mãe, nem desejou perpetuar-Se em mais vidas. Viu a requeza coméstica em Rebeca, e os tesouros reais em Sulamite ; mas não A deteve cobiça ou ambição de riqueza, porque tinha o coração em outros tesouros. Viu as galas e afeites de Jezabel, e todo o valor do Oriente engastado nas jóias ,e Ester ;mas não A deteve a apar~encia vã dos aparatos do corpo, como a que só cuidava em ornar o erpírito. Viu a uqe o mundo nhama ventura, nas bodas n~jao esperadas de Rute, e nas muito mais venturosas de Séfora ; mas não A deteve o especioso laço das bodas, antes Lhe fizeram horror as delílcias do tálamo. Viu as vitórias e triunfos de Dégora, e os despojos e trofeus da famosa Judite ; mas não A deteve a fama com o ruído de seus aplausos, nem afectou vitórias e triunfos, Viu, finalmente, coroada Abigail, e assentada Berzabee em igual trono com Salomão , mas não A deteve a soberania daquelas alturas, porque era mais alto o seu ânima que os tronos, e de maior esfera que as coroas."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
-" Em todas as ciencias e certo que ha muitos erros dos quais nasce a diferença das opinioes : em todas as ciencias ha muitas ignorancias , as quais confessam todos os maiores letrados, que nao compreendem, nem alcançam. Pois se vinha a Sabedoria de Deus ao mundo, porque nao alumiou estes erros, porque nao tirou estas ignorancias ? Porque errar ou acertar em todas essas materias, sabe-las ou nao as saber, nenhuma cousa importa : o que so importa e saber salvar : o que so importa, e aceertar a ser santos : e isto e o que so nos veio ensinar o Filho de Deus. Nem ensinou aos filosofos a composiçao do continuo ; nem aos geometras a quadratura do circulo ; nem aos mareantes a altura de leste a oeste ; nem aos quimicos o descobrimento da pedra fosofal ; nem aos medicos as virtudes das ervas , das plantas, e dos mesmos elementos ; nem aos astrologos e astronomos o curso, a grandeza, o numero, as influencias dos astros; so nos ensinou a ser humildes, so nos ensinou as ser castos, so nos ensinou a desprezar as rquezas,so nos ensinou a perdoar as injurias, so nos ensinoou a sofrer a perseguiçoes, so nos ensinou a chorar e aborrecer os pecados, e a amar e exercitar as virtudes ; porque eatas sao as regras e as conclusoes, estes os preceitos e os teoremas, por onde se aprende a ser santos, que e a ciencia que professou e veio ensinar a Pessoa do Filho de Deus : Scientiam sactorum"
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
- " E tal a força e poder da infamia (notem muito isto os que tao facilmente infamam as honras alheias), e tal a força e poder da infamia, que sendo a calunia testemunho falso, a mesma infamia fara que a inocencia infamada o faça verdadeiro. "
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
-" E porque razão os grandes trabalhos e aflições se chamam calix ? Os mesmos textos o dizem. Porque assim como o vinho demasiadamente bebido tira o juizo : Calix in manu Domini inebrians : assim os trabalhos, angústias, e aflições, se são grandes , têm os mesmos efeitos em quem os padece, e os faz endoudecer : Et bibent, et turbabuntur, et insaniantent. "
terça-feira, 30 de novembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
-" A calúnia e o falso testemunho, faz endoudecer o sábio. E os Setenta Intérpretes declarando esta doudice, ou modo deste endoudecer, dizem que o é circunferendo, dando-lhe volta ao juizo.Mas o mesmo parece que está duvidoso em crer um tamanho excesso, porque o contradiz a experiência, É certo que há muitas calúnias e muitos falsos testemunhos, e contudo não vemos endoudecer os caluniados. Se assim fora todo o mundo estivera na casa dos loucos. Pois se há tantos caluniados porque há tão poucos doudos ? Porque há poucos sisudos. A Escritura não diz que a calúnia faz endoudecer a todos, senão aos sábios : Calumnia insanire facit sapientem. Caluniado e infamado, só perde o juizo quem o tem."
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Iria
Sentença é divina, tão infalível na verdade, como provada na experiência, que aquela graça da natureza a que os olhos chamam formosura, não é mais que uma aparência da mesma vista, enganosa e vã. Comecemos por aqui, pois este foi o princípio fatal daquela horrenda tragédia, que depois de convertida em glória, tirou e deu o mome a esta antiquíssima e nobilíssima república. É a graça e formosura enganosa e vã : Fallax gratia, et vana est pulchritudo,.diz o Espírito Santo por boca de Salomão, o mais experimentado neste engano, e o mais desenganado desta vaidade. Nem era neessário o testemunho de tão soberanas autoridades, divina e humana, para persuadir esta fé à vista. Até os poetas, que tanto se empregam em disfarçar e encobrir a falsidade desta aparência, e com nomes de diamantes, rubis e safiras procuram fazer sólida a sua vaidade, não puderam deixar de confessar quão frágil é, e de pouca dura : Forma bonum fragile est, disse Ovidio ; e Séneca : Res est forma fugax. Os filósofos que mais professam o verdadeiro, concedendo-lhe os poderes, não lhe puderam negar a fraqueza e falsidade. Sócrates chamou à formosura tirania, mas de breve tempo : Brevis temporis tyrannis ; Teofrasto chamou-lhe engano mudo : Deceptio tacita ; porque sem falar engana. E que direi dos Santos Padres ? S. Jerónimo diz, que a formosura é um esquecimento do uso da razão : Oblívio rationis ; e onde falta o luma da razão, quais serão as cegeiras e os enganos dos sentidos ? S.Basílio, S.Bernardo, Santo Efrém, Santo Isidoro Pelusiota, e outros santos, para descobrir o mesmo engano, sem chegar aos horrores da sepultura, consideram as fealdades interiores que este especioso véu oculta ainda em vida, e correndo a cortina ao ídolo tão adorado da formosura, não só a demonstram feia, mas asquerosa e medonha.. Porém não são estes ainda os assombros da nossa tragédia."
