quinta-feira, 30 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo nono
"Neste mundo, diz o Senhor, há duas portas, e duas vias: uma via muito larga e espaçosa, que leva à perdição e são muitos os que entram por ela; outra via muito estreita e muito apertada, que guia à vida eterna e são poucos os que a acham ! Notai, que da via larga e da perdição, que é a de muitos, diz o Senhor, que entram por ela: Et multi sunt, qui intrant per eam; e da via estreita e da salvação, que é a de poucos, diz, que a acham: Et pauci sunt, qui inveniunt eam: porque o achar é ventura e estes são os venturosos; os outros ,desventurados . Sendo pois tão grande e tão clara a diferença destes dous caminhos e sendo forçoso fazer eleição de um deles, nenhum homem há, nem pode haver, se tem uso da razão, que não haja de escolher o da via estreita. Se é cristão, porque assim o resolveu Cristo neste mesmo lugar, dizendo: Contendite intrare per augustam portam. Se é gentio, porque assim o entenderam e ensinaram os filósofos, em que é famoso o Bívio de Pitágoras; e se se ama e não se tem ódio a si mesmo, porque a via estreita tem por fim a salvação e a larga a perdição. Pois se os motivos e razões desta eleição são tão evidentes e manifestos, como há tantos que caminhem pela via larga e tão poucos pela estreita ? Porque tanto pode e tanta é a força que tem contra a fraqueza humana o presente e o deleitável. A fé olha para o futuro, os sentidos para o presente; o deleitável da fé, representa-se ao longe, o dos sentidos goza-se de perto; e como estes na via larga se gozam e na estreita se mortificam ( posto que na via larga não faltem pesares, como na estreita consolações), são poucos aqueles, em que com prudência e valor prevaleça o espírito contra a carne e a sujeite aos rigores da via estreita; e muitos pelo contrário, os fracos e cegos, em que a carne prevalece contra o espírito e não já cativo e violento, mas voluntário e contente, os leva aos falsos gostos da via larga."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo nono
"E porque há muitos corações, nem cristãos, nem ainda humanos, uns duros e rebeldes, como as pedras, outros inquietos e perturbados, como o mar, outros leves e inconstantes, como o ar, nos quais os passos da Vida, Morte e Ressurreição do Filho de Deus não imprimem os vestígios, que na passagem que fez por este mundo, deixou seu exemplo nele; para acudir a este descuido, a este esquecimnento e a esta grande ingratidão, a Soberana Mãe do mesmo Senhor os tornou a estampar pela mesma ordem no seu Rosário, abrindo nele de novo o caminho do Céu e fazendo daquelas vias cerradas uma via patente e manifesta."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo nono
"Diz Salomão, que três cousas, ou três vias, lhe são muito dificultosas de entender: a via da serpente na pedra, a via da nau no mar, a via da águia no ar: Tria sunt difficilia mihi. Viam aquilae in coela, viam colubri super petram, viam navis in medio mari. E que dificuldade têm estas três vias, para que a sabedoria do mesmo Salomão as não entenda ? A dificuldade é uma só e a mesma em todas três; porque todas são via sem rasto, nem vestígio. A via da serpente na pedra, é via sem rasto, nem vestígio; porque a pedra o não admite, por ser dura e sólida; a via da nau no mar, é via sem rasto, nem vestígio; porque o mar o não conserva, por ser inquieto e confuso; e a via da águia no ar, é via sem rasto, nem vestígio, porque o ar o não demonstra, por ser diáfano e invisível. E tudo isto que assim havia de suceder naturalmente, se venceu e trocou na via do Rosário."
segunda-feira, 27 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo oitavo
"Saibamos agora, por que razão ele lhe chamou férculo ; nome qaue só esta vez e só neste lugar, se lê em toda a Escritura Sagrada. Todos os autores, latinos, gregos e hebraicos, derivam a
palavra ferculum do verbo fero que significa levar. E não o lhe chamou Salomão ou carroça, ou liteira, ou andor, senão "férculo"; para que não só o efeito, senão o mesmo nome mostrasse que o intento com que fora fabricado, era para o "férculo" o levar, e ele ser levado, que não tem outra diferença a singularidade do nome. Ajuntando pois a propiedade desta significação com a significação da mesma fábrica; que outra cousa vem a ser a palavra o "ferculum" dos Cânticos, e a palavra "portavit" do Evangelho, senão dous admiráveis sinónimos, com que Salomão profetizou no "ferculum" o sentido do "portavit", e o Evangelho declarou no "portavit" o mistério e sentido do "ferculum ? O sentido do "portavit", enquanto Cristo esteve encerrado no sagrado ventre: Beatus venter, qui te portavit: era, ( como vimos) para que o movimento activo e o levar, pertencesse aó à Mãe e o movimento passovo e o ser elvado, ao Filho: e o mesmo sentido e mistério, como diz Alberto Magno, é o do férculo."
