segunda-feira, 30 de maio de 2011
do p.A.Vieira - no sermão decimo segundo
: "Aquela catastrofe admiravel que os profetas prometeram ao mundo renovado, quando as lanças se convertessem em arados para cultivar a terra, e as espadas em fouces para segar e recolher os frutos, nenhuma outra cousa significa aos homens de maior alvoroço e gosto, que a alegre e desejada paz depois da triste, comprida e detestada guerra. Destes antiquissimos e sagrados exemplares tomaram a mesma metafora, e a prosseguiram elegantissimamente assim os poetas gregos, como os latinos, entre os quais Alciato ( admitido ja´pelos mais severos juizos ao colegio do Parnaso) engenhosa, militar e politicamente adiantou assim o mesmo pensamento. Pintou em enxame de abelhas que no oco de um capacete fabricavam os seus favos e por titulo deste emblema: Ex bello pax . A letra diz, como diziamos, que da guerra nasce a paz e o corpo da pintura a nenhuma paz ou guerra se pode aplicar com maior propriedade, qual `a do Brasil. Os favos, sao os doces frutos desta terra singular entra todas as do mundo pela bençao de doçura com que Deus a enriqueceu: In benectionibus dulcedinis : as abelhas pela maior parte da Etiopia sao os fabricadores dos copiosos favos, que carregam todos os anos tao opulentas e numerosas frotas; e o capacete, nem usado ja´, nem guardado para outras ocasioes, e´ o sinal de paz segura, perpetua, e sem receio, qual foi o reinado de Salomao e a que depois de tantas guerras prometeu Deus nele a seu pai David."
do p.A.Vieira - no sermão decimo segundo
"Nao e´ o mesmo o fim de todas as guerras. Uma move a vaidade, outra a cobiça, outra a justiça e necessidade. A que move a vaidade, tem por fim o triunfo; a que move a cobiça, tem por fim o despojo; a que move a justiça, ou e´ movida da necessidade, tem por fim a paz: e tal e´ a nossa: Pacem dober habere voluntas, bellum necessitas, diz Santo Agostinho.
do p.A.Vieira - no sermão decimo segundo
"A paz ha´-de ser sempre voluntaria e a guerra forçada: so´ a necessidade ha´-de obrigar `a guerra , mas a vontade sempre ha´-de desejar a paz. Ja´ antes o tinha dito Marco Tulio, tao filosofo como republico, e tao republico como eloquente. A guerra, diz, tomada por temeridade, e´ dos brutos; a forçada, e por necessidade, dos homens. Como homens, pelejamos pela conservaçao da paz, e nao pela ambiçao da vitoria; como justos, so´ pretendemos defender o priprio, e nao conquistar o alheio; como soldados, so´ tomamos as armas contra as armas, e se pode dizer com mais verdade dos nossos o que Roma cantava dos seus: Sola gerat miles, quibus arma coerceat, arma. Sendo pois tao justificada, tao racional e tao inocente a nossa guerra; e sendo a paz filha legitima da guerra, so´ quando a guerra e´ legitima, como foram as de David, muita razao tinhamos por certo, nao so´ de desejar, mas de esperar, que dela, como a de Salomao, nascesse tambem a nossa paz. A guerra nove anos ha´ ja´ que a padecemos, tempo e numero bastante par que dela nascesse este suspirado parto: do qual porem ate´ agora nao temos outros sinais mais que as dores."
domingo, 29 de maio de 2011
do p.A.Vieira - no sermão decimo segundo
"Porque foi David o pai, e Salomao o filho? Porque reinou primeiro David, e Salomao depois? Nao pudera David suceder a Salomao, assim como Salomao sucedeu a David? Segundo a ordem da natureza,siim, pudera: segundo a significaçao do misterio, nao. O reinado de David todo foi inquieto e perturbado com guerras e infestado de inimigos. O de Salomao,como ele mesmo diz, nao teve inimigo que o9 inquietasse: Non est Satan, neque; occursus malus; todo foi sossegado e opulento na mais alta e deleitosa paz. Isto mesmo trouxeram escrito no fado de seus nascimentos, ou no prognostico e profecia dos nomes um e outro rei: David quer dizer: Manu fortis: Salomao: Pacificus. Gerou pois o rei guerreiro ao pacifico, e o pacifico sucedeu ao guerreiro; porque a paz e´ filha da guerra, e ´a guerra sucede a paz. Muito e´ que de uma mae tao feia e tao descomposta, nasça uma filha tao formosa, e tao modesta? Mas por isso os Antigos chamaram `a guerra, bellum, nao por ironia ou antifrase, como muitos cuidam, senao porque da guerra nasce a bela paz."
do p.A.Vieira - no sermão decimo
"Mas a protervia e obstinaçao heretica, nem com a paciencia se abranda, nem com o castigo se emenda."
do p.A.Vieira - no sermão decimo
"Porque cada um pede conforme espera, e cada um espera conforme cre^."
do p.A.Vieira - no sermão decimo
"O ouvir e´ mais proprio de quem aprende, e o perguntar de quem duvida, ou ignora: daqui tomaram ocasiao muitos hereges para crer e ensinar que em Cristo podia haver ignorancia e erro. Assim o creram antigamente os gnosticos, os temistianos, os agnoitas, e assim o dogmatizaram em nossos tempos Lutero e Calvino, e o discipulo destes, e mestre de muitos outros, Beza."
do p.A.Vieira - no sermão decimo
"Os nescios, diz Deus, tem o coraçao na boca, e os sabios teem a boca no coraçao. Nao se pudera distinguir nem declarar melhor a diferença dos que oram de um e outro modo."
do p.A.Vieira - no sermão decimo
"E na duvida de dous coraçoes, eu antes quisera homens sem coraçao, que com dous, porque quem nao tem coraçao, nao tem afecto; e quem tem dous coraçoes, pode ter afectos encontrados. Quem nao rem afecto, nem obriga, nem ofende; quem tem os afectos encontrados, ofende e desfaz com um o que obriga com o outro."
do p.A.Vieira - no sermão decimo
" Voce sonant: entre o falar e o soar ha´ grande diferença. O falar e´ proprio e natural do homem; o soar (como balar e mugir) dos brutos. E e´ lastima grande, que o rezar e orar de muitos, por ser so´ de boca sem coraçao, seja tao alheio de todo o racional humano, que mais se pareça com o soar dos brutos, que com o falar dos homens."
do p.A.Vieira - no sermão decimo
"Quam multi sonant voce, et corde muti sunt: quantos ha´ que soam com a voz, mas com o coraçao estao mudos, diz Santo Agostinho.)
do p.A.Vieira - no sermão decimo
"E ainda que os coraçoes estejam nas maos, nem por isso as maos deixam de tocar as citaras: antes quando as maos e os coraçoes juntamente as tocam, so´entao sao as suas vozes agradaveis a Deus; porque desacompanhadas dos coraçoes e das maos , nem sao agradaveis, nem tem consonancia, nem sao vozes. Serao vozes para os ouvidos humanos, mas para os divinos nao sao oraçoes."
do p.A.Vieira - no sermão decimo
"Deus naquelas palavras (como tambem a Senhora do Rosario hoje) nao exorta a orar, mas ensina como se ha´-de orar. Supoe que se ora e reza com a boca, e acrescenta que ha´-de ser juntamente com o coraçao,k e mais com as maos; porque se o coraçao nao forma as oraçoes, e as maos as nao informam; se o coraçao as nao forma com os afectos, e as maos as nao informam com as obras; por mais que a boca de^ vozes, todas nos ouvidos de Deus sao mudas. Assim o profetizou David de todas as linguas engamosas: Muta fiant labia dolosa. Mas se as linguas engamosas tanto enganam, e tanto falam, e sao as que mais falam, e as melhor ouvidas; quando, ou onde, ou diante de quem se cumpre esta profecia de que serao mudas? As linguas engamosas de que fala o profeta, como depois veremos, sao as daqueles, cujo coraçao e cujas maos nao dizem com o que a lingua diz: e estas linguas por mais que falem, e po mais bem faladas que sejam para com Deus, a quem ningem engana, sao mudas. So´ o coraçao e as mais sao as que dao voz `a lingua, e lingua a` oraçao."
do p.A.Vieira - no sermão decimo
"Para inteligencia do que digo, havemos de supor com S.Paulo, que tudo o que sucedia, pela maior parte, ou se fazia no tempo dos Patriarcas, e da Lei escrita, era representaçao e figura do que depois havia de ser no tempo da Lei da Graça: Haec autem omnia in figura contingebant illis. Este e´ o principio fundamental por que a muitas cousas daquele tempo nao achamos a razao de se fazerem, antes parecem feitas contra toda a razao, ainda entre homens santos. E a razao de se lhe nao achar razao, e´ porque a razao da figura nao esta´ na figura, senao no figurado. Se vissemos que um pintor pintava um rei pastando entre os animais, e comendo feno; e outro com o braço esquerdo muito curto, e o direito muito comprido, parecer-nos-ia isto uma grande impropriedade. Mas se o pintor nos respondesse, que no primeiro retratava a Nabucodonosor, e no segundo a Artaxerxes, que pela desigualdade dos braços se nhamou Longimano; achariamos a razao da pintura, nao nos retratos, senao nos retratados."
sábado, 28 de maio de 2011
do p.A.Vieira - no sermão nono
"Vede quanta diferença vai de lavrar o mar ou a terra! O que lavra a terra, se lavra o vale, nao se lhe faz monte: se lavra o monte, nao se lhe faz vale. Este campo nao e´ assim. Vedes essa veiga, ou vargea tao estendida, vedes essa planicie imensa, tao quieta, e tao igual: pois nao vos fieis de sua quietaçao, nem de sua igualdade, porque debaixo dela estao escondidos grandes montes."
do p.A.Vieira - no sermão nono
"E se tanto horror causara´ aos que estarao em terra o sonido so´ de longe do bater e quebrar dos mares nas praias; qual sera´ no meio do mar, e dentro de quatro tabuas, ver bater a furia das ondas, nao so´ nos costados, mas quebrar com todo o peso dentro no mesmo navio? A cada golpe do mar se esta´ ali tragando a morte."
do p.A.Vieira - no sermão nono
"Tem ensinado a experiencia, que ainda na maior confusao das tempestades, guarda o mar tal ordem e tal medida nas ondas com que se avai enrolando, que repartidas de dez em dez, a decima e´ a que se levanta sobre todas com maior inchaçao, e cai com maior peso, e quebra com maior ruina."