domingo, 28 de novembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas
-" Para que entendam os reis, quão animados e confiados devem ter os ministros de sua saúde e vida, para que nos perigos dela os desenganem com toda a liberdade. E qual há-de ser a verdade e inteireza com que os mesmos ministros os devem desenganar, sem temor de perderem a sua graça, nem a de seus sucessores."
do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas
-" Pois se Isaías era profeta e vassalo de el-rei Ezequias, e entre os profetas, como o mais polido e discreto de todos, era chamado o profeta cortesão, porque deixado um e outro título, falou ao seu rei, nem como vassalo, nem como profeta, senão tão nua e secamente com um tu : Morieris tu, et non vives ? Porque a ocasião não era de lisonjas, nem ainda de cortesias, senão de desenganos. Anunciava-lhe a morte, em que são iguais todos os homens, e por isso lhe falou como a qualquer outro homem, e não como a rei. Assim como não usou de prólogos, ou prefações, nem de rodeios ou metáforas, para a clareza, assim cortou pelas cortesias da majestade, por não perder aquele pouco tempo, aonde são tão importantes os instantes. Não esperou a que a debilidade da natureza o avisasse do seu perigo, mas ele lho declarou enquanto os sentidos e potências do corpo e alma estavam inteiras e em seu vigor, para orar, como orou, para chorar, como chorou, e para recorrer a Deus, como recorreu, e então o advertiu que dispusesse de sua casa : Dispone domui tuae, quando o podia fazer com o juizo, quietação e sossego, que não permitem os acidentes nos desmaios e perturbações da morte ; e pois perdia a vida, que acaba com o tempo, seguia-se a que não há-de acabar por toda a Eternidade."
do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas
-" Aonde hoouver este valor, esta liberdade e esta verdade de Isaias, é certo que faltarão à sua obrigação (como muitas vezes têm faltado) não só os médicos do corpo, senão também os da alma, tão enganados nos respeitos humanos, ou desumanos, de que se deixam cegar, que eles são os maiores traidores dos reis, e dos reinos ; sendo pelo contrário dignos das maiores mercês, e dos mais avantajados prémios, os que com verdadeiro zelo e amor, não só os desenganam livremente do perigo da vida, senão da certeza da morte. Aqui entra agora o exemplo da heróica acção que eu prometi, muito maior que o meu pensamento, sobre o médico de S.Francisco de Borja. Estando el-rei Baltasar na última ceia de sua vida, brindando aos seus ídolos nos mesmos vasos sagrados de que seu pai Nabucodonosor tinha despojado o Templo de Jerusalém, apareceram tres dedos de uma mão invisível, que escreviam na parede umas letras não conhecidas. Chamado Daniel para a interpretação delas, disse ao rei, que nas primeiras se continha o número dos seus dias, nas segundas o peso das suas obras, e nas terceiras e últimas o fim da sua vida e do seu reino, que seria naquela mesma noite. Oh terrível e tremenda sentença ! E que faria Baltasar ouvindo-a ? Imediatamente o conta o Texto, e foi uma resolução, se pode ser, ainda mais admirável que a do profeta : Tunc, jubente rege, indutus est Daniel purpura, et circundata est torques aurea collo ejus, et praedicatum est de eo, quod haberet potestatem tertius in regno suo. No mesmo ponto, sem falar outra palavra, o que fez Balrasar foi mandar que Daniel fosse logo vestido de púrpura com o colar de ouro, que era a outra insígnia real, e que na presença dos convidados, que eram mil, os maiores de toda a monarquia, fosse apregoado no poder e mando pela terceira pessoa do seu reino, sendo a primeira o mesmo rei, a segunda a raínha, e a terceira Daniel. E haverá quem pudesse imaginar tal resolução no maior caso por todas suas circuntâncias que pode suceder no mundo ?"
sábado, 27 de novembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas
-" Estando enfermo S.Francisco de Borja, no tempo em que era duque, tomou-lhe o pulso o médico e disse : que me dará Vossa Excelência, se amanhã lhe pedir as alvíssaras de estar llivre da febre ? Estava no aposento um aparador com muitas peças ricas de prata, e respondeu o duque que daquela baixela escolhesse o que lhe parecesse melhor : e escolheu a maior de todas que era um grande prato. Tornou ao outro dia o médico, tomou o pulso, e equivocando como castelhano na palavra Plato, disse : Amicus Plato, sed magis amica veritas : vossa excelência ainda tem febre. Não refere o historiador o que respondeu o duque ; mas eu lhe não dera então o prato, senão a metade da baiaxela : e se acrescentara quie a febre tinha degenerado em maligna, lha dera toda. Maior acção que a deste meu pensamento veremos depois. Em dous casos obrará culpavelmente a inteireza e verdade do médico: ou na aplicação respeitosa dos remédios de que acabamos de falar, ou no silêncio e dissimulação do perigo, de que agora falaremos. Uma cousaé a doença que ameaça a saúde temporal, outra a que pode arriscar a eterna : a primeira pertence à cura da enfermidade, a segunda ao desengano da morte, E quantos médicos ou por falta de valor, ou com sobeja e mal entendida piedade, por não desanimar os enfermos, e por não desconsolar os vivos, são causa de que se condenem os mortos ? Contra a enfermidade peca-se na cura não se lhe aplicando os remédios eficazes, posto que duros. E contra o enfermo, quando a doença é mortal, peca-se muito mais gravemente na dissimulação, não o desenganando logo do seu perigo."