palavra ferculum do verbo fero que significa levar. E não o lhe chamou Salomão ou carroça, ou liteira, ou andor, senão "férculo"; para que não só o efeito, senão o mesmo nome mostrasse que o intento com que fora fabricado, era para o "férculo" o levar, e ele ser levado, que não tem outra diferença a singularidade do nome. Ajuntando pois a propiedade desta significação com a significação da mesma fábrica; que outra cousa vem a ser a palavra o "ferculum" dos Cânticos, e a palavra "portavit" do Evangelho, senão dous admiráveis sinónimos, com que Salomão profetizou no "ferculum" o sentido do "portavit", e o Evangelho declarou no "portavit" o mistério e sentido do "ferculum ? O sentido do "portavit", enquanto Cristo esteve encerrado no sagrado ventre: Beatus venter, qui te portavit: era, ( como vimos) para que o movimento activo e o levar, pertencesse aó à Mãe e o movimento passovo e o ser elvado, ao Filho: e o mesmo sentido e mistério, como diz Alberto Magno, é o do férculo."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo oitavo
"Entre as famosas fábricas de Salomão, é célebre um trono portátil, chamado férculo, no qual o grande monarca contumava sair em público, quando se queria mostrar aos vassalos com toda a ostentação de pompa e majestade. A matéria desta fábrica era dos cedros de Líbano: tinha colunas que eram de prata ; cotre as colunas, dossel, que era de púrpura; e no espaldar cadeira, que era de ouro: Ferculum fecit sibi rex Salomon de llignis Libani. Columnas ejus fecit argenteas , reclinatorium aureum, ascensum ( hoc est, velamen ) purpureum. Assim lemos no terceiro capítulo dos Cânticos. E porque naquele livro enigmático, todo o material é metafórico e todo o literal místico: para inteligência do mistério que encerram as palavras referidas, é necessário saber dias cousas: primeira, qual era a significação daquela fábrica: segunda, porque se chamava férculo.
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo sétimo
"Introduz Macróbio em um diálogo dous interlocutores, um nhamado Pretextato, grande desprezador dos escravos e outro que os defendia, chamado Evângelo. Este pois, que só uma letra lhe faltava para Evangelho, disse assim a Pretextato: Si cogitaveris tantumdem in utrosque licere fortunae ; tam tu illum cidere liberum potes, quam ille te servum. Se considerares, ó Pretextato, que tanto poder tem a fortuna sobre os escravos como sobre os livres; acharás que este que tu hoje vês escravo, amanhâ o podes ver livre: e que ele, que hoje te vê livre, amanhâ te pode ver escravo. E senão diz-me: de que idade era Hécuba, Creso e a mãe de Dario e Diógenes e Platão quando se viram cativos ? Nescis qua aetate Hecuba sevire coepit, qua Croesus, qua Darii mater, qua Diogenes, qua Plato ipse ?
Senhores, que hoje vos chamais assim, considerai que para passar da liberdade ao cativeiro, não é necessária a transmigração de Babilónia e que na vossa mesma terra pode suceder esta mudança e que nenhuma há no mundo que mais a mereça e esteja clamando por ela à Divina Justiça."