do p.A.Vieira - no sermão nono
"Perdem-se os navios no mar, como as republicas na Terra. Nenhuma republica se perdeu subitamente, e de uma vez. O primeiro naufragio e´ o do governo, o segundo e ultimo o da republica."
do p.A.Vieira - no sermão nono
"Pois se o ceu claro, resplandecente e formoso, neste lugar em que nos achamos causa horror, que sera´ escuro, feio e coberto por toda a parte, ou envolto em nuvens espessas e negras, sem que de dia se veja o Sol, nem de noite estrela? Se o mar quieto e pacifico, ou encrespado somente de uma viraçao branda e galerna, e´ temeroso ; que sera´ assoprado furiosamente do maior peso e impeto dos ventos, levantando montes que sobem `as estrelas, e abrindo vales que descobrem as areias, e jogando a pela com uma nau do India, quanto mais com um lenho tao pequeno, como este nosso? E se em junho e julho, quando parece que os ventos dormem, e os mares descansam, nao ha´ hora nem momento seguro sobre um elemento, e debaixo de outro, ambos tao inconstantes; que se pode temer na entrada do inverno , quando todos os vapores recolhidos no verao se desatam em furias e tempestades?"
do p.A.Vieira - no sermão nono
"Chama-se o mar, mare, porque e´ amargoso: chama-se pontus, porque e´ incapaz de ponte: chama-se aequor quando esta´ igual e sereno: chama-se fretum, quando esta´ bravo e furioso, e como leao da´ bramidos. Nao e´ isto o que tememos,,e o que ameaçam os tempos? Sim. Ora vejamos como este mesmo mar, ou este mesmo monstro por virtude do Rosario, por mais que esteja bravo, amansa; por mais que esteja furioso, se enfreia: e por mais que solte bramidos, se cala; e aquela mesma boca voraz, com que quer comer os navios inteiros, e tem comido tantos, a cerra e emudece."
do p.A.Vieira - no sermão oitavo
"Porque meditar os anos da vida passada e´ o unico remedio para os tornar a viver. Chegado o rei `aquele ultimo e temeroso dia desejava o que todos desejam debalde, quando se veem nele. Desejava desandar, se pudesse, o caminho e os caminhos de toda a vida. Desejava toenar a viver os anos vividos e passados, para os viver de outro modo. Mas como esto era impossivel; ao menos, Senhor (dizia), ja´ que nao posso viver os meus anos, quero-os meditar e orar. Quero-os meditar, oferecer-vo-los meditados, que isso e´regogitabo tibi omnes annos meos: e quero orar, e pedir-vos perdao deles , que isso e´ in amaritudine animae meae. E quando ia para dizer: e assim morrerei, ilustrado com maior lume do Ceu disse: e assim viverei: Domine, si sic vivitur. Porque o cuidear deste modo, e´ viver; e o recuidar, reviver. Ele dizia: ja´ que nao posso reviver os meus anos, quero-os rcuidar, e o recuida-los era revive-los: Recovitabo tibi omnes annos meos: Domini si, sic vivitur."
do p.A.Vieira - no sermão oitavo
" E daqui se segue, que o tempo se resgata dando tempo por tempo, e dias por dias: tempo bem gastado, por tempo mal gastado, e dias bons, por dias maus. Mas como o tempo e os dias da vida sao incertos nos moços e nos velhos impossiveis, quem havera´ que tenha ou se possa prometer cabedal seguro para tao comprido resgate?
do p.A.Vieira - no sermão oitavo
"O fim para que a Igreja celebra os misterios da vida de Cristo, e da vida da Mae do mesmo Senhor, ambas santissimas e ferteis de divinos exemplos, e´ para que delas colhamos os frutos com que sustentemos as nossas almas: e para que o possamos fazer sazonada e pausadamente, sem que a mesma multidao e grandeza deles confunda e afogue a estreita capacidade de nossos entendimentos, antes va´ penetrando pouco a pouco a dureza e divertimento das vontades; nao so´ foram convenientes estes espaços intercalares, ou entremeios, em que a repetiçao, nao continuada, mas nova, de ano em ano, com a mesma novidade nos excite o fervor, e convide `a consideraçao dos mesmos misterios. Tal e´ o conselho e a razao da Igreja universal, tao alta e bem fundada como sua."
do p.A.Vieira - no sermão oitavo
"Nao vedes ( diz S. Isidoro Pelusiota) a ordem, a harmonia, e o compasso com que a natureza distribuiu os tempos aos frutos da terra, e os mesmos frutos aos tempos ? O janeiro e o fevereiro deu-os `as sementeiras e `as raizes; o março e o abril `as flores; o maio e o Junho aos frutos temporaos; o julho e o agosto `a sega e ao trigo; o setembro e o outubro `as vindimas; e o novembro e o dezembro aos frutos serodios, e mais duros. E porque repartiu assim a natureza os meses, uns frios, outros temperados, outros calmosos, e nao quis que os frutos crescessem, amadurecessem, e viessem sazonados todos juntamente? Nam si cuncta confestim ad vigorem suum pervenirent, profecto agrocolae industria ab temporis brevitatem, in angustias veniret. A razao e´ (responde o Santo) porque se os frutos viessem todos juntos, afogar-se-ia a industria dos lavradores, e impedindo-se uns aos outros, seria maior a perda, que a colheita. Na agricultura espiritual sucede o mesmo."
quinta-feira, 26 de maio de 2011
do p.A.Vieira - no sermão sétimo
"As quatro todas sobre que se move a carroça da sensualidade, são a abundância, a gula, a ociosidade, e a delícia. Os dous cavalos fortes e bem pensados que tiram por ela, um é o gosto do presente, outro o esquecimento do futuro. O cocheiro que os governa, é o apetite não só cego de seu nascimento, mas sobre isso com os olhos vendados. Não leva as rédeas na mão, porque aqueles cavalos não sofrem rédeas; e só se serve do açoute incessantemenbte, com que os esperta e incita a que corram a toda a fúria, a que se precipitem, a que se despenhem. Nesta carroça, pois, tão mal guiada, peleja, e por isso mesmo vence a sensualidade, e porque raramente é vencida, como diz Santo Agostinho, nela triunfa e triunfou sempre do mundo desde seu princípio."
do p.A.Vieira - no sermão sétimo
"Ningué cuide, diz Agostinho, que a torpeza é um só vício, uma só maldade, um só erro e uma só ignorância. Porquê? Porque é um vício que se opõe a toda a virtude: Nulla virtus; é uma maldade que destrói toda a bondade: Nulla bonitas : é um erro e ignorância que cega e escurece toda a sabedoria: Nulla sapientia: enfim, é um pecado em que dominam e reinam todos os pecados: Omnis enim perversitas in ea regnat."
do p.A.Vieira - no sermão sétimo
"Oa outros vícios podem andar separados uns dos outros, e ainda encontrados; porém o vício da torpeza, ou juntos em si, eu encadeados após s, sempre os traz todos consigo.
do p.A.Vieira - no sermão sétimo
"Salvarem-se os pregadores, e perderem-se os ouvintes; ou salvarem-se os ouvintes, e perderem-se os pregadores, casos são e desigualdades que podem ter acontecido muitas vezes no mundo. Mas assim como perderem-se os pregadores e os ouvintes seria a maior desgraça; salvarem-se uns e outros não será a maior felicidade que se pode desejar?:"
do p.A.Vieira - no sermão sexto
"O que considero por parte dos reis, e se não pode considerar sem grande dor, é o muito que perde Deus e o mundo, por falta de bons intentos nos que tudo podem. Se não sabem ser bons reis, saibam ao menos ser bons vassalos. Santifiquem as vontades e vidas alheias, se não se atrevem, nem têm valor para mortificar os apetites próprios. E circunstância digna de toda a admiração e reparo..."
do p.A.Vieira - no sermão sexto
"Que se pode colher de tal vida, de tal morte, e de tal salvação? Nem a vida é boa para o exemplo, nem a morte para o desengano, nem a salvação para a esperança.
do p.A.Vieira - no sermão sexto
"Quando os antigos cônsules de Roma, depois de levarem diante de si as varas, e as segures, tornavam a cultivar o seu campo, diz Plínio, que vendo-se a terra lavrar com arados laureados, respondia com mais copiosas novidades. O mesmo acontecia ao nosso lavrador coroado na cultura das suas terras. Com cada conta (que na língua latinaq se chama grana) ia semeando Rosários."
do p.A.Vieira - no sermão sexto
"O Rosário trazido e rezado é devoção, mas não rezado e trazido, é hipocrisia: Omnis hypocrita palliat sanctitatem in veste, quam non habet in mente: o hipócrita, diz S. Bernardo, traz a santidade no vestido, porque a não tem no espírito."
do p.A.Vieira - no sermão sexto
"Deus é todo-poderoso: e perguntam os filósofos, se pode Deus fazer tudo quanto pode? Uns negam, outros afirmam, e uns e outros se implicam. Porque depois de Deus fazer tudo o que pode, ou pode fazer mais alguma cousa ou não? Se não pode , deixou de ser Deus, porque não há Deus sem omnipotência. E se pode , segue-se que aquilo que fez , não era tudo"
do p.A.Vieira - no sermão sexto
"O dar a quem não serviu é liberalidade: mas o pagar a quem não serviu, é injustiça; porque a paga supõe serviço, assim como o prémio supõe merecimento. E se pagar a quem não serviu, é uma injustiça, pagar a quem deserviu e ofendeu, são duas, e não só é fazer, senão exceder o injusto."
quarta-feira, 25 de maio de 2011
do p.A.Vieira - no sermão quinto
"A este amigo, que é Deus, devemos-Lhe bater às portas sem cessar, e inquietá-Lo a todas as horas, não de dia só, senão também de noite, e ser-Lhe por este modo tão molestos, que cheguemos a ser julgados por importunos: Sed non hujus importunitatis vereamur offensam, quia haec apud Dominum importunitas opportuna est: não receemos, porém, que nesta nossa importunação Deus se haja de ofender, porque o que entre os homens se chama importunação para com Deus é oportunidade. Oportunidade de pedir, oportunidade de alcançar; oportunidade de ser melhor e mais gratamente ouvido. E a razão por que Deus se agrada tanto de ser assim importunado, é porque a importunação no pedir, é perseverança no orar; e na oração, como em todas as outras virtudes, nenhuma cousa mais agrada a Deus que a perseverança."