do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas
-" O médico não cura a púipura, nem a coroa, senão o homem despido, e o corpo que em todos é do mesmo barro; e aonde o médico quis fazer disrtinção de barro a barro, ali se perdeu. Passando acaso Alexandre Magno por junto a um cemitério, viu nele a Diógenes ; e como lhe pergunrasse que fazia naquele lugar, respondeu o filósofo : Ando aqui buscando os ossos de Filipe de MacedóNia, mas não os posso distinguir: Ossa Philippi patris quondam tui quaero ; sed inter plebeorum non discerno. Assim respondeu a liberdade do famosíssimo cínico à arrogância daquele soberbíssimo monstro, como lhe chama Séneca ; e o ensinou a que se não estimasse mais que os outros homens, pois os ossos do pai que lhe dera o ser e o sangue, se nãodistinguiam dos outros. Mas como os palácios dos reis, aonde os médicos não são chamados senão por necessidade, assim como têm as portas sempres abertas à adulação e lisonja, assim elas por si mesmas se fecham à verdade ; muito valor há mister a do médico que houver de curar a um rei, como a um homem."
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas
-" A primeira cousa, diz Aristóteles, que se há-de considerar no enfermo, é o sujeito, mas não quem é, senão qual. Consta que estando enfermo aquele grande príncipe dos filósofos, e provando, como já dissemos dele, que onde acaba a filosofia, começa a medicina, disse ao médico, como refere Eliano, que advertisse primeiro que ele não era cavador, nem vaqueiro, e sobre isto, depois de examinada a causa, veria se havia de obedecer às suas receitas.Ne, inquit, me cures ut bubulcum, aut fossarem, sed prius causam edissere, sei enim facile persuasione me morigerum reddideris. Distingue-se o filósofo do cavador, porque o cavador com a enxada na mão, quanto come e bebe todo o dia, sua em meia hora; e o filósofo com a especulação da sua fantasia avoca os espíritos à cabeça, e ficam mal assistidas as oficinas do sangue, e fontes da vida. De sorte que a consideração do sujeito há-de examinar, se é robusto ou delicado, se de muitas ou poucas forças, se deste ou daquele exercício ; mas nesta distinção, e na do temperamento não há-de entrar a da qualidade e dignidade da pessoa, sob pena de ficar bem llisonjeado o doente, emal curado. Por isso vemos que melhor e mais facilmente se curam os criados que os amos, os escravos que os senhores. Donde nasce que curados nos nobres e ricos, mais mimosa e não radicalmente as enfermidades, ou são frequentes as recaídas, ou, como gravemente disse Tertuliano, quse tanto padece o malsão a sua saúde, como padecia a doença : Ex aliqua valetudine sanitatem suam patitur."
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas
-" A segunda é dizer que não tinha pão porque não era médicol. Non sum medicus, et in domus mea non est panis : e também aqui tirou a consequência tão discreta, como verdadeiramente. Porque a todas as outras ciências ou ofícios, pode faltar o pão, mas ninguem o tem sempre mais seguro que o médico. Como todos somos mortais, só o médico vive do que nós morremos ; e tão certo é na medicina o pão, como na mortalidade a doença. Nunca lhe pode faltar ao médico o pão em abundância ; porque não há lavoura menos dependente do tempo, ou chova ou faça sol, que a da medicina. Antes quando a chuva afoga as searas, e o sol as queima, então cresce mais a lavoura dos médicos, porque então lavram mais as enfermidades. As quaresmas dos enfermos são os páscoas dos médicos, e com as dietas de uns se fazem os banquetes dos outros."
do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas
-" Pouco conhece a riqueza da saúde, quem cuida que por algum preço pode ser cara, quanto mais caríssima.Vos est census supercensum salutis corporis : diz o Espírito Santo, que não há riqueza no mundo que se iguale à saúde do corpo.E Platão fazendo um catálogo dos bens desta vida, e dando por sua ordem o lugar que merece cada um, no primeiro pôs a saúde e no quarto as riquezas : Primum locum obtinet bona valetudo, quartum opes. Donde se segue que se o médico der ao enfermo a saúde, e o enfermo ao médico todas as riquezas, menos recebe o médico que o enfermo."
do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas
-" Conta Isaías perfeitamente, que os pequenos se levantaram contra os grandes, e elegeram para governador do povo um homem, só porque tinha bom vestido para representar o cargo. Vestimentum tibi est ; princeps esto noster. E o tal homem que responderia ? Non sun medicus, et in domo mea nos est panis, nelite constituere me pricinpem populi. Respondeu que não era médico nem tinha pão em sua casa, e que por isso nem ele quer,nem é bem que eles queiram que seja governador do povo. Duas incoerências acho nesta resposta : a primeira, não querer o eleito ser governador do povo, porque não tem pão em sua casa. Antes, porque não tendes pão em vossa casa, por isso deveis aceitar o governo.Para quem governa, qualquer terra é mais fértil de pão que Sicília. Aceitai as provisões e logo tereis a vossa casa muito bem provida. Contudo este homem, quem quer que fosse, em não querer aceitar o governo, mostrou que no juízo era sisudo e na consciência, timorato. Porque os governos são para fazer bem com o pão próprio, e não para acrescentar os bens com o pão alheio. O mesmo Cristo o disse pela boca do nosso S:Lucas. Qui potestatem habent super eos, benefici vocantur. Os que têm poder sobre o povo, se governam como devem, são chamados benéficos, e este nome, benéfico, ainda que se deriva de bem não é dos bens que se recolhem, senão dos que se repartem. Bem disse logo aquele homem, posto que tumultuariamente eleito, quando à primeira objecção."