Senhores, que hoje vos chamais assim, considerai que para passar da liberdade ao cativeiro, não é necessária a transmigração de Babilónia e que na vossa mesma terra pode suceder esta mudança e que nenhuma há no mundo que mais a mereça e esteja clamando por ela à Divina Justiça."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo sétimo
"Foi questão entre os filósofos antigos; se era justo e decente que os senhores admitissem consigo à mesa e pusessem a ela os seus escravos ? Os estóicos, que era a seita mais racional e entre os gentios a mais cristâ, ensinava que os senhores deviam admitir os escravos à sua mesa e louvavam a humanidade dos que isto faziam e se riam da soberba dos que se desprezavam de o fazer. Servi sunt ? (dizia o maior mestre da mesma seita) Servi sunt ? Imo homines. Servi sunt ? Imo contubernales. Servi sunt ? Imo humiles amici. Servi sunt ? Imo conservi. I deoque rideo istos, qui turpe existimant cum servo suo coenare. Todas estas razões de Séneca se reduzem a uma, que é, serem também homens os que são escravos. Se a fortuna os fez escravos, a natureza fê-los homens: e porque há-de poder mais a desigualdade da fortun para o desprezo, que a igualdade da natureza para a estimação ? Quando os desprezo a eles, mais me desprezo a mim; porque neles desprezo o que é por desgraça, e em mim o que sou por natureza."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo sétimo
"E isto faz Deus (diz elegante e discretamente o Santo) porque assim como na Terra há lei de talião para os delitos, assim no Céu tem lei de talião para os prémios: Ut talionem redderet."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo sétimo
"Esta é a razão por que os escravos entre os gregos se chamavam corpos. Assim o refere Santo Epifânio, e que o uso comum de falar entre eles era, não que tal ou tal senhor tinha tantos escravos, senão que tinha tantos corpos. O mesmo diz Séneca, que se usava entre os romanos. E é erudição que ele ensina a seu discípulo Lucílio : porque ainda que a notícia dos vocábulos é de todos, saber a origem deles é só dos que sabem as cousas e mais as causas : Quando quidem dominium corporibus dominatur, et non animis, propterea servos corpora vocaverunt, ut usum corporum ostenderent. Sabes, Lucílio, porque os nossos maiores chamaram aos escavos corpos ? Porque o domínio de um homem sobre outro homem só pode ser no corpo e não na alma. Mas não é necessário ir tão longe como a Roma e à Grécia. Pergunto: neste vosso mesmo Brasil quando quereis dizer que fulano tem muitos ou poucos escravos, porque dizeis que tem tantas ou quantas peças ? Porque os primeiros que lhe puseram esta nome, quiseram significar, sábia e cristãmente, que a sujeição que o escravo tem ao senhor, e o domínio que o senhor tem sobre o escravo, só consiste no corpo. Os homens não são feitos de uma só peça, como os anjos e os brutos. Os anjos e os brutos (para que nos expliquemos assim) são inteiriços; o anjo, porque todo é espírito; o bruto, porque todo é corpo. O homem não . É feito de duas peças, alma e corpo. E porque o senhor do escravo só é senhor de uma destas peças, e a capaz de domínio, que é o corpo; por isso chamais aos vossos escravos peças. E se esta derivação vos não contenta: digamos que chamais peças aos vossos escravos, assim como dizemos, uma peça de ouro, uma peça de prata, uma peça de seda, ou de qualquer outra cousa das que não têm alma. E por este modo ainda fica mais claramente provado, que o nome de peça não compreende a alma do escravo, e somente se entende e se estende a significar o corpo. Este é o que só se cativa, este o que só se compra e vende, este o que só tem debaixo de sua jurdição a fortuna, e este enfim o que levou de Jerusalém a Babilónia a transmigração dos filhos de Israel, e este o que traz da Etiópia ao Brasil a transmigração dos que aqui se chamam escravos, e aqui contimuam seu cativeiro."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo sétimo
"Sabei pois, todos os que sois chamados escravos, que nã0 é escravo tudo o que sois. Todo o homem é composto de corpo e alma; mas o que é e se chama escravo, não é todo o homem, senão só ametade dele. Até os gentios que tinham pouco conhecimento das almas, conheceram esta verdade e fizeram esta distinção. Homero, referido por Clemente Alexandrino, diz assim: Altitonans Jupiter viro, quem alii servire necesse est, aufert diimidium. Quer dizer, que aqueles homens a quem Júpiter fez escavos , os partiu pelo meio e não lhe deixou mais que uma ametade que fosse sua; porque a outra ametade é do senhor a quem servem. E qual é esta ametade escrava e que tem senhor, ao qual é obrigada a servir ? Não há dúvida que é a ametade mais vil, o corpo. Excelentemente Séneca: Errat, si quis existimat servitutem in totum hominem descendere : pars melior ejus excepta est. Quem cuida que o que se chama escravo, é o homem todo, erra e não sabe o que diz : a melhor parte do homem, que é a alma, é isenta de todo o domínio alheio, e não pode ser cativa. O corpo e somente o corpo, sim : Corpus itaque est, quod domina fortuna tradidit. Hoc emit, hoc vendit : interior illla pars macípio dari non potest. Só o corpo do escravo (diz o grande filósofo) é o que deu a fortuna ao senhor: este comprou, e este é o que pode vender. E nota sapienteíssimamente, que o domínio que tem sobre o corpo, não lho deu a natureza senão a fortuna : Quod domino fortuna tradidit ; porque a natureza, como mãe, desde o rei ao escravo, a todos fez iguais, a todos livres."