do p.A.Vieira - no sermão quinto
"Veio, um homem à meia noite bater à porta de um seu amigo, e pediu-lhe que lhe emprestasse três pães, porque àquela hora lhe tinha chegado a casa um hóspede, e não tinha com que o agasalhar. O amigo parece que era mais amigo do seu descanso e da sua comodidade; e respondeu que estava já recolhido com toda sua família, que não eram aquilo horas de a inquietar, que se fosse embora. Bastante ocasião era esta, para que o que pedia os pães desconfiasse, e se fosse, e se acabasse também a amizade; mas não o fez assim; sinal de que uma eram verdadeiramente amigos. Tornou a bater e instar, uma e outra vez, até que o de dentro, diz Cristo, não tanto por amigo, quanto por importunado, lhe deu o que pedia: e assim haveis de fazer vós quando orardes, e pedirdes o que vos for necessário, a Deus."
do p.A.Vieira - no sermão quinto
"Pedir e tornar a pedir uma vez e muitas, chama-se entre os homens importunação; mas é próprio da liberalidade de Deus,sendo liberalíssimo, querer-se importunar."
do p.A.Vieira - no sermão quinto
"O leão mais soberbo, mais fero, mais indómito, e mais imperioso, criado e coroado entre os monstros da Líbia, é o alvedrio do homem: tão soberbo e tão senhor, que até ao mesmo Deus, como Faraó, pode dizer, não quero; mas esta soberba quem a humilha, esta fereza quem a domestica, este senhorio quem o sujeita? A companhia da graça. A graça, como ovelha mansa, lhe tempera a fúria; a graça, como ovelha humilde, lhe modera os brios; a graça, como ovelha sujeita, lhe abate os espíritos; a graça, como ovelha obediente, o faz obedecer, e tomar o jugo."
do p.A.Vieira - no sermão quinto
"Se na maior abunDância de tudo não pôde sofrer um homem que lhe fosse vedada uma fruta; quem haverá que respeite a proibição das leis na falta de tudo, contra a duríssima lei da necessidade? Se onde não havia meu e teu, e ambos eram meeiros nos mesmos bens, sem pleito, sem emulação, sem discórdia, ambos se privaram deles; quem se poderá conservar na sua fortuna contra a inveja, contra o poder, contra a injustiça? E se de todos estes males foi causa o amor, e amor lícito; que fará o ilícito, o profano, o cego: ou o ódio, a ira, a impaciêndia, a vingança.?"
do p.A.Vieira - no sermão quinto
"Aquele supremo Senhor, que quando pôs o homem no Paraíso, pôs ao homem o preceito; esse mesmo nos diz hoje que se guardarmos seus preceitos, nos dará a bem-aventurança do Paraíso."
do p.A.Vieira - no sermão quarto
"Até nas matérias da virtude há espiritos teimosos, que não querem ir ao Céu senão pelo seu caminho, nem fazer a vontade de Deus, senão pelos ditames ou apetites da sua."
do p.A.Vieira - no sermão quarto
-"Quem pede o que Deus manda, e o que Deus promete, impossível é que não alcance o que pede."
do p.A.Vieira - no sermão quarto
"E nas sete petições do padre nosso há alguma em que se peçam cadeiras, em que se peçam dignidades e mandos, em que se peçam pompas, grandezas e ambições do mundo, ou alguma temporalidade mais que o sustento necessário à vida? Não. Pois porque eles pediram fora do padre-nosso, erraram como néscios, e por isso nem souberam pedir, nem alcançaram o que pediram. A prova que agora darei desta verdade, nem pode ser mais natural, nem mais fina; mas o pensamento não é meu, senão de Santo Agostinho."
do p.A.Vieira - no sermão quarto
"A el-rei Antígono pediu um filósofo cínico que lhe fizesse mercê de lhe mandar dar um talento, que da nossa moeda são dous mil cruzados: respondeu o rei, que a um filósofo que professava pbreza, não era decente ter tanto. Pois, Senhor, replicou o filósofo, mande-me Vossa Majestade dar um dinheiro, que são dous reais de prata: e respondeu outra vez Antígono: a um rei não é decente dar tão pouco. Assim refere todo o caso, ainda com mais breves palavras, Séneca: Ab Antigono Cinicus petit talentum. Respondit plus esse quam Cinicus petere deberet. Repulsus petit denarium. Respondi minus esse quam regem decret dare. De maneira que o filósofo uma vez pediu muito, e outra vez pediu pouco, e nem o muito nem o pouco alcançou do rei, porque nem ao filósofo era decente receber tanto, nem ao rei dar tão pouco. Uma vez perdeu o que pedia, porque pediu mais, outra vez porque pediu menos e ambas indecentemente. O mesmo nos sucede com Deus no que Lhe pedimos, e ainda mais na indecência das matérias, que das quantidades . Erramos no que devemos pedir, e por isso não alocançamos o que pedimos."
do p.A.Vieira - no sermao quarto
"O mesmo caracter da Trindade iimprimiu Deus nos anjos, distinguindo-os em três jerarquias, e cada jerarquia em três coros. O mesmo na alma do homem com as três potências de memória, entendimento, e vontade; e por isso feito à sua imagem e semelhança. O mesmo em todos os viventes do mundo, uns vegetativos, outros sensitivos, outros racionais. Finalmente, a todas as criaturas, ou a todos os entes (sem excepção de algum) marcou Deus com a mesma divisa nas três propriedades universais de suum, verum, bonum, que são unidade, verdade e bondade, respondendo, como diz Santo Agostinho, a unidade ao Padre, a verdade ao Filho, e a bondade ao Espírito Santo."
terça-feira, 24 de maio de 2011
do p.A.Vieira - no sermao quarto
"Salviano, aquele forte e zelosíssimo espírito, tão grande defensor da cristandade, como perseguidor dos abusos introduzidos nela, queixava-e em seu tempo, de que tinham chegado a tal corrupção os juizos dos homens, ou que os homens de tal modo tinham perdido o juizo, que na lição dos livros importantes à salvação,k em vez de considerarem o que liam, só consideravam cujo era o que liam. E sendo a lição e oração duas irmãs e companheira inseparáveis, a maior queixa pelo contrário quie eu tenho dos juizos do nosso tempo, é que na eleição das orações com que se encomendam a Deus, não considerem nem atendam a cujas são: e nas que ensinou e ditou o mesmo Deus, não lhes valha o serem suas, para que as não deixem por outras. Este é o abuso ou ignorância que no presente discurso determino convencer."
do p.A.Vieira - no sermao quarto
"Não basta que as cousas que se dizem sejam grandes, se quem as diz não é grande. Por isso os ditos que alegamos se chhyhamam autoridades, porque o autor é o que lhes dá o crédito, e lhes concilia o respeito. As proposições filosóficas, para serem axiomas, hãode ser de Aristóteles: as médicas, para serem aforismos, hão de ser de Hipócrates: as geométricas, para serem teoremas, hão-de ser de Euclides. Tanto depende o que se diz da autoridade de quem o diz. Dizer-se que a pintura é de Apeles, ou a estátua de Fídias, basta para que a estátua seja imortal, e a pintura não tenha preço. Mas esse valor e essa imortalidade a quem se deve? Mais ao nome que ao pincel de Apeles; mais à fama, que à lima de Fídias. E o mesmo que sucede ao pincel, e à lima, é o que experimentam igualmente a a voz e a pena. Se o que diz é Demóstenes, tudo é eloquência; se o que escreve é Tácito, tudo é política: se o que discorre é Séneca, tudo é sentença. Talvez acertou a dizer o rústico, o que tinha dito Salomão; mas no rústico não merece ouvidos, em Salomão é oráculo. De sorte, como dizia, que não basta que as cousas que se dizem sejam grandes, se quem as diz é pequeno. Elas hão-de ser grandes, e o autor também grande."
do p.A.Vieira - no sermão terceiro
"Se no meio das maiores ocupações sobrevém a doença, não se trata da cura? Se no meio das maiores ocupações bate o inimigo às portas, não se tomam as armas? Sendo pois a meditação o remédio mais eficaz de todas as enfermidades do espírito, e a arma mais de prova contra todos os combates com que nos faz guerra o Demónio; quem será tão inimigo de si mesmo, que deixe a meditação pela ocupação? A hora de comer, e as horas de dormir, nenhuma ocupação as impede; e qual é o sustento e sono da alma, senão a meditação interior e quieta da cousa divinas? Nas mesmas ocupações temporais, se concorrem muitas juntas, não se deixam as que menos importan, para acudir à de maior importância? Porque hão logo de impedr as ocupaçõe do mundo, a que não importa menos que a própria salvação? Será bem, diz Tertuliano, que viva só para os outros, quem há-de morrer para si?"
do p.A.Vieira - no sermão terceiro
"Examinem-se as ocupações dos mais ocupados, e achar-se-á que deixam tempo para o jogo, e tempo para a comédia, e tempo para a conversação, e tempo para outros divertimentos que levam mais o cuidado, e só para a meditação dos mistérios, e da vida do Filho de Deus, e de sua Mãe, com que reformar a nossa, não deixam tempo."
do p.A.Vieira - no sermão terceiro
"A escusa das ocupações, Pro occupationibus, ainda tem menos fundamento, e de que se há-de dar mais estreita conta a Deus. Lembra-me a este propósito, que no dia da famosa batalha de Vitemberga, em que se perdeu a liberdade, e o vão nome de imperaqdor, o eleitor de Saxónia, tendo durado o conflito nove horas, correu fama que o Sol estivera parado por algum espaço: e perguntando el-rei de França ao duque de Alba, que fora o general do exército cesáreo, se era verdade o que se dizia do Sol, respondeu: Sire, eu nesse dia tive tanto que fazer na terra, que me não ficou lugar de olhar para o céu. Assim o cuidam (posto que o não digam tão discretamente) os que se escusam de não meditar por muito ocupados."
do p.A.Vieira - no sermão terceiro
"Assim que não só é engano dizerdes que não sabeis meditar; mas antes vos digo que muitas vezes meditais sem o saber."