do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas
-" Se eu houvesse de fazer o anel ao médico, o metal do círculo não ahavia de ser ouro, senão electro ; e a pedra não havia de ser diamante, ou rubi, senão ametista. Porque ambos estes simples têm virtude de adivinhar e descobrir o veneno, ou por suor, ou por tremor, ou po outro efeito extraordinário de quem o tem no dedo, sendo o dedo anular o que tem maior correspondência com o coração. Os americanos, com serem bárbaros, deram em uma notável política, e foi, que debaixo do mesmo nome pajé ajuntaram o ofício de médico com o de feiticeiro,entendendo que só quem souber adivinhar, pode curarcom acerto. Com a mesma prudência ou astúcia (não sei se antes, se depois) as egípcios na Àfrica, os gregos na Europa, e os brâmanes na Ásia uniram a ciência mágicacom a médica, para que o que não podia alcançar a medicina conjecturando, suprisse a magia adivinhando."
do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas
-" E se alguem me pergunrar poque razão ou dificuldade necessita a perfeita medicina de tanta luz e tantas luzes eantre todas as outras ciências ? A razão , de que não se pode duvidar, é por ser a medicina ciência conjecrural, que cura o que não vê, e nesta conjectura não só se pode enganar o discurso, mas até a mesma experiência se engana, como confessou Hipócrates : Experimentum fallax. Arilstóteles disse que onde acaba a filosofia, ali começa a medicina. E quâo subtil e alumiado há-de ser o entendimento, que penetre um caos tão oculto e tão escuro como o interior do corpo humano ? Baldo, depois de estudar a medicina, experimentando que não acertava a curar umas maleitas, passou ao geral da leis, e foi na jurisprudência tão eminente, que se pôs ombro por ombro com Bártolo. Tanto mais necessita de luz uma ciência, que a outra ! O jurista, para dar ou tirar a vida a um homem, vê as leis, e vê os autos ; o médico vê as leis, mas dos autos não se lhe dá vista." .
do p.A.Vieira - no sermão de S. Lucas
.- " A prova e a razão é, porque em todas as quatro partes do mundo crIou Deus, para serviço e uso da medecina, vários antídotos, ou instrumentos medicinais, conforme as qualidades e enfermidades das mesmas terras. Os Romanos nas suas conquistas queixavam-se de que entre as novas riquezaas que de lá traziam, vinham também os contágiosde novos géneros de doenças, com que parece que os conquistados se vingavam dos seus mortos, matando também dentro em Roma os seus mesmos conquistadores. Nem é alheio deste pensamento, o com que , sendo el-rei D.Manuel o fundador ou amplificador dos hospitais de Lisboa, se dizia dele, que justamente fabricava os hospitais, quem com as suasconquistas acrescentava os enfermos. Mas nesta mesma experiência se vê e reconhece mais claramente o altíssimo conselho da Providência Divina, pois são muitos mais os novos e esquisitos remédios, que das mesmasconquistas se descobriram, ainda contra as anatigas enfermidades, do que requerem as novas."
do p. A. Vieira - no sermao de São Lucas
-" Uma das maiores maravilhas do Providência e Sabedoria divina, ou, por falar mais ao certo, a maior de todas, foi conquiatar e sujeitar Cristo o mundo com tão poncos homens , tirados pela maior parte da barca de do remo. De pescadores de peixes vos farei (disse) pescadores de homens. mas de que modo, ou com que artifício? Trocando-lhes os instrumentos de tal sorte, que assim como no mar pescavam os peixes, matando-os, assim na terra pescassem os homens com lhes dar vida. Este cevo da vida, que é o mais sabororso, o mais útil, e o mais precioso na aestimação de todos os mortais, é o que volunária e espontaneamente os rendeu todos à abedência de Cristo, e ao jugo, só por isso mais suave, da sua Lei. Os homens só conheciam por experiência uma vida, que é a temporal; e a outra, que é a imortal e eterna, só a tinham os mais repúblicos por necessária politicamente à opinião do vulgo, mas verdadeiramente por falsa e fabulosa."
do p.A.Vieira - no serma de S.Lucas
-"Foi S.Lucas evangelista, foi pintor, foi medico. Admiravel, quando com tres dedos tomava a pena como evgangelista; admiravel, quando com tres dedos tomava o pincel como pintor; admiravel, quando com tres dedos tomava o pulso como medico."
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
do p. A. Vieira - no sermão de Santa Teresa
-" Há dinheiro para o apetite, há dinheiro para a vaidade, há dinheiro para a vingança, há dinheiro para o jogo, há dinheiro para a peita; mas não há dinherito para a restituição, não há dinhero para a esmola, não há dinheiro para as capelas e obrigação do morgado, não há dinheiro para o legados e satisfação do testamento, e quando não queremos o Céu de graça, para comprarmos a peso de ouro o Inferno, não falta dinheiro."
do p. A. Vieira - no sermão de Santa Teresa
-" Quantas vezes nos dão bons conselhos os pais? Quantas vezes nos dão bons conselhos os amigos? Quantas vezes nos dão bons conselhos os livros? Quanta vezes nos dão bons comselhos os anjos da guarda por meio das inspirações? Quantas vezes nos dão bons conselhos os exemplos, as castigos, e os casos tão raros e portentosos que vemos suceder no mundo, para que escarmentemos em cabeça alheia; e nós contudo tão loucos e tão desaconselhados? Vede se somos mais néscios que as nésclias!"
do p. A. Vieira - no sermão de Santa Teresa
-" E os homens ordinariamente a quem saem? Uns saem só a sair, que é perder tempo, outros saem a ver e ser vistos, que é perder as almas próprias e as alheias, outros saem a jogar , a pleitear, a murmurar, que é perder o dinherito, a fama e a consciência; e ainda quando saem à igreja, que é menos vezes, saem a ofender e injuriar a Deus em sua própria casa . Vede se somos nós os néscios mais que as néscias."