domingo, 26 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo sétimo
" E se as influências da sua estrela são tão contrárias e nocivas, como se não comunicam ao menos aos trabalhos de suas mãos, e como maldição de Adão, às terras que cultivam ? Quem pudera cuidar que as plantas regadas com tanto sangue inocente houvessem de medrar, nem crescer e não produzir, senão espinhos e abrolhos ? Mas são tão copiosas as bençãos de doçura, que sobre elas derrama o Céu; que as mesmas plantas são o fruto, e o fruto tão precioso, abundante e suave, que ele só carrega grandes frotas, ele enriquece de tesouros o Brasil, e enche de delícias o mundo. Algum grande mistério se encerra loogo nesta transmigração: e mais se notarmos ser tão singularmente favorecida e assistida de Deus, que não havendo em todo o Oceano navegação sem perigo e contrariedade de ventos, só a que tira de suas pátrias a estas gentes e as traz ao exercício do cativeiro, é sempre com vento à popa, e sem mudar vela."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo sétimo
"Já se depois de chegados olharmos para estes miseráveis, e para os que se chamam seus senhores: o que se viu nos dous estados de Job, é o que aqui representa a fortuna, pondo juntas a felicidade e a miséria no mesmo teatro. Os senhores poucos, e os escravos muitos; os senhores rompendo galas, os escravos despidos e nus; os senhores banqueteando, os escravos perecendo à fome; os senhores nadando em ouro e prata, os escravos carregados de ferros; os senhores tratando-os como brutos, os escravos adorando-os e temendo-os como deuses; os senhores em pé apontando para o açoute, como estátuas de soberba e da tirania, os escravos prostrados com as mãos atadas atrás como imagens vilíssimas da servidão, e espectáculos da extrema miséria. Oh Deus ! Quantas graças devemos à fé, que nos destes, porque ela só nos cativa o entendimento, para que à vista destas desigualdades, reconheçamos contudo vossa justiça e providência. Estes homens não são filhos do mesmo Adão e da mesma Eva ? Estas almas não foram esgatadas com o sangue do mesmo Cristo ? Estes corpos não nascem e morrem, como os nossos ? Não rspiram com o mesmo ar ? Não os cobre a mesmo céu ? Não os aquenta o mesmo Sol ? Que estrela é logo aquela que os domina, tão triste, tão inimiga, tão cruel ?
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo sétimo
"Uma das grandes cousas que se vê hoje no mundo, e nós pelo costume de cada dia não admiramos, é a transmigração imensa de gentes e nações etíopes, que da África continuamente estão passando a esta América. A armada de Eneias, disse o príncipe dos poetas, que levava Tróia a Itália: Illium in Italiam portans: e das naus, que dos portos do mar Atlântico estão sucessivamente entrando nestes nossos, com maior razão podemos dizer que trazem a Etiópia ao Brasil. Entra por esta barra um cardume monstruoso de baleias, salvando com tiros e fumos de água as nossas fortalezas, e cada uma pare um baleato; entra uma nau de Angola, e desova no mesmo dia quinhentos, seiscentos e talvez mil escravos. Os Israelitas atravessaram o mar Vermelho, e passaram da África à Ásia, fugindo do cativeiro; estes atravessam o mar Oceano na sua maior largura, e passam da mesma África à América para viver e morrer cativos. Infelix genus hominum( disse bem deles Mafeu) et ad servitutem natum. Os outros nascem para viver, estes para servir. Nas outras terras do que aram os homens, e do que fiam e tecem as mulheres, se fazem os comércios: naquela o que geram os pais e o que criam a seus peitos as mães, é o que se vende, e se compra. Oh trato desumano, em que a mercancia são homens ! Oh mercancia diabólica, em que os interesses se tiram das almas alheias, e os riscos das próprias !