do p.A.Vieira - no sermão terceiro
"Meditar não é outra cousa que cuidar um homem no que lhe importa ou deseja, e nenhum há que não medite. O pleiteante medita na sua demanda; o requerente medita noseu despacho; o mercador medita nos seus comércios; o estudante medita nos seus estudos; o pai de famílias medita no sustento de sua casa ; o oficial, o marinheiro, o lavrador, o soldado, todos meditam. De sorte que para meditar não é necessário ser anacoreta, nem santo. Os muito viciosos também meditam nos seus mesmos vícios; os vãos meditam na vaidade: Meditati sunt inania: Os falsos meditam nos enganos: Dolos tota die meditabantur: o inimigo medita nos ódios: dilatur discordias: o ladrão medita nos roubos: Rapinas meditatur: e todo o mau de qualquer género medita na sua maldade."
do p.A.Vieira - no sermão terceiro
"E porque se comparam ou declaram os dous ouvidos pelos dous escudos da balança? Porque este é o ofício que lhes deu a natureza, e a forma e o lugar, em que os colocou. Como a natureza pôs a razão e o juizo, que é o fiel da balança, na cabeça, pôs-lhe também de uma e da outra parte os ouvidos como dous escudos da mesma balança, e como dous assessores do mesmo juizo."
do p.A.Vieira - no sermão terceiro
"Todo o mudo naturalmente é surdo, e todo o que ouve a Deus, naturalmente emudece. A natureza, aos que privou de falar, tira-lhes o ouvir, e Deus, aos que concedeu o ouvir, tira-lhes o falar."
do p.A.Vieira - no sermão terceiro
" A palavra tem duas portas, uma por onde sai e outra por onde entra: a porta por onde sai, é a boca, e no nosso caso o mistério: a porta por onde entra, é o ouvido, e no nosso caso a meditação. Se vós não meditais, como quereis ouvir? Meditai e observai vigilante e atentamente o mistério, e logo entendereis e ouvireis o que Deus vos diz nele: Qui vigilat: qui observat: qui audit."
do p.A.Vieira - no sermão terceiro
" Meditai e observai bem o que se vos representa em cada mistério, e logo ouvireis."
do p.A.Vieira - no sermão terceiro
"As palavras que somente são palavras, podem-se oouvir, ainda que se não entendam, as obras que são palavras, se não se entendem, não se ouvem."
do p.A.Vieira - no sermão terceiro
"Daqui se segue, que quanto forem mais altos os mistérios que meditarem, tanto mais altas serão também as ilustrações com que Deus lhe falará aos ouvidos."
segunda-feira, 23 de maio de 2011
do p.A.Vieira - no sermão terceiro
"Tão certo é , que com os que meditam fala Deus, e porque meditam, e quando meditam, O ouvem."
do p.A.Vieira - no sermão terceiro
"No Templo de Salomão havia dous altares, um interior junto ao Sancta Santorum, em que se queimavam timianas, outro exterior no átrio, em que se matavam reses. Os que oram mentalmente, diz Orígenes, sacrificam no altar de dentro; os que oram com vozes, no de fora: Cum corde oravero, ad altare interius ingredior: cum autem quis clara voce, et verbis cum sono prolatis; afferre vedetur hostiam in altari, quod foris est. Apenas há figura no Testamento Velho, em que se não veja retratada esta grande diferença. A oração vocal é a voz do Precursor no deserto, a mental é o conceito da mesma voz, que reonhece o Messias, e Lhe manda seguir os passos: a vocal é a boca do leão de Sansão, a mental são as abelhas, que nela fabricam os favos, mais doces pelo mistério, que pelo mel: a vocal é o estalo da funda de David, a mental é pedra que rompeu a testa ao gigante, e porque lhe penetrou o cérebro, o deitou em terra: a vocal são as trombetas de Jericó, que batem os muros, a mental é a espada de Josué, que degola os inimigos, e sacrifica os despojos: a vocal é o pregão de Saul, a mental é a guerra apregoada; a que debela os Amonitas, que liberta Jabés, e descativa os cercados. Enfim, da vocal sobem ao céu vapores, da mental se acendem lá relâmpagos, e descem raios, que alumiam os olhos, que ferem os peitos, que amortecem as paixões, e desfazem em cinza os vícios."
do p.A.Vieira - no sermão terceiro
"Quanta é a diferença que tem (posto que estejam tão juntos) na rosa, o cheiro e a virtude: na árvore a folha e o fruto: no mar, a concha e a pérola: no céu, a aurora e o dia: no homem, o corpo e a alma: e para que digamos por seus próprios termos, quanta é a vantagem que faz o entendimento à voz, tanta é a que tem (posto que irmãs entre si) a oração mental sobre a vocal. A vocal é o exterior da oração, a mental o interior: a vocal é a parte sensível, a mental a que não se sente: a vocal é um corpo formado no ar, a mental o espírito que o enforma e lhe dá vida. A vocal recita preces, a mental contempla mistérios: a vocal fala, a mental medita: a vocal lê, a mental imprime: a vocal pede, a mental convence. A vocal pode ser forçada, a mental sempre é voluntária: a vocal pode não sair do coração, a mental entre nele, e o penetra; e se é duro, o abranda. A vocal exercita a memória, a mental discorre com o entendimento e move a vontade: a vocal caminha pela estrada aberta, a mental cava no campo, e não só cultiva a terra, mas descobre tesouros."
do p.A.Vieira - no sermão segundo
"Não hão-de dar os reis tão prodigamente hoje, que lhe não fique que lhe dar amanhã. Como há-de dar todos os dias, quem dá tudo em um dia? Cuidam que dando tudo, ganham a muitos, e perdem a todos: porque não há fé sem esperança, nem firmeza sem dependência, nem ainda amor tão cego que não abra os olhos para o futuro. Por isso Deus, que é Senhor de tudo, dá com reserva, e para freio da nossa sujeição nos põe a taxa na boca. Dá-nos o necessário, e não o supérfluo, porque nos quer bem mantidos, mas não enfastiados. Até o Demónio nunca farta aos que tenta, porque os tem mais seguros na fome, que no fastio. A fome é desejo, o fastio desprezo: e isto compra com o supérfluo quem dá mais do necessário. É bem verdade que não dando Deus no Maná mais que o necessário para cada dia, os que o comiam contudo se enfastiaram dele: Nauseat anima nostra super cibo isto. Mas aquele fastio não foi da natureza, foi da enfermidade. O doente até do necessário se enfastia. E em prova de ser doença e doença mortal, de três milhões de homens que saíram do Egipto e comeram o Maná, só três chegaram vivos à Terra de Promissão."
do p.A.Vieira - no sermão segundo
"Se sois injcrédulos, crede que quem vos deu o pão hoje, também vo-lo dará amanhã. Se sois avarentos, e vos parece pouco, e quereis mais do que podeis comer, contentai-vos com o que basta. E se sois ingratos, e não reconheceis a mão de que recebeis o benfício, a mesma necessidade e dependêncis vos obrigará a que a beijeis muitas vezes, e por força ou por vontade vos mostreis agradecidos."
do p.A.Vieira - no sermão segundo
"O pão e o cuidade são duas cousas muito encontradass. O pão sustenta a vida: os cuidados a afligem, a diminuem, a tiram. E que partido pode estar melhor ao homem, que dar-lhe Deus a ele o pão e tomar para si o cuidado? Jacta super Dominum curam tuam, et ipse te enutriet. Quer Deus que o pão nos saiba a pão; porque o que se come com cuidados, tem outro sabor, e causa muito diferentes humores. Na parábola do semeador compara Cristo as espinhas aos cuidados, e diz que as espinhas que nasceram juntamente com o trigo o afogaram: Et simul exortae spinae suffocaverunt illud. O que aconteceu aqui ao trigo, lhe sucede também depois que é pão; porque a terra e o homem ambos são terra. O pão cria sangue, e a as espinhas tiram-no; e o pior é que o não deixam criar. Assim como ao pão semeado o afogam as espinhas, assim ao pão comido o não deixam digerir os cuidados. Por isso nos tira Dristo o cuidado quando nos dá o pão, não só para que o comamos, senão , também para que nos preste. A causa natural de se nutrirem melhor, e terem menos doenças os animais, é porque comem sem cuidado. Assim o notou Plínio: o qual diz no mesmo capítulo, que é cousa ridícula cuidarem os homens que sendo Deus sumamente superior, tenha cuidado deles: Irridendum vero agere curam rerum humanarum illud quidquid es summum. Falou como gentio sem fé. Mas em nós que a temos, e cremos o contrário, quem não terá por verdadeiramente ridículo o cuidado que fiamos mais do nosso que do de Deus? o Sol nasce cada dia, e ninguém desconfiou de que a sua luz se acabe hoje, porque sabe que há-de tornar amanhã. Pois assim como nos deitamos seguros à noite, sem que nos tire o sono este cuidado, assim no-lo não deve tirar o anoitecer sem pão; porque o mesmo Deus que cada dia nos dá o Sol, nos dará o pão cada dia."
do p.A.Vieira - no sermão segundo
"Sabeis porque não alcançais o que pedis a Deus? Porque vós pedis mal, e Deus não vos quer darsenão bem. E esta é a razão por que o mesmo Senhor no padre-nosso nosnão ensinou a pedir nenhuma dessas cousas que vós apeteceis e pedis. Ainda que muitas delas sejam indiferentes; pedidas porém com o fim para que ordinariamente se pedem, verdadeiramente são mal: e não era razão que pedíssemos a Deus o mal, e muito menos na mesma oração em que Lhe pedimos nos livre do mal. Por isso nos concede o que pedimos na sua oração, e nos nega o que pedimos nas nossas. Se no padre-nosso pedimos que nos livre do mal, e fora do padre-nosso pedimos o que verdadeiramente é mal. e nos está mal, quem podia dividar, que como Pai nos há-de conceder o que pedimos por seu conselho, e não o que pedimos por nosso apetite? Peçamos pois o que Ele nos manda pedir somente; e não cuide ninguém que pede menos do que deve pedir, pois pede o que só lhe convém."
sábado, 21 de maio de 2011
do p.A.Vieira - no sermão segundo
"Mas perguntara eu a estes doutores (que por isso aleguei tantos, e todos da primeira jerarquia) se nas petições do padre-nosso se contém tudo o que se pode pedir e apetecer; onde estão no mesmo padre-nosso todas as outras cousas que os homens com tanto ardor apetecem, com tanto desvelo solicitam, e com tanta instância e importunação pedem a Deus e aos homens? Não apetecem honras? Não apetecem riquezas? Não apetecem dignidades seculares e eclesiáticas? Não apetecem a saúde, a vida, a sucessão, a posteridade, e tudo o que faz a vida deleitosa, e a morte tolerável? Em que parte logo do padre-nosso se contêm as petições destas cousas, que são as que mais oradores e mais devotos têm em todo o mundo?