do p. A. Vieira - no sermão de Santa Teresa
- " Se vós entrais no perigo por amor da cobiça, quem vos há-de guardar? A cobiça? Se vós entrais no perigo por amor da soberba, quem vos há-de guardar? A soberba? Se vós entrais no perigo por amor do amor, quem vos há-de guardar? O amor profano e cego? Entrai vós nos perigos por amor de Deus e do próximo, vereis como Deus vos livra, e vos segura neles."
do p. A. Vieira - no sermão de Santa Teresa
- " Sitiada pelo exército de Holofernes a cidade de Betúlia, tomados e quehrados os canais, e divertidas as fontes de que bebiam, estavam já desmaiados todos e determinados a se entregar ao inimigo, por não perecer à sede: quando Judite, não podendo sofrer a entrega e cativeiro da sua pátria, se deliberou ao mais raro pensamento que pudera caber em um homem atrevido e denodado, quanto mais em uma mulher e santa. Despe o cilício de que estava toda coberta, enxuga os olhos das lágrimas com que orava ao Céu, manda vir cheiros, jóias, galas, espelho: veste, compõe, enriquece, esmalta: os cabelos, a garganta, o peito, as mãos, os braços, e até os pés, não de todo cobertos (que assim o nota a Escritura) e feita Judite um tesouro da cobiça, um pasmo da formosura, e mil laços do apetite, sai confiada pelas portas da cidade, salta o fosso, passa as sentinelas,entra pelo exército inimigo, e vai direita à mesma tenda de Holofernes. Bravas acções de mulher, mas mais bravos ainda os pensamentos! Os seus intentos eram (como refere a mesma Judite no Texto) que Holofernes com seus prórios olhos se cativasse de sua formosura, e que ela com palavras discretas e amorosas o prendesse mais, para que assim preso e cativo, lhe metesse a ocasião os cabelos do tirano em uma mão, e a espada na outra, com que lhe cortasse a vida."
domingo, 21 de novembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Teresa
-" Todos os homens neste mundo vivemos com duas ignorâncias; a primeira , Da morte, a segunda, da predestinação. Todos sabemos que havemos de morrer, mas ninguém sabe o quando. Todos sabemos que nos havemos de salvar, ou condenar; mas ninguém sabe qual destas duas há-de ser. E porque ordenou Deus que a morte fosse incerta, e a predestinação duvidosa? Não pudera Deus fazer que soubéssemos todos quando haviamos de morrer, e se éramos ou não predestinados? Claro está que sim: mas ordenou com suma providência, que estivéssemos sempre incertos da morte, e duvidosos da predestinação; para que a morte nos suspendesse sempre o temor com a incerteza, e a predestinação nos sustentasse a perseverança com a dúvida. Se os homens souberam quanto haviam de viver, e quando haviam de morrer, que seria dos homens? Se eu sabendo que posso morrer hoje, me atrevo a ofender a Deus hoje; quem soubesse que havias de viver quarenta anos, como não ofenderia confiadamente a Deus, ao menos os trinta e nove? Por esta causa ordenou Deus que a morte fosse incerta: e pela mesma, que a predestinação fosse duvidosa. Se os homens soubessem que eram precitos, como desesperados haviam-se de precipitar mais nas maldades: se soubessem que eram predestinados, com seguros, haviam-se de descuidar na vlutude: pois para que os maus sejam menos maus, e os bons perseverem em ser bons, nem os maus saibam que são precitos, nem os bons saibam que são predestinados. Não saibam os maus que são precitos, para que não se despenhem como desesperados; nem saibam os bons que são predestinados, para que se não descuidem como seguros."
do p.A.Vieira - no semão de Santa Teresa
" ...porque quando um recebe tanto como todos, ainda que a medida é igual, a inveja é maior. Muitos comentos tenho lido desta cláusula, e muitos sentidos deste enigma de Salviano; mas nenhum que satisfaça. Porque para haver inveja, há-de haver desigualdade, e sendo a medida do que se dá igual, como pode haver inveja? Na distribuição do maná nenhum tinha inveja, porque aquela medida, chamada gomor, tão cheia se dava a uma como ao outro: logo, se cá também a medida é igual: Por mensura: como pode ser maior a inveja: Maior invídia est? Porque no maná tanto levava um como o outro, mas não tanto um como todos: porém no Sacramento, como tanto recebe um como todos e tanto todos como um, bem pode haver inveja, e grande inveja, não pela desigualdade do Sacramento, onde a não há, senão pela desigualdade do número, que é a maior que pode haver. Quando um só recebe tanto como todos, como não hão-se ter inveja todos àquele um? Se no Céu pudera haver inveja, e lá se soubesse que o Céu que Cristo fez por amor de todos os bem-aventurados, o faria só por amor de Teresa, não seria bastante ocasião de inveja esta grande diferença? Pois o mesmo passa no Sacramento. Antes digo, que assim como da parte de todos em respeito de um pode ser inveja, assim da parte de um em respeito de todos pudera ser soberba. Que faça tanto Deus por mim só, como por todos? Ele me tenha de sua mão, para que tamanho favor me não ensoberbeça. Aqui, e neste ponto de tão verdadeira honra, quisera eu que a nossa soberba se esmerasse; mas é ela tão vã e tão vil, que igualando-nos Deus na sua estimação com todos, o mesmo Deus na nossa estimação é menos que tudo."