sábado, 25 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo quinto
"Encarnou o Verbo Eterno, não só sujeito a todas as pensões da natureza, senão a todos os rigores da fortuna. O nascer e morrer foram pensões da natureza; o nascer em uma manjedoura sem casa, e o morrer em uma cruz sem cama, foram rigores da fortuna. Quem obrigou a todas estas sujeições, tão alheias de quem era, foi seu próprio Pai; Qui proprio Filio suo non pepercit. Mas a que fim ? Aqui está a profundidade do mistério e do encanto. A que fim, sendo o Filho imagem natural do Padre, tão imortal, impassível e invisivel como Ele, a fez Deus passível, mortal e visível, vestindo-a da natureza humana ? E a que fim, depois de visível, mortal e passível, a tratou tão áspera, tão dura, e tão rigorosamente, assim na vida como na morte ? O fim foi para Deus enfeitiçar os homens, por amor dos quais O fizera homem."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo quinto
"Lembra-me a este propósito, que acusado de feiticeiro um lavrador romano, pela excessiva fertilidade com que as suas lavouras se avantajavam às de todos; confessou ele ingenuamente o crime em presença do Senado: e perguntado, quais eram os seus feitiços, pediu de espaço aquela noite para responder. Ao outro dia apareceu no mesmo lugar carregado de arados, de grades, de ancinhos, de enxadas, de podões, de fouces e de todos os outros instrumentos rústicos, e lançando-os diante dos senadores, disse: Veneficia mea, Quirites, haec sunt: Padres Conscritos, estes são os meus feitiços."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo quinto
"É preceito inviolável a superstição própria da arte mágica, que quanto fazem ou dizem, em seus encantos, seja sempr em número desigual. Balaão, como lhe chama a Escritura, era feiticeiro: Balaam filium Beor hariolum. Peitou-o el-rei Balac, para que com seus feitiços e encantos enfraquecesse as forças do exército de Israel, que tinha à vista: e ele ordenou primeiramente, que se levantassem sete altares, e logo que para o sacrifício se lhe tivessem preparados sete bezerros e outros tantos carneiros, nomeadamente do mesmo número: Aedifica mihi hic septem aras, et para totidem vitulos, ejusdemque numeri arietes. Neste número, sinalado sempre o mesmo, declarou bem o feiticeiro, quanto importava para o efeito dos feitiços o mistério, ou superstição do número. Sete altares, sete bezerros, sete carneiros: e porque não seis, nem oito, senão sete ? Porque a arte mágica de nenhum modo se serve de números iguais, ou pares, senão sempre de número desilgual, ou ímpar. Assim o lemos em Ovídio nos feitiços de Medeia, em Lucano nos feitiços de Ericto e em Virgílio,nos de Maga, que enfeitiçou a Dáfnis."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo quinto
"Não há mentira, tão falsa, que se a querem fazer aparente, ou verisímil, se não funde em alguma suposição verdadeira."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo terceiro
"Procurai com todo o cuidado de fazer certa a vossa vocação por meio das boas obras. E como a nossa predestinação se funda nas obras de nossa vida: daqui se segue, que enquanto vivemos, se quisermos, nos podemos fazer do número dos predestinados. Nem encontra esta possibilidade a presciência infalível, que Deus tem dos mesmos predestinados e número deles; porque as nossas obras não são boas, porque Deus sabe que nos havemos de salvar, mas sabe Deus que nos havemos de salvar, porque as nossas obras, cooperando com sua graça, hão-de ser boas e dignas de salvação."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo terceiro