do p.A.Vieira - no sermão segundo
"Pedir a Deus o pão de um só dia, e no mesmo dia, antes parece que é afrontar a sua liberalidade, que acudir à nossa necessidade. A um Deus tão grande, tão poderoso, tão magnífico; a um Deus que se chama Deus, porque a sua natureaza é dar; não é presumir indignamente de sua liberalidade e grandeza, pedir-Lhe tão pouco? Assim pede um mendigo às portas de um lavrador: mas tão baixa e tão escassa petição jamais a fez a seu rei o vassalo mais pobre. Se a nossa necessidade, como supomos e dizemos, é de cada dia, e por isso chamamos quotidiano ao pão que pedimos: que remédio ou que socorro é o que Lhe procuramos, pedindo só para hoje, e não para mais dias? Anoitecer hoje sem pão, porque se acabou o pedido, e amanhecer amanhã sem pão, porque se há-de tornar a pedir, mais é viver da necessidade, que sustentar a vida."
do p.A.Vieira - no sermão segundo
"Na lei da graça quer Deus que todas as suas vontades as façamos todos. Todos e todas por árduas, por dificultosas, por encontradas que sejam. Uma vez quer Deus o gosto, outra o desgosto: uma vez quer a riqueza, outra a pobreza; uma vez a honra, outra a afronta: uma vez o aplauso, outra a perseguição: uma vez a abonança, outra a tempestade: uma vez a fortuna, outra a fome: uma vez a saúde, outra a doença; uma vez a vida, outra a morte. E assim como todos estes encontros se conciliam na vontade de Deus, donde saem, assim quer se recebam sem repugnância na nossa, onde todos se aceitam. Se sois pai, e quer Deus tirar-vos o filho mais amado, como Isaac a Abraão, Fiat voluntas tua: Se sois esposo e quer Deus levara a companhia mais estimada e a prenda mais querida como Raquel a Jcob Fiat voluntas tua: se sois rei, e vos quer Deus privar da própria coroa, e pelo instrumento mais justo e mais ingrato, como a David por Absalão: Fiat voluntas tua: Se sois valente, e famoso nas armas, antes o milagre da valentia, e vos quer Deus entregar fraco, manietado, e afrontado nas mãos de vossos inimigos, como Sansão: Fiat voluntas tua: Se sois finalmente homem, e muito grande no mundo, e não só vos quer Deus tirar o poder, a grandeza, e a majestade, senão a mesma figura humana, e uso dela, e que pasteis entre os brutos, como Nabucodonosor: Fiat voluntas tua.
sexta-feira, 20 de maio de 2011
do p.A.Vieira - no sermão segundo
"Quem me dá o que não peço, mede a dádiva pela sua vontade; quem me dá o que peço, mede-a pela minha. Mais faz Deus. Mede pela minha vontade a sua, que é medida sem medida, porque quer, e se obriga a querer quanto eu pedir. Por isso quis o soberano Pai que pedíssemos, e por isso nos ensinou o Filho este modo de pedir a seu Pai."
do p.A.Vieira - no sermão segundo
"E uma causa tão contingente, tão improvável, tão desesperada, quem a há-de vencer? Um advogado (diz Crisólogo) não estranho, nem de fora, senão tão natural, e tão de dentro, que o mesmo pai o tem no peito: Apud Patrem non intercedit extrancus: intus est in Patris pectore ipse, qui intervenit, et esorat affectus. É um advogado mudo, mas mais eloquente que Túlio, nem Demóstenes: um advogado, que sem falar, ora; que sem assazoar, persuade; que sem alegar, convence; que sem interceder, consegue; que sem rogar, manda; que sem julgar, sentenceia, e sempre absolve. E quem é ou como se chama este advogado? Amor de pai: Intus, intus est in Patris pectore, ipse qui intervenit, et exorat, affectus."
do p.A.Vieira - no sermão segundo
"Sendo esta pois a inteireza e perfeição do modo, não há duas cousas em que o mesmo modo seja mais dificultoso de se guardar, e em que tenha maior perigo de se perder ou perverter, que no louvar e no pedir. No louvar, por menos; porque de nenhuma cousa são mais avarentos os homens que do louvor: e no pedir, por mais ; porque de nenhuma são mais prdigos, que do desejo de receber."
do p.A.Vieira - no sermão segundo
"Na oração vocal do Rosário, ou no Rosário enquanto oração vocal, considerámos, se bem nos lembra, a alteza de sua perfeição, já por parte das petições que nela fazemos, já por parte das Majestades a que as presentamos, já por parte da intercessão de que nos valemos: e nestas três considerações, em que toda se compreende, a mostrámos, não só alta, senão altíssimamente levantada: extollens vocem. E esra alteza altíssima pode-se ainda altear, e tem mais para onde subir? Sim. Porque no discurso passado ponderámossó o que diz o Rosário; hoje havemos de examninar o modo com que o diz: Consummatae sapientiae est, quid quo insequaris modo. A sabedoria perfeita e consumada (diz Santo Agostinho), não só consiste nas cousas que se dizem, senão no modo com que se dizem: não só no quid , senão no quomodo. Este foi um dos maiores privilégios (se não foi o maior) que Cristo concedeu aos seus Apóstolos. Quando fordes levados a juizo, diante dos príncipes e tribunais do mundo em defesa da minha fé, e da vossa doutrina, não vos canseis, diz o Senhor, em meditar nem estudar o que haveis de dizer, nem o modo com que o haveis de dizer, porque naquela hora vos erá dado: Nolite cogitare quomodo, aut quid loquamini, dabitur enim vobis in illa hora. Notai o quid e o quomodo, e primeiro o quomodo que o quid. Pois não bastava que Deus infundisse naquela hora aos Apóstolos a ciência das
cousas que haviam de dizer, senão também, o modo com que as haviam de dizer? Não bastava. Porque não só a inteligência, senão a mesma grandeza e energia das cousas que se dizem, depende muto do modo com que se dizem. A razão deu em outro lugar o mesmo Santo Agostinhyo, tão douta e bem assentada como sua: Parum, et nimium duo sunt inter se contraria: parum est quod minus est quam oportet: nimium est quod plus est quam oportet: horum in medio modus est. Quer dizer: o defeito e o excesso no dizer são dous conrários. O defeito diz menos do que convém, o excesso diz mais do que convém: e no meio destes dous extremos está o modo, o qual emenda o defeito, para que não diga menos, e modera o excesso, para que não diga maisl."
cousas que haviam de dizer, senão também, o modo com que as haviam de dizer? Não bastava. Porque não só a inteligência, senão a mesma grandeza e energia das cousas que se dizem, depende muto do modo com que se dizem. A razão deu em outro lugar o mesmo Santo Agostinhyo, tão douta e bem assentada como sua: Parum, et nimium duo sunt inter se contraria: parum est quod minus est quam oportet: nimium est quod plus est quam oportet: horum in medio modus est. Quer dizer: o defeito e o excesso no dizer são dous conrários. O defeito diz menos do que convém, o excesso diz mais do que convém: e no meio destes dous extremos está o modo, o qual emenda o defeito, para que não diga menos, e modera o excesso, para que não diga maisl."
do p.A.Vieira - no sermão segundo
Parece-me senhores, que me tenho declarado. Para não caberem as excelências do Rosário vocal em um só discurso, bastatava a insuficência do pregador: mas não foi essa a principal causa, senão a eminência da matéria, e sua grandeza. Quando o príncipe dos pregadores, S. Paulo, debaixo do nome de Deus desconhecido, que os atenienses adoravam. lhes deu a conhecer a divindade e humanidade do Deus verdadeiro, disseram no Areópago aqueles que eram re- putados pelos mais sábios homens do mundo: "Audiemus te de hoc iterum: outra vez vos ouviremos sobre isto mesmo. E como as cousas com excesso grandes, nem em Atenas se podem ouvir bastantemente de uma só vez; outra vez também me haveis de ouvir sobre o mesmo ponto, que não será em tudo dissemelhante ao de S. Paulo. Aquela devoção dos atenienses era tão comum, e tão vulgar, que o mesmo Apóstolo lhes disse, que passando por uma rua da sua cidade, vira o altar do Deus desconhecido com o título por cima: Ignoto Deo: Tão comum e tão vulgar é entre nós o Rosário! Mas hoje acabaremos de ver, que não está ainda bem conecido na nossa Atenas: e que lhe quadra, em grande parte (posto que seja tâo divino) o título de ignoto: Ave Maria.
do p.A.Vieira - no sermao segundo
"Mas se ambas as ideias eram de Deus , porque foi necessário acrescentar a segunda sobre a primeira? Porque até o entendimento e a mão divina o faz assim nas grandes obras suas. Mostrou Deus a José as grandes fortunas, para que o tinha de4stinado, e não em um só desenho senão em dous: um na eira, outro no firmamento. A primera vez adorado na paveias, que ele atava com os irmãos; a segunda, no Sol, na Lua, e nas estrelas, que igualmente o adoravam. A grandeza do império de seu filho, mostrada já sobre a estátua dos quatro metais, também a tormou a mostrar Deus segunda vez nas quatro feras ou monstros que representavam as quatro monarquias do mindo. Pois se o mesmo mundoo criou Deus e fez de uma vez estoutras obras suas, porque as não mostra em uma só visão ou fugura, senão em duas ? Porque no fazer, obra Deus segundo as medidas da sua omnipotência; no mostrar e dar a conhecer, segundo a capacidade da nosssa vista. Porque nós não somos capazess de ver tudo de uma vez, supre Deus na segunda ideia o que faltou na primeira.
Na primeira adoração de José mostrou a baixa condição dos adoradores: na segunda, a alteza e lustre do adorado. No primeiro abatimento dos quatro metais da estátua mostrou a riqueza de umas monarquias, e a fortaleza das outras: no segundo dos quatro monstros, não mortos como os metais, senão vivos e feros; na vida mostrou-lhe a duraçã e na fereza a tirania.