do p.A.Vieira- no sermão de Santa Teresa
-" É semelhante o Reino do Céu a dez virgens, cinco prudentes, e cinco néscias, diz Cristo numa parábola. E por ser parábola faz não pequena dificuldade a igualdade destes números. O autor, que faz ou inventa uma parábola, assim como tem liberdade para a dispor e historiar como lhe importa a seu intento , assim tem também obrigação de a deduzir em termos prováveis, e àquilo que é verosímil, e costuma acontecer comummente. Suposto isto, parece que não haviam de ser tantas as prudentes como as néscias. Não andara mal governado, nem fora tão louco o mundo, se de cada dez mulheres se pagara o dízimo à prudência.Homens eram aqueles dez leprosos que Cristo sarou; e porque só um lhe veio dar as graças, perguntou onde estavam os nove: Et novem ubi sunt? E se em dez homens se acham nove ingratos, como não seria mais verosímil, que em dez mulheres se achassem nove néscias? Não há dúvida que, segundo a condição humana, este número era o mais próprio; e também, segundo o intento de Cristo, que era a consideração dos muitos que se condenam. Pois porque não introduz o Divino Mestre nesta parábola nove virgens que fossem néscias, e uma só que fosse prudente? Porque assim como as néscias que ficaram de fora, significam as almas que se condenam, assim as prudentes que entraram às bodas, representam as que se salvam, e vão ao Céu. E no caso em que se introduzisse uma só prudente, não era, nem podia ser verosímil, que Cristo fizesse o Céu para uma só. Por isso, fazendo a história menos verosímil, para que fosse mais verosímil a significação não introduziu nela uma só prudente, senão muitas: Et quinque prudentes."
do p.A.Vieira - no sermão de Santa Teresa
-" ...mandou o rei os seus soldados e foram: agora chamou os seus convidados e não vieram. Eu lhes perdoo a descortesia pelo exemplo. Se os vassalos hão-de faltar ao príncipe, antes seja na mesa que na campanha. Vendo o rei que os convidados não queriam vir, mandou segundo recado, mas por outros criados, e não pelos mesmos: Misit alios servos. Não é nova razão de estado nos reis, para melhorar vontades, mudar ministros. Mas a razão que aqui teve o rei, a meu ver, foi ainda mais fácil e mais achada. Mandou a segunda vez outros criados, porque é bem que se reparta o trabalho, e que vão todos. Se os segundos descansaram, enquanto foram os primeiros, bem é que descansem os primeiros, e que vão agora os segundos. Assim que, mudar o rei os criados, não é condenar os talentos, é repartir os trabalhos. Se os primeiros tiveram ruim sucesso, não o tiveram melhor os segundos, que nem sempre com a mudança se consegue a melhoria. Os primeiros acharam más vontades : Notebant venire: os segundos experimentaram más obras: Occidrunt eos. Quer dizer, que foram tão descomedidos alguns dos convidados, que não só afrontaram de palavra aos criados do rei, mas chegaram a lhe pôr as mãos e tirar as vidas. Há maior ingratidão? Há maior descortesia? Há maior atrevimento de vassalos? Que faria o rei neste caso? Diz o Texto, que mandou logo seus exércitos a executar um exemplar castigo não só nas pessoas, ou corpos dos rebeldes, senão na mesma cidade, onde viviam, da qual não ficaram mais que as cinzas, para memória ou esquecimento eterno de tal ousadia. Assim o fez o rei, e assim o hâo-de fazer os reis. Quem hoje se atreveu ao criado, amanhã se atreverá ao senhor."
do p.A.Vieira - no sermão das chagas de Sâo Francisco
-" Que aliviado andara o mundo, e que bem governado, se cada um se contentara com levar a sua cruz! Se Deus vos cortou a vossa cruz pela medida dos vossos ombros, para que quereis tomar outras, com que pode ser que não possais? Mas é engano natural este, com que nascemos, que sempre ou as cruzes alheias nos parecem as mais leves, ou os ombros próprios os mais robustos. Assaz fará cada um em levar a sua cruz, sem cansar, nem cair. Cristo houve mister quem O ajudasse a levar a sua; e nós cuidamos que podemos levar as nossas, e mais as alheias! A causa cuido eu que é porque olhamos para os títulos das cruzes, e não para o peso delas. Pois crede-me, que as que parecem mais para cobiçar, são as que têm mais que temer. Não vedes que as mais preciosas são as mais pesadas?
do p.A.Vieira - no sermão da exaltação de Santa Cruz
-"Ao próximo diz Cristo que tratemos como a nós mesmos; e a nós, que nos tratemos como se não fôramos nós. Nestes dous pontos se encerra toda a perfeição evangélica. Aos outros , como se fôra eu; a mim, como se eu fôra outro. E que vida tão descansada fôra a nossa, se assim vivêramos! Que fácil fôra a paciência nas injúrias! Que igual a conformidade nos trabalhos! Que moderado o apetite nas pretensões! Que comedido o desejo nos afectos! Enfim, que senhores fôramos de nós mesmos e da fortuna! Mas porque não nos despegamos de nós, vimos a andar pegados a tudo; e por isso nos embaraça tudo. Negar-se a si mesmo, dizem que é a maior fineza; e não sei eu comodidade maior: dizem que é o maior acto de amor a Deus, e eu o tenho pela maior destreza do amor-próprio. Só se sabe querer bem, quem se sabe livrar de si."
do p.A.Vieira - no sermão da exaltação de Santa Cruz
-"Antes digo que chegam os obséquios da obediência em créditos da verdade, onde chegaram os erros da idolatria em descréditos dela. A idolatria chegou a conhecer divindade nos ventos, plantas e animais : e a obediência dos religiosos em um espinheiro, e em uma tempestade chega a reconhecer a Deus em sua voz."
sábado, 20 de novembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão da exaltação de Santa Cruz
-" O maior tirano que ha no mundo, ´´e a vontade de cada um de n´´os. Os tiranod atormentam por fora, este tirano aflige por dentro. Daqui se argui que Deus quando quer dar um castigo, entrega a um homem nas maos da sua propria vontade ; por isso lhe deu por castigo, que fizessem a sua. De sorte que ´´e maior mal estar sujeito aos apetites da vontade propria, que aos imp´´erios da vontade alheia : pois quando a culpa ´´e nao querer obedecer ``a vontade alheia, da-se-lhe por castigo fazer a propria. Veja agora o mundo , qual ´´e mais rigorosa cruz, se estar sujeito ``a vontade propria, ou ``a vontade alheia. Mas ainda que uma destas vontades seja mais tirana que a outra, nao ha duvida, que ambas molestam : a propria por dentro, a alheia por fora. Porem a cruz da Religiao, ´´e tao suave, que de ambas as cousas livra ao relligioso."