"Cada um colherá o que lhe ditar a sua devoção e o seu juizo. O que a mim me aconselha o meu e o que eu quisera persuadir a todos, é, que de todos estes números tiremos uma firme resolução de ser do número dos predestinados. Mas antes de declarar o meio e o modo, importa que se entenda primeiro como isto é possível. A predestinação de todos e cada um de nós, está decretada ab aeterno e conhecida na Presciência Divina, que é imutável: logo parece, que, ainda que nós queiramos, nos não podemos fazer do número dos predestinados ? Digo que sim, podemos. A teologia mais certa e mais bem fundada em todas as Escrituras Sagradas, é que Deus nos predestinou post praevisa merita: quer dizer este termo próprio das escolas, que previu Deus desde sua eternidade os merecimentos e obras de cada um e conforme as mesmas obras, que são as que agora fazemos e fizermos até à morte, ou as boas feitas com sua graça, ou as más feitas sem ela por nosso livre alvedrio, decretou o mesmo Deus a salvação de uns e a condenação de outros."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo terceiro
"Chamados os operários à vinha do pai de famílias, uns vieram mais cedo, outros mais tarde; uns trabalharam mais, outros menos; e no fim do dia o pai de famílias, que representava a Deus, mandou pagar a todos e a todos se deu a mesma moeda. Chamava-ze esta moeda denário, com o nome derivado do número dez, porque no peso e no preço, continha o valor de dez moedas menores. Pois se uns vieram à vinha cedo e outros tarde, se uns trabalharam muito e outros pouco, porque paga Deus a todos igualmente com a mesma moeda e com o mesmo denário ? Porque o denário significa a glória essencial, que nesta parábola se declara pela proporção numérica. E posto que na mesma glória, os que trabalharam mais, ou menos, a terão maior, ou menor, quanto ao grau, sempre é necessário que todos a recebam igual, quanto ao número. A razão é, como dizia: porque o prémio deve ser proporcionado ao merecimento: e como o merecimento não pode ser menor que o de todo o Decálogo, também o prémio não pode ser menor que o de todo o denário. Mas como no mesmo Decálogo pode ser mais ou menos perfeita a observância, assim no mesmo denário pode ser mais ou menos perfeito o grau de glória. Sempre porém é igual em todos o número de dez no denário, porque sempre há-de ser igual em todos o número de dez no Decálogo: Usque ad servantes praecepta Decalogi."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo terceiro
"A culpa tem a pouco e viciosa retórica dos que, para dizerem alguma cousa, sempre a dificultam primeiro e depois a resolvem, com que sem pergunta e resposta, não há conceito, nem os ouvintes pelo costume percebem o que se diz."
sexta-feira, 24 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo terceiro
"Lá dis a Escritura Sagrada, que a pobreza quando acomete é como um salteador armado."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo terceiro
"Assim como a Providência Divina tem diferentes remédios para diferentes necessidades, assim tem diferente pão para diferentes fomes."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo terceiro
"Só estranhará o nome de pobreza nos reis, quem não sabe, que os reis são mais pobres que os vassalos. Não é mais pobre quem tem menos, senão quem necessita de mais. E ninguém tem mais necessidade, nem maiores necessidades, que os reis. Necessidade de fabricar armadas, necessidade de fornecer exércitos, necessidade de fortificar praças e presidiar fortalezas, necessidade de salariar ministros nos reinos próprios, necessidade de manter e autorizar embaixadores nos estranhos , necessidade de sustentar com decência, aparato e magnificência real a própria majestade, e mil necessidades outras públicas e ocultas, das quais pedia o mesmo rei a Deus o livrasse: De necessitatibus meis erue me: e cercada, antes oprimida de tantas e tão forçosas necessidades a falsa potência e verdadeira pobreza dos reis, vede a quantas quebras de consciência e a quantas fraquezas de virtude estará exposta: Infirmata est in paupertate virtus mea? Fraqueza nos mesmos tributos e susídios necessários, tolerando que carreguem sobre os pequenos e miseráveis e fiquem isentos os grandes: fraqueza nas doações inoficiosas e indevidas, não se pagando no mesmo tempo, o que se deve aos legítimos acredores: fraqueza nas chamadas graças feitas prodigamente aos que a logram de perto, esquecidos os que servem e trabalham ao longe: fraqueza na observância e dissimulação das leis com os poderosos: fraqueza na igualdade da justiça: fraqueza no verdadeiro e desinteressado exame das causas: fraqueza na atenção ao luxo e regalo, para que tudo sobeja: fraqueza no descuido da conservação do que se perde, para que tudo falta: e tantas outras fraquezaas de virtude que ainda nos reis, que parecem timoratos, mais se podem chorar, que dizer."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo terceiro