Na primeira adoração de José mostrou a baixa condição dos adoradores: na segunda, a alteza e lustre do adorado. No primeiro abatimento dos quatro metais da estátua mostrou a riqueza de umas monarquias, e a fortaleza das outras: no segundo dos quatro monstros, não mortos como os metais, senão vivos e feros; na vida mostrou-lhe a duraçã e na fereza a tirania.
quinta-feira, 19 de maio de 2011
do p.A.Vieira - no sermão primeiro-Rosa Maria Mística
"No Templo de Salomão , e antes dele no Tabernáculo de Moisés, mandou fabricar Deus aquele famoso candelabro, que defronte dos Pães da Proposição alumiava o Sancta Sanctorum. A matéria era de ouro puríssimo, a forma então de uma árvore artificial, de cujo tronco em igual proporção saíam de uma e outra parte,m três ramos meio arqueados, no remate dos quais, como também no do tronco, que era direito, ardiam sete lumes. "
domingo, 15 de maio de 2011
do p.A.Vieira - no sermão primeiro-Rosa Maria Mística
"Que pobrezas, que fomes, que sedes : que perseguiçoes, que carceres, que desterros, que ignominias: que calunias, que acusaçoes, que injustiças : que açoutes, que tormentos, que martirios, nao padeceram aqueles mesmo Apostolos en todas as partes do mundo, e em todos os dias e horas da vida, ate´ finalmente a perderem cruel e afrontosamente, uns crucificados como Pedro, outros aspados como Andre´ , outros esfolados como Bartolomeu, e todos, sem excepçao de um so´, tao barbara e desumanamente atormentados, quanta era a impiedade e odio infernal dos tiranos? Pois se todos os trabalhos, miserias, desgraças, afliçoes, penas, desonras; enfim, se todos os males do mundo se uniram e conjuraram contra estes homens, e se empregaram e apuraram neles, sem que Deus o impedisse, nem os livrasse, deixando-os padecer e morrer; como se cumpriu (pois nao podia dexas de ser ouvida) a verdade da oraçao de Cristo: Ut serves eos a malo? Eles padeceram todos os males e o Padre livrou-os de todo o mal? Sim. Porque confirmando-os em graça, livrou-os do pecado, e todos os que o mundo chama males, nao sao males, so´ o pecado e´ mal: Non dicit, ut serves eos a tribulationibus, ab odiis, a persecutionibus, sed a malo, hoc est a peccato, quod simpliciter est malum: diz o Cardeal Caetano; e nao era necessario que nem ele nem outro algum o dissesse."
do p.A.Vieira - sermão primeiro-Rosa Maria Mística
"Et ne nos inducas in tentationem: e nao nos deixeis cair em tentaçao. Notai o que pedimos, e o que nao pedimos. Nao pedimos a Deus que nos tire ou nos livre das tentaçoes; pedimos que nos nao deixe cair nelas. Nenhuma versao traduziu melhor o ne nos inducas, que a nossa portugueza. Cair dizemos, e nao derrubar ; porque derrubar e´ força e impulso alheio; o cair, fraqueza ou descuido proprio. Quem diz nao nos deixes cair, de si se teme mais que do inimigo, contra si pede o socorro que pede para si. Mas se natentaçao esta´ o perigo, nao seria mais conveniente e mais seguro pedirmos a Deus que nos livrasse de ser tentados? Nao. O mal nao esta´ em ser tentado, esta´ em ser vencido. Se fora melhor nao ser tentado, com bem discorre Cassiano, nao permitira Deus as tentaçoes: mas quer que haja batalhas, porque nos tem aparelhada a coroa. O soldade generoso estima a guerra, porque deseja a vitoria; e nao recusa o combate, porque aspira ao triunfo. Por isso diz Sant Iago (e e´ a primeira cousa que diz) que nao havemos de receber as tentaçoes com horror e tristeza, senao com alovoroço e alegria: Omne gaudium existimate cum in tentationes varias incideritis. O cavalo generoso (como se descreve no Livro de Job, com maior elegancia do que o pudera pintar Homero) em ouvindo o sinal da guerra, fita as orelhas, quebra as soltas, bate a terra, enche de relinchos o ar, nao lhe cabem os espiritos pelas ventas, treme todo de fogo e de coragem com o alvoroço e brios de sair `a batalha. Este e´ o instinto da generosidade, ainda onde falta a razao; e esta e´ a razao que no´s temos para pedir a Deus, nao que nos nao deixe tentar, mas que nos nao deixe cair."
do p.A.Vieira - no sermão primeiro-Rosa Maria Mística
"Dimittite et dimittemini: perdoai, e sereis perdoados. E como esta promessa é condicional, e a condição depende de mim, quando eu cumpro a condição, eu sou o que me perdoo. Deus não me pode perdoar a suas ofensas, sem que eu perdoe as minhas; e se eu perdoo as minhas, não pode Deus deixar de me perdoar as suas. Daqui vem que o perdão mais depende de mim, que de Deus; porque Deus está obrigado à sua promessa, e eu não estou obrigado à condição. Deus não pode faltar ao perdão, ainda que quisesse, e eu não posso perdoar, se quiser. Tanto assim que não duvidou Hugo Cardeal de proferir uma proposição, que não sei como coube no juizo de um teólogo tão douto, e tão insigne."
do p.A.Vieira - no sermão primeiro-Rosa Maria Mística
"Oram os homens, como vivem. Os interesses e conveniências temporais diante de tudo, como se faz na vida: o de Deus, o da consciência, o da alma lá para o fim, como se faz na morte. E esta ordem ou desordem tão encontrada com a disposição das petições de Cristo, não é de quem reza quinze vezes no Rosário a oração do padre nosso, nem de quem sabe o que pede, ou como o há-de pedir."
do p.A.Vieira - no sermão primeiro-Rosa Maria Mística
"Um rei houve no mundo tão soberbo, e tão louco, que tudo isto quis para si. Quis a exaltação de seu nome, fazendo-se chamar Deus; quis a dilatação de seu teino, tratando de o estender por todo o mundo; quis a execução universal da sua vontade, mandando que ela só e nenhuma outra fosse obedecida. Já sabeis que falo de Nabucodonosor, mais que bruto, quando entrou neste pensamento, que quando pastava no campo. Tinha cercado a cidade de Betúlia, mais apertada já da sede, que do mesmo sítio: orou Judite a Deus: mas como orou? Lástima é que o não fizesse com um rosário nas mãos. Mas por isso disse S. Paulo, que tudo o que se fazia na Lei velha era figura da nova: Omnia in figura contingebant illis. A oração que fez depois de alegar as maravilhas de Deus em favor e defesa do seu povo, foi nesta forma: Erige brachium tuum sicut ab initio, et allide virtutem illorum in virtute tua, cadat virtus eorum in iracundia tua. Levantai, Senhor, vosso omnipotente braço como antigamente, quebrantai o poder de nossos inimigos com a força do vosso, e sinta a soberba e violência dos seus exércitos o justo rigor da vossa ira."
do p.A.Vieira - sermão primeiro-Rosa Maria Mística
"O colóquio, a prática, e a conversação, não só é falar, senão falar e ouvir: é dizer de uma parte, e responder da outra: e nesta comunicação recíproca consiste a essência e excelência da perfeita oração. Na oração menos perfeita fala o homem com Deus, na perfeita e perfeitíssima fala o homem com Deus, e Deus com o homem."
quarta-feira, 11 de maio de 2011
do p.A.Vieira - no sermão da NªSª da Conceição
"Oh que mal entendida é a nossa vida, que mal entendidos os nossos cuidados, e que mal entendida a nossa pouca fé, e o nosso pouco entendimento! A Terra, que é um desterro cheio de tantos trabalhos, de tantas misérias, de tantass desgraças , de tantos desgostos, onde não há um dia, nem uma hora, isenta de afliçõoes e moléstias, essa nos leva todo o amor, e todos os pensamentos, como se fora a verdadeira pátria. E o Céu, que é a pátria de todos os bens, de todas as felicidades, de todas as delícias , de toda a bem-avetiurança, onde não há mem pode haver sombra de mal, ou de pena, em vez de ser a nossa perpétua saudade, e o nosso contínuo cuidado, não só vivemos tão esquecidos dela, e tão pouco desejosos, antes temerosos do dia em que havemos de ser chamados, como se fora para o mais triste desterro."
do p.A.Vieira - no sermão da NªSª da Conceição
"O mesmo nome de pátria nos está ensinando, que só o Céu o pode ser. E porquê? Porque o nome de pátria é derivado do pai, e não da mãe: a terra em que nascemos é a mãe que nos cria; o Céu para que somos criados, é o lugar do Pai que nos dá o ser: e se a pátria se derivara da Terra, que é a mãe que nos cria, havia-se de chamar mátria, mas chama-se pátria, porque se deriva do Pai que nos deu o ser, e está no Céu. E se para sermos filhos de tal Pai é necessário que só o Céu tenhamos por pátria, assim para sermos dignos servos da Mãe deste mesmo Pai é necessário que tenhamos toda a Terra por Egipto, e por desterro."
do p.A.Vieira - no sermão da NªSª da Conceição
"O homem mimoso e fraco só ama e tem por pátria a terra em que nasceu: o forte e valoroso todo o mundo tem por pátria: o perfeito e cristão todo o mundo tem por desterro. Cada um destes três aplicaram variamente ao mundo o seu amor: o primeiro fixou-o, o segundo espalhou-o, porque o estendeu a qualquer parte do mundo: o terceiro extinguiu-o, porque nem alguma parte, nem todo o mundo teve por pátria, mas todo e qualquer parte dele reputou por desterro. Este é o perfeito e não estóico, mas heróico modo de viver o homem neste mundo, sempre e em qualquer parte dele como desterrado."
do p.A.Vieira - no sermão da NªSª da Conceição
Lugar, pessoa, e tempo são aquelas três circunstâncias gerais, com que todo o orador se deve medir, se não quer faltar, nem exceder as leis desta nobilíssima arte, que na natureza racional é a primogénita.l Assim o desejei fazer hoje. E posto que a pessoa, ou pessoas, se concordam facilmente com o lugar e com o tempo, nem o tempo com o lugar, nem o lugar com o tempo entre si, parece que têm possível acomodação."
do p.A.Vieira - no sermão de Nossa Senhora do Ó
"O bem presente pode causar inveja, e porque a presença para se lograr há-de ter alguma cousa de ausência."