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão da exaltação de Santa Cruz
-" A outra razão é : porque ainda que as religiosas falam, falam com licença ; e para os que sabemos que cousa é Religião, é certo que mais custa a licença, que o silêncio. E a razão é clara : por que o silêncio é calar e a licença é pedir ; e muito mais custa abrir a boca para pedir, que fechá-la para calar. Entrou o rei da parábolado Evangelho a ver os convidados, e achou um à mesa sem a vestidura de festa : mandou que o prendessem, e levassem logo a um cárcere escuro, donde os condenados saíam a justiçar : Ligatis manibus, et pedibus, mittite eum in tenebras exteriotes. Que faria o miserável neste caso ? Diz o Texto que emudecera : At ille obmutuit.Pois, homem mal entendido, que fazes ? Porque não te prostras de joelhos aos pés do rei ? Porque não lhe pedes perdão ? Estte rei não é como Herodes, que corta cabeças em dia de convites. Pois se é rei piedoso, porque não pedes ? Porque emudeces ? Emudeceu, porque não se atreveu a pedir. De maneira que, posto um homem entre a morte e a vida, entre o calar e o pedir, antes quiz calar com certeza da morte, que pedir com interesse da vida. Logo bem digo eu, que por todas as razões é mais penoso nas religiosas o falar, que o ñão falar, e por esta circunstância, em ânimos pouco atrevidos, mostra ser mais rigorosa a cruz da Religião, que a cruz de Cristo."
do p.A.Vieira - no sermão da degolação de S.João Baptista--
-" Assim como o torpe pode ser torpe sem ser adúltero, assim o cobiçoso pode ser cobiçoso, sem ser ladrão : mas quando chega a ser ladrão logo juntamente é adúltero : e porquê ? Porque assim o furto, como o adultério, têm por objecto o alheio : o adultério, a mulher alheia ; o furto, a fazenda alheia ; e assim como o tomar a mulher alheia é adultério da torpeza, assim o tomar a fazenda alheia é o adultério da cobiça."
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão da degolação de S.João Baptista
- " Propos-se em outro convite, que refere Esdras, aquela famosa uestao, qual era a cousa mais poderosa do mundo ; e uns filosofos disseram que a mulher, outros que o vinho. Nao me detenho nas razoes de cada um, mas so reparo na discrepancia dos extremos, e na concordia dos votos. Em que simbolizam o vinho e a mulher, para se atribuir a ambos o maior poder? Simbolizam, disseram os mesmos filodofos, em que o vinho e a mulher, ambos rendem o dominio de tal sorte aos homens, que lhes tiram o juizo. Adao, o primeiro pai do genero humano, e Noe, o segundo, ambos perderam o juizo : e quem lho tirou? Ao primeiro a mulher, ao segundo o vinho. E assim como o vinho para tirar o juizo a um homem, nao importa que sea da sua vinha, ou da vinha do outro ; assim tambem a mulher, tanto lhe pode tirar o juizo a alheia, como a propria. Demos a Adao outro companheiro. Perdeu Adao o juizo, perdeu o mundo : e por quem ? Por amor de Eva. Perdeu David o juizo, e perdeu o reino : por quem ? Por amor de Besabe. Betsabe era mulher alheia, Eva era mulher propria. Mas que iimportou que uma fosse propria e outra alheia, se ambas perderam a ambos ?" .
´´a~~a
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do p.A.Vieira - no sermão da degolação de S.João Baptista
-" Nesta grande tragedia do maior dos nascidos fazem o primeiro e segundo papel dous homens, que tambem nasceram grandes : um Herodes, outro Filipe : um rei, outro seu urmao : um sem honra, outro sem consciencia; um casado, mas sem mulher ; outro com mulher, mas nao casado. E de toda esta violencia, de todo este escandalo, de todo este vituperio de um e outro, nao foram duas mulheres a causa, sanao uma so e a mesma, a infame Herodias. A tanto se atreve um amor poderoso, a tanto se delibera uma ambiçao impotente. Era Herodias no mesmo tempo mulher de Filipe propria, e de Herodes alheia ; ambos por ela infelizes, ambos por ela afrontados, ambos por ela em diverso modo perdidos. Nesta historia se funda o meu problema, como o de Sansao na sua, e sera este : Quais mulheres sao mais perniciosas aos homens, se as proprias, ou as alheias? Se as proprias como Herodias era de Filipe, ou as alheias, como a mesma Herodias era ou nao era de Herodes? Ja sabeis que quem disputa problemas nao tem obrigaçao de os resolver. E porque cada um deve seguir a parte que mais lhe contentar, todos devem atençao a ambas."