"Não sabes que o maior brio e o maior empenho de um homem de alto nascimento, para não cometer indignidades, nem vilezas, é lembrar-se da nobreza de seus país . e não querer pôr mancha na sua geração ? Assim é (diz o demónio) mas isso se entende quando o filho de bons pais tem que comer.Porém quando está com fome e se vê apertado da necessidade, nem faz caso de pais, nem se lembra de gerações, nem olha para as manchas da honra, nem para o crédito e reputação da pessoa, a tudo fenha os olhos com tanto que tenha com que sustentar a boca."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo terceiro
" O primeiro efeito ou consequência da necessidade, é o desprezo da honra, o segundo a destruição da virtude. E ponho em segundo lugar a destruição da virtude; porque o muro da virtude é a honra, e derrubado este muro, a virtude que ele defendia, facilmente se rende. Quem se não envergonha dos homens que vê, facilmente perde o respeito a Deus, que não vê. Os romanos, para a emulação, de tal sorte edificaram os templos da Honra e da Virtude, que pelo da Virtude se entrava ao da Honra: e o demónio, para a tentação, primeiro bate o da Honra, para derrubar o da Virtude. Por isso sendo todo o pecado ofensa de Deus e crime de lesa- majestade divina, introduziu o mesmo demónio no mundo, que alguns pecados não fossem infames, para que tirado o temor da desonra, ficasse facilitado o precipício da culpa. Aberta pois a primeira brecha no muro da honra, apenas se achha virtude tão constante, que sitiada da necessidade e apertada da fome, pela triste condição somente de ter com que sustentar a vida, não renda a consciência e a alma a tão infame partido. Esta é a razão conhecida até dos gentios, porque Virgílio, quando descreveu o pórtico e entrada do inferno, adornado feiamente daqueles monstros horrendos, colocou também entre eles a Pobreza e a Fome:
Malesuada Fames et turpis Egestas.
À Fome chamou malesuada e à pobreza "turpis"; porque não há vício nem maldade, que a fome não persuada nem torpeza ou infâmia, que a necessidade e pobreza não facilite."
Malesuada Fames et turpis Egestas.
À Fome chamou malesuada e à pobreza "turpis"; porque não há vício nem maldade, que a fome não persuada nem torpeza ou infâmia, que a necessidade e pobreza não facilite."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo terceiro
"Assim cono os sãbios dos persas e medos deram o principado do poder à verdade, assim os gregos e latinos, mais sábios que eles, sobre a mesma controvérsia, o deram ao amor. Estes disseram: Omnia vincit amor: e não houve nação tão dura e bárbara, que se não assinasse, ou alistasse debaixo desta sentença. Mas se no mesmo caso concorrer o amor e a necessidade, quem vos parece, que há-de vencer ? Claudiano disse:
Paupertas me saeva primit, blandusque Cupido:
Sed toleranda fames, non tolerandus amor.
Quer dizer, que apertado um homem por uma parte da fome e por outra do amor, com a fome ser cruel e o amor brando, a fome é tolerável, o amor não. Eu creio, que quando este poeta isto escreveu, devia de ter bem comido e bebido. Em dizer, Sed toleranda fames non tolerandus amor, não soube o que disse. Havia de dizer pelo contrário, Sed tolerandus amor, non toleranda fames. Porque quando concorrem juntos o amor e a fome, a fome triunfa do amor e vemce o que tudo vence. E senão, ponhamos ambos em campo e vejamos qual leva a vitória. "
Paupertas me saeva primit, blandusque Cupido:
Sed toleranda fames, non tolerandus amor.