segunda-feira, 9 de maio de 2011
do p.A.Vieira - no sermão de Nossa Senhora do Ó
" O bem (replicará algum filósofo). o bem que é o objecto da vontade, assim como tem diferentes tempos, assim causa na mesma vontade diferentes afectos. Porque o bem, ou é presente, ou passado, ou futuro: se é presente, causa gosto: se é passado, causa saudade; se é futuro causa desejo. E como o bem, e sumo bem, objecto dos afectos da Senhora, que era o Filho único de Deus, e seu, não só o tinha presente, senão mais que presente, porque o tinha dentro em si mesma; parece que antes havia de causar em sau coraçjão júbilos de gosto, senão ansias, nem desejos? Quem discorre desta sorte, ainda não tem entendido que a presença para ser presença, há-de ter alguma cousa de ausência. O objecto da vista, para se poder ver, há-de ser presente; mas se está pegado e unido à mesma potència, é como se estivera ausente: há-de estar apartado dos ollhos, para se poder ver. Assim a presença para ser presença, não há-se passara a ser íntima, nem há-de estar totalmente unida, senão de algum modo distante. É a queixa de Narciso, com verdadeira razão em história fabulosa: Quod cupio mecum est; inopem me copia fecit: o que desejo, tenho-o em mim; e porque o tenho em mim, careço do que tenho. Pois que remédio: Votum in amante novum: o remédio é um desejo novo, que nunca desejou quem amasse. E que desejo é este? Vellem quod amamus abesse: desejar o que o que amo se ausente, e se aparte de mim. Tal era o desejo da Senhora, e tal a razão so seu desejo. Carecia do mesmo bem que tinha, porque o tinha dentro de si. Por isso suspirava e desejava com ânsia vê-lo já fora: e esta era a causa dos seus OO."
do p.A.Vieira - no sermão de Nossa Senhora do Ó
"in eternidade e o desejo, são duas cousas tão parecidas, que ambas se retratam com a mesma figura. Os Egípcios nos seu jeroglificos, e antes deles os Caldeus, para representar a eternidade pintaram um O: porque a figura circular não tem princípio, nem fim; e isto é ser eterno. O desejo ainda teve melhor pintor, que é a natureza. Todos os que desejam, se o afecto rompeu o silêncio e do coração passou à boca, o que peonunciam naturalmente é O. Desejou David a água da cisterna de Belém, e antes de declarar aos soldados qual era o seu desejo, adiantou-se um O a dizer que desejava: Desideravit ergo David, et ait: Oh si quis mihi daret potum aquae de cisterna quae est in Bethelchem! O O foi a voz do desejo, as demais a declaração. E acomo a natureza em um O deu ao desejo a figura da eternidade, e a arte em outro O deu à eternidade a figura do desejo; não há desejo, se é grande, que na tardança e duração não tenha muito de eterno."
sexta-feira, 6 de maio de 2011
do p.A.Vieira - no sermão de N-ª Srª da Graça
"Dizei-me: Quais são as cousas neste muindo pelas quais os nomens costumam perder ou vender a graça de Deus? Geralmente, diz S. João Evangelista, são , ou desejo de riquezas, ou desejo de honras, ou desejo de gostos e deleites dos sentidos. Ponde-me agora tudo isto em uma parte da balança, e da outra um só grau de graça, e vede qual pesa mais. Ponde todo o ouro, toda a prata, todas as pérolas e pedras preciosas que gera o mar e a terra, e um grau de graça, não só pesa mais sem nenhuma comparação , mas o mesmo seria se toda a terra fosse ouro, e todas as pedras diamantes. Acrescentai mais à balança todas os honras, todas as dignidades, todos os ceptros e coroas, todas as mitras e tiaras, e tudo quanto estima a ambição humana, e nenhum pendor faz em respeito de um só grau de graça, como também não faria, ainda que Deus levantasse um novo império, no qual um homem dominasse a todos os homens e a todos os anjos. Finalmente, sobre as riquezas e honras aculumem-se todos os gostos, todas as delícias, todos os prazeres, não só quantos se gozaram e podem gozar neste mundo, senão também os que se perderam no Paraiso Terreal; e para que vos não admireis de que pese muito mais um grau de graça, sabei que ainda é mais digno de se apetecer que tudo quanto gozam e quanto hão-se gozar por toda a eternidad com a vista clara de Deus todos os ben-aventurados do Céu: e sendo isto assim, pode haver maior loucura, que por uma onça de interesse, por um pontinho de honra, e por um instante de gosto, perder, não um só grau de graça de Deus, senão toda a sua graça?".
do p.A.Vieira - no sermão de N-ª Srª da Graça
"O lume da razão natural, sem chegar aos preceitos da lei de Deus, está ditando a todo homem, que entre o bem e o mal, deve eleger o bem, entre o bem e o melhor, eleger o melhor. Vejamos agora nos vossos pensamentos, nas vossas palavras e nos vossas obras, qque todas ali hão-de aparecer publicamente, que é o que escolhestes: a graça ou o pecado? Nos pensamentos o pecado, nas palavras o pecado, e sempre e em tudo, ou quase tudo o pecado, com perpétuo esquecimento, não só esqquecimento, mas desprezo da graça. E porquê? Nas obras por um apetite irracional, ou por um vilíssimo interesse: nas palavras por uma murmuração da vida alheia, ou por um ímpeto da ira: nos pensamentos por uma representação do desejo vão, e talvez por uma quimera não só fingida, mas impossível. E é possível, que por isso se troque, se venda e se perca a graça de Deus; e sobretudo, que sentindo-.se tanto outras que não merecem nome de perdas, só as da graça se não sintam! Verdadeiramente não sei onde está a nossa fé, nem o nosso entendimento! O que só sei é, que semelhante insensibilidade só se acha em almas que estão destinadas para o Inferno, e já nesta vida merecem o ódio de Deus, como Esaú."
do p.A.Vieira - no sermão de N-ª Srª da Graça
" Nesta última palavra, conglorificemur, e na palavra cohaeredes, declara o Apóstolo, que assim como a graça nos faz filhos, assim a glória nos faz herdeiros; para que nós agora vejamos se nos havemos de prezar mais de herdeiros , que de filhos. e se havemos de estimar mais a herança, ou o nascimento. Cá onde os pais são homens, pode suceder, e sucede muitas vezes ser o nascimento tão baixo e tão vil, e a herança tão copiosa e fão rica, que se despreze o nascimento e se estime a herança; mas onde o pai é Deus, tão infinito na nobreza, como na essência, ainda que seja a glória a que nos faz herdeiros, claro está que sempre havemos de estimar, não só mais, senão infinitamente mais, a graça, que nos faz filhos. Esse foi o erro e o acerto daqueles dous filhos do pai que representava a Deus, um louco, outro sisudo. O louco, que era o pródigo, em vida do pai pediu que lhe desse a sua herança, porque estimava mais o ser herdeiro, que filho: porém o sisudo, que era o irmão mais velho, deixou-se ficar sempre na casa do pai, sem falar, nem se lembrar da herança, porque tanto menos estimava a herança, que o nascimento, como se fora só filho e não herdeiro. E isto é o que deve fazer todo aquele que com juizo maduro e inteiro comparar a graça e a glória."
do p.A.Vieira - no sermão de N-ª Srª da Graça
Digo pois e torno a dizer, que havendo de fazer esvolha entra a gfória e a graça, conforme o nosso tema: Maria optimam partem elegit, antes devemos escolher a graça, que a glória. E isto por uma razão, senão por muitas. Seja a primeira, porque a a graça envolve consigo a glória: e ainda que possa haver graça sem glória, não pode haver glória sem graça. A graça é fundamento da glória, e a glória é consequência da graça: a graça a ninguem é devida, e a glória é divida a todo o que está em graça. Diz o apóstolo S. Pedro, que na graça, que é a forma com que Deus nos faz participantes da natureza divina, nos deu as maiores e mais preciosas promessas. Este é o sentido daquelas palavras: "Per quem maxima, et pretiosa nobis promissa donavit, ut per hace efficiamini divinae consortes naturae. De sorte que na dádiva nos deu Deus a dádiva e mais as promessas. Mas se as promessas são de futuro, e a dádiva de presente, como nos deu as promessas na dádiva? Porque as promessas futuras são a gloória e bem-aventiurança que havemos de gozar no Céui; a dádiva presente é a graça de que já gozamos na Terra: e porque na graça se envolve a glória e bem-aventurança, que lhe é devida, por isso quando nos deu a dádiva, nos deu juntamente as promessas: Maxima et pretiosa nobis promissa donavit.
quinta-feira, 5 de maio de 2011
do p.A.Vieira - no sermão de N-ª Srª da Graça
"Para demonstração e inteligência dela (que não é fácil ainda aom maiores entendimentos) havemos de supor, que assim a graça como a glória são bens sobrenaturais. E se me perguntardes (como deveis perguntar, ou todos ou quase todos) que cousa é bem sobrenatural? Haveis de saber, que é um bem, o qual na nobreza, no preço, e na dignidade, excede a todos os bens da natureza, assim visíveis, como invisíveis. E para que declaremos este excesso com algum exemplo: Será como um diamante comparado com as pedras da rua? Será como o sol comparado com a sombra? Será como um homem comparado com uma formiga? Será como um serafim comparado com uma boboleta? Não. Porque a pedra e o diamente, o sol e a sombra, o homem e a formiga, o serafim e a borboleta, tudo são cousas maturais e criadas por Deus enquanto Autor da natureza: e como são naturais, nenhuma delas tem comparação com o que é sobrenatural. Tanto assim, que se Deus criasse, como pode , outros mil mundos mais perfeitos que este, e povoados de criaturas muito mais nobres e excelentes sempre o sobrenatural se excederia incomparavelmentel. Porque é grau muito superior a tudo o que compreende em si a esfera da natureza. E tais são a graça e a glória, que só se podem comparar entre si, como nós as comparamos nesta nossa questão."
do p.A.Vieira - no sermao da Conceiçao da Virgem Nossa Senhora
"Conta Pllutarco, que em Atenas impondo-se um grave crime a uma donzela formosíssima chamada Frine, para se sentenciar a sua causa apareceu em juizo com rosto coberto, como era costume aparerem as acusadas. Começou logo a alegar por sua parte um orador com grande cópia de palavras, com grande número de textos, com grande força de razões. Mas as presunções eram tão forçosas e os indícios tão eficazes, que já nos rostos dos juizes se estava lendo a sentença contra Frine. Levanta-se neste passo Hiperides, outro orador fanosíssimo, lança mão ao manto da quase onvencida donzela, e o mesmo foi aparecer a formosura de seu rosto, que trocarem-se subitamente os pareceres de todos. Aclama todo o Senado: Vitor, vitor, pela parte de Frine. Em tanta formosura, dizem, não pode haver culpas; em tanta formosura não pode haver culpas."