terça-feira, 16 de novembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermão da degolação de S.João Baptista
-" Uso foi dos antrigos Hebreus (de quem o tomaram os Gentios mais sábios, Gregos e Romanos, e sem perigo da Fé, antes com louvor dos costumes o deveram imitar os Cristãos) uso foi, digo, nos famosos convites, não só saborearem as mesas com pratos regalados e esquisitos, mas também com problemas discretos e proveitosos. Lembravam-se aqueles homens que eram racionais e parecia-lhes cousa indigna de uma natureza tão nobre, que ficassem em jejum as potências da alma, quando tanto se estudava e despendia em dar pasto e delícias aos sentidos do corpo. Entre outros exemplos deste célebre costume (muito antes de Salomão compor para ele as suas Parábolas) temos o das bodas de Sansão, o qual com mome de problema, propôs na mesa aos convidados o enigma da sua vitória, dizendo : Proponam vobis problema.". O mesmo digo eu, e farei hoje. Temos à mesa el-rei Herodes com os grandes da sua corte ; e assim como Herodes tomou por sua conta pôr nela o mais esquisito prato, eu quero que que corra pela minha propor o mais proveitoso problema. O prato foi a cabeça de Baptista : o problema não será indigno de que o mesmo Bptista o pregasse."
do p.A.Vieira - no sermao de santo Agostinho
-" Estas, que no segundo lugar chama David ignorâncias, são as mesmas que no primeiro chama pecados : e a razão de chamar ignorâncias aos pecados, é porque queria livrar e desculpar os pecados com o nome de ignorâncias ; mas parece que não havia de ser, nem dizer assim. As ignorâncias são defeitos do entendimento, os pecados defeitos da vontade ; e havendo de desculpar um defeito com outro defeito, parece que o havia de carregar antes sobre a potência menos nobre, que é a vontade, e não sobre a mais nobre, que é o entendimento. Assim o havia de fazer David, se falara e entendera como homem ; mas falava e entendia como santo. Os santos, como conhecem a graveza e malícia do pecado, e quanto mais feios são os defeitos da vontade, que os do entendimento, mais se pejam de ser maus, que de ser mal entendidos ; e antes querem parecer ignorantes, que pecadores."
do p.A.Vieira - no sermao de santo Agostinho
-" No erro secreto em que se não perde a honra, facilmente se sujeita a própria opinião à verdade ; mas no público e censurado, em que a honra se perde, ou ela defende o erro, ou o erro a defende a ela contra a mesma verdade conhecida."
do p.A.Vieira - no sermao de santo Agostinho
-" A ciência dos erros alheios é fácil se se examinam sem ódio, nem interesse ; a dos erros próprios é muito dufícil, poque sempre os julgamos subornados do próprio amor. Os alheios conhecemo-los com o juízo livre, os próprios com o entendimento cativo : os alheios vemo-los como juízes, os próprios como namorados."
do p.A.Vieira - no sermao de santo Agostinho
-" Os erros e as aignorâncias, é certo que são muitos mais que as ciências, porque para saber e acertar, não há mais que um caminho, e para errar, infinitos. Mas esses mesmos caminhos errados e de errar, esses mesmos erros e ignorâncias, para que as estuda e quer saber Salomão ? Não lhe bastavam as ciências e tão consumadas ciêcias? Não. Porque a Salomão fê-lo Deus o maior Doutor da Igreja antiga: e não só lhe era necessário saber as ciências, senão também os erros e as ignorâncias: as ciências para ensinar a saber, os erros para ensinar a não errar : as cilências para as provar e estabelecer, os erros para os refutar e confundir. E isto é o que Salomão fez em todo aquele admirável livro, o qual intitulou Eclesiastes, que quer dizer-- o Doutor."
terça-feira, 9 de novembro de 2010
do p.A.Vieira - no sermao de santo Agostinho
-" A ´´aguia, como diz Aristoteles, e se sabe vulgarmente, depois que lhe nascem os filhos, e lhe d´´a a primeira criaç~~ao indistintamente, tira-os do ninho, suspende-os nas unhas, examina-os um por um aos raios do Sol: se olham de fito em fito para o Sol sem pestanejar, reconhece-os e conserva-os como filhos proprios; mas se fecham ou afastam os olhos, e n~~ao sofrem toda a luz, repudia-os e lança-os de si como adulterinos.Assim fez a nossa Aguia com todos os seus livros, com todas as suas resoluçoes, e com todos os seus ditos e pensamentos. Examinou-os aos raios do sol da verdade severissimamente: dos que achou conformes, firmes e constantes, reconheceu-os por proprios; aqueles porem, em que descobriu alguma fraqueza, ou menos conformidade, retractou-os, e condenou-os como nao seus. O dito bastava para a propriedade deste segundo e maior misterio. Mas eu passo adiante e pergunto: no exame e prova que faz de seus filhos a aguia, quais ficam mais examinados, e mais qualificados, os olhos da mae ou os olhos dos filhos? Nao ha duvida, que os olhos da mae; porque os olhos dos filhos nao se cegaram com o sol, os olhos da mae nao se cegaram com os filhos. Nao se cegaram os filhos com o sol, isso ´´e serem aguias; mas nao se cegar a aguia com os filhos, isso ´´e ser mae sem amor de mae.
do p.A.Vieira - no sermao de santo Agostinho
-" A todos os autores, diz Ambrosio, enganam os seus escritos, e ainda que tenham erros, s´´o eles os n~~ao v^^em. E a raz~~ao desta cegueira, ´´e porque s~~ao parcos no seu entendimento. E assim como os filhos, posto que sejam feios, agradam a seus pais, e lhe parecem formosos, assim os escritos de cada um, por imperfeitos, errados e mal compostos que sejam,naturalmente lisojeiam a seus autores, e lhe parecem bem, porque se parecem com eles."
do p.A.Vieira - np sermao de santo Agostinho
-"Assim como ´´e natural a todo o homem encobrir o seu pecado, assim ´´e natural a todo o s´´abio sustentar e n~~ao se desdizer do seu erro, e tanto mais, quanto for mais s'abio."
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