terça-feira, 3 de maio de 2011
do p.A.Vieira - no sermao da Conceiçao da Virgem Nossa Senhora
Estas ultimas palavaras, "Ipsi me avolare fecerunt", conforme a versao hebreia ainda tem mais alma. Diz o texto hebreu: "Averte oculos tuos a me, quia ipsi me aupergire fecerunt." Tirai de mim vossos olhos, Virgem Mae minha, diz Deus; porque sua formosura me faz ensoberbecer. Ensoberbecer? Que quer dizer isto? Na fonte de toda a santidade pode caber soberba? Na pureza da verdade eterna pode ter lugar a vaidade? Claro esta´ que nem vaidade, nem soberba pode caber em Deus; mas foi a mais encarecida hiperbole, com que se podia subir de ponto a formosura da Virgem Maria. Como se dissera Deus: a gloria que receebo da vista de vossos olhos e´tanta, que se em mim coubera vangloria, sem duvida que me ensoberbecera. De Lucifer diz o profeta Ezequiel, que considerando a formosura de sua natureza, se encoberbeceu: "Elevatum est cor tuum in decore tuo". De Adonis se diz tambem no Livro dos Reis, que se emsoberbeceu, e se da´ por causa sua grande formosura. "Erat autem pulcher valde". So´de Deus nao ha´ Escritura alguma que diga (nao digo por verdade, que nao pode ser), mas nem por figura, ou semelhança, que contemplando-se a si, que contemplando aquela formosura imensa de seu ser, se ensobercesse. Pois, Senhor e Deus meu, se essa formosura eterna, imensa, infinita, incompreensivel: se essa formosura, de que sao umas participaçoes mui escassas tudo o que e´ formosura no Ceu e na Terra, tudo o que e´formosura nos homens e nos anjos: se nao chega essa formosura a Vos ensobebecer por metaforas: se nao chegais a dizer dela que Vos ensoberbeceu contemplando-a; como dizeis por vossa boca, que a formosura dos olhos de Maria foi poderosa a Vos ensoberbecer:"Ipsi me superbir efecerunt?".
segunda-feira, 2 de maio de 2011
do p.A.Vieira - no sermão da Conceição Imaculada
"Mas todas aquelas estradas por onde se pode caminhar seguramente ou ao templo da adoração de Conceição Imaculada, ou ao castelo desta defesa, estão tão batidas e debatidas, que, como bem dizia há muitos anos um dos maiores oradores de Espanha, ninguém pode pôr o pé, senão sobre pegada alheia. Boa satisfação para a desculpa, mas muito deconsolada para o desejo. Desta mesma se valeu Terêncio, aquele tão celebrado cómico, o qual pedia perdão ao teatro romano de lhe representar o que já tinha ouvido, e alegava em seu abono, que o mesmo tinham feito os velhos, e assim o faziam os modernos:
Nullum est jam dictum, quod non dictum sit prius,
Quare aequum est vos cognoscere, et ignoscere:
Quuod veteres factilitarunt, sic faciunt novi.
E se isto se usava na cabeça do mundo há mais de mil anos, que será hoje entre nós, onde não é tão fácil inventar novos argumentos, como novos trajos?
Eu porém não me acabo de sujeitar a este ditame; porque, ainda que os Antigos beberam primeiro nas fontes, nem por isso as esgotaram: "Multum egerunt qui ante nos fuerunt, sed non peregerunt", diz Séneca. Muito fizeram os que vieram antes de nós, mas não perfizeram. Entre o fazer e o perfazer há grandes intervlalos:"Multum autem restat operis, multumque restablit." Aaaim como eles acescentaram sobre o que tinham dito os mais antigos, assim nós podemos acrescentar e descobrir de novo o que eles não acharam, como também sobre nós os que depois vierem. Isto escreveu animosamente o maior espírito dos estoicos.
Nullum est jam dictum, quod non dictum sit prius,
Quare aequum est vos cognoscere, et ignoscere:
Quuod veteres factilitarunt, sic faciunt novi.
E se isto se usava na cabeça do mundo há mais de mil anos, que será hoje entre nós, onde não é tão fácil inventar novos argumentos, como novos trajos?
Eu porém não me acabo de sujeitar a este ditame; porque, ainda que os Antigos beberam primeiro nas fontes, nem por isso as esgotaram: "Multum egerunt qui ante nos fuerunt, sed non peregerunt", diz Séneca. Muito fizeram os que vieram antes de nós, mas não perfizeram. Entre o fazer e o perfazer há grandes intervlalos:"Multum autem restat operis, multumque restablit." Aaaim como eles acescentaram sobre o que tinham dito os mais antigos, assim nós podemos acrescentar e descobrir de novo o que eles não acharam, como também sobre nós os que depois vierem. Isto escreveu animosamente o maior espírito dos estoicos.
do p.A.Vieira - no sermão da Conceição Imaculada
Como em todas as matérias controversas, dizer o já dito é supérfluo, dizer o que ainda não esteja dito, é dificultoso.
domingo, 1 de maio de 2011
do p.A.Vieira - do sermao do Santissimo Nome de MAria
Ia disfarçado a umas festas de justas um cavaleiro de grande fama, insigne valor, e destreza daqueles temerários jogos; quando no mesmo caminho se afeiçoou a uma donzela de extremada formosura, filha de pais horados, mas muito pobres, aos quais ele a comprou com ricas jóias para vítima inocente de seu depravado apetite. Também aqui concorreu o medo, porque era homem poderoso e soberbo, e o que não obrassem as dádivas, acabaria a violência e a aforça. Sabendo, porém , que a donzela já vendida se chamava Maria, em reverência daquele soberano nome se absteve de lhe fazer agravo: antes porque tinha desejo e voto de servir a Deus em hábiro religioso, a levou a um convento de monjas, prometendo que de volta pagaria o dote. Que errados são os pensamentos, e que enganosas a esperanças dos homens! Esperava o cavaleiro de voltar carregado de fama e prémios, como outras vezes; mas na primeira justa lhe atravessaram o peito com uma lança, de que caiu morto. Caiu o corpo em terra e a alma também cairia no Inferno, se a Virgem Maria, lembrada da reverência com que honrara o seu nome, naquele último momento de que pende a eternidade, e em tão dificultoso transe com um acto de verdadeira contrição lhe não alvançara a graça final. Tudo isto estava oculto, e no convento tardava o cavaleiro, e a promessa do dote; mas a mesma Senhora, como fiadora de sua palavra, a desempenhou, e revelando em testemunho do que tinha sucedido que desenterrado o corpo defunto do cemitério comum, lhe achariam na boca uma rosa, cujas raizes saíam do coração; que foi maior o triunfo que alcaçou por devoto do nome de Maria que a vitória que esperava conseguir pelas armas. Desta maneira o cavaleiro e a donzela ambos se salvaram, onde ambos se haviam de perder: ela pelo nome que tinha de Maria, e ele pela reverência do mesmo nome."
do p.A.Vieira - do sermao do Santissimo Nome de MAria
Só vos digo, que invoqueis o nome Maria, quando tiverdes necessidade dele: quando vos sobrever algum desgosto, alguma pena, alguma tristeza: quando vos molestarem os achaques do corpo, ou vos mão molestarem os da alma: quando vos faltar o neessário para a vida, ou desejardes o supérfluo para a vaidade: quando os pais,os filhos, os irmãos, os parentes se esquecerem das obrigações do sangue; quando vo-lo desejarem beber a vingança,o ódio, a emulação, a inveja: quando os inimigos vos perseguiram, os amigos vos desampararem, e donde semeastes benefícios. colheres ingratidões e agravos; quando os maiores vos faltarem com a justiça, os menores com o respeito, e todos com a proximidade:quando vos inchar o mundo, vos lisonjear a carne, e vos tentar o Demónio, que será sempre e em tudo: quando vos virdes em alguma dúvida, ou perplexidade, em que não saibais resolver, nem tomar conselho: quando vos não desenganar a morte alheia, e vos enganar a própria, sem vos lembrar a conta de quanto e como tendes vivido e ainda esperais viver: quando amanhecer o dia, sem saberes de haveis de anoitecer, e quando vos recolherdes à noite, sem saber se haveis de chegar à manhã; finalmente, em todos os trabalhos, em todas as afliçõs, em todos os perigos, em todos os tempos e em todos os desejos e pretensões, porque nenhum de nós conhece o que lhe convém; em todos os sucessos prósperos ou adversos, e muito mais nos prósperos, que são os mais falsos e inconstantes: e em todos os casos e acidentes súbitos da vida, da honra, da fazenda e principalmente nos da consciência, que em todos anda arriscada, e com ela a salvação. E como em todas estas cousas, e cada uma delas necessitamos de luz,alento, e remédio mais que humano; se em todas e cada uma recorrermos à protecção e amparo da Mãe das misericórdias, não há dúvida que, obrigados da mesma necessidade, não haverá dia, nem hora, nem momento, em que não invoquemos o nome de Maria,"
do p.A.Vieira - do sermao do Santissimo Nome de MAria
Mas em Àsia e em uma gentia temos outro maior exemplo, e que mais nos deve confundir. É caso, que se o não escreveram autores dignos de toda a ´fé, parecera incrível. Uma gentia japonesa era tão devota do seu falso deus Amida, que todos os dias, furtando para isso muitas horas ao sono, invocava o nome de Amida cento e quarenta mil vezes. Mas não é cousa nova em Deus abrir os olhos com a luz da verdade, e trazer a seu serviço os que vê aplicados com extraordinário zelo ao culto de seus erros. Assim o fez com Saulo, e assim com esta idólatra, a qual no ano de mil seiscentos e vinte e dous se fez cristã, sendo já de maior idade, e trocando um amor por outro amor como a Madalena, foi continuando a sua devoção com o mesmo fervor até à morte, sem outra diferença mais, que mudar o aboninável nome de Amida no nome santìssimo de Maria. Cento e quarenta mil vezes cada dia invocava o nome da Mãe do verdadeirto Deus no mais remoto da Ásia, para exemplo e confusão da crestandade de Europa."
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