Quer dizer, que apertado um homem por uma parte da fome e por outra do amor, com a fome ser cruel e o amor brando, a fome é tolerável, o amor não. Eu creio, que quando este poeta isto escreveu, devia de ter bem comido e bebido. Em dizer, Sed toleranda fames non tolerandus amor, não soube o que disse. Havia de dizer pelo contrário, Sed tolerandus amor, non toleranda fames. Porque quando concorrem juntos o amor e a fome, a fome triunfa do amor e vemce o que tudo vence. E senão, ponhamos ambos em campo e vejamos qual leva a vitória. "
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo terceiro
"Suposto pois que na nossa experiência, por abuso, seja mais poderosa a mentira que a verdade; e na sentença de Zorobabel, por razão, seja mais poderosa a verdade que todo outro poder: segue-se porventura daqui, que a cousa mais poderosa do mundo, ou bem, ou mal governado, seja quaquer delas ? Não. Porque ainda há no mundo outra cousa mais poderosa. E qual é ? A necessidade. A necessidade, a pobreza, a fome, a falta do necessário para o sustento da vida, é o mais forte, o mais poderoso, o mais absoluto império, que despoticamente domina sobre todos os que vivem. Não há cousa tão dificultosa, tão árdua, tão repugnante à natureza, a que a não obrigue, a que a não renda, a que a não sujeite, não por vontade, mas por força e violência, a duríssima e inviolável lei da necessidade. A necessidade é que leva o soldado à guerra e a escalar as muralhas, onde vendo cair uns a ferro e voar outros a fogo, avança contudo e não desmaia. A necessidadee é a que engolfa o marinheiro nas ondas do oceano: elas com os naufrágios à vista e ele com tal ousadia que metido dentro em quatro tábuas, se atreve a pelejar, não só com os ventos e tempestades, mas com todos os elementos. A necessidae é a que mete, ou precipita o mineiro ao mais profundo das entranhas da terra e sem temor que as mesmas montanhas, que tem sobre si, caiam e o sepultem, ele lhe cai cavando as raizes e sangrando as veias. Finalmente com mais ordinário e geral desprezo da vida e da saúde, quem faz que o lavrador não tema os regelos do inverno, nem o segador as calmas ardentes do estio, nem o pastor os dentes do lobo e do urso e em muitas partes as unhas do leão e do tigre, senão a necessidade ? E posto que uns e outros tantas vezes perecem en tão conhecidos perigos; a mesma necessidade com implicação manifesta da própria conservação, é a que para sustentar a vida os obriga a perder a mesma vida. Até o pobre e atrevido ladrão, que desde o primeiro passo, com que salteou os caminhos, começou a caminhar para a forca, se ao pé dela lhe perguntam, quem o trouxe a tão miserável estado, responde com o laço na garganta, que a necessidade. E para que ninguém se admire deste grande poder da necessidade sobre todos, a razão é, diz o provérbio, porque todos os outros poderes são sujeitos às leis e só a necessidade não tem lei: Necessitas caret lege."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo terceiro
"Porém, depois que passando a este Mundo Novo vejo de mais longe o Velho; tenho achado por experiência , que muitas vezes mais poderosa é a mentira que a verdade. Não se pode isto dizer sem escândalo da razão e horror da mesma natureza; mas não se pode negar. E porquê? Porque a mentira é crida e acreditada e a verdade não tem fé, nem crédito: a mentira escusa os culpados e a verdade não pode defender os inocentes: a mentira é absoluta sobre a sua palavra e a verdade condenada sem ser ouvida: a mentira profana sacrilegamente a religião e o sacerdócio e à verdade não lhe vale o sagrado: enfim, a mentira que devera ser pisada,traz debaixo dos pés a verdade; e a verdade de quem se diz que nada sobre tudo, se vê tão soçobrada e afogada da violência, que nem respirar pode. E posto que os juizes sejam rectos, ou o queiram parecer, é tal o enredo dos testemunhos falsos, induzidos e subornados, ou com o dinheiro, ou com o ódio, ou com o temosr, ou com a dependência, ou com a lisonja, ou com tudo; que a mentira é a que vence e a falsidade a que triunfa. Assim que muitas vezes a mentira hoje no mundo é mais poderosa que a verdade. Assunto que eu pudera provar com esquisitos e formidáveis exemplos, se não fora outro o meu intento."
quinta-feira, 23 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo terceiro
"No palácio de el-rei Dario, enquanto ele dormia, três guardas-mores da pessoa real, que lhe vigiavam o sono, filosofando, ao que parece , sobre o sosseggo com que descansava aquele grande monarca, sem o desvelar o governo de cento e dezoito reinos, de que era senhor, excitaram entre si aquela famosa questão que refere Esdras: Qual fosse a mais poderosa cousa do mundo? Despertou o rei e lendo a questão, que os mesmos autores dela lhe tinham posto escrita debaixo dos travesseiros, prometeu grandes prémios a quem melhor a resolvesse. Um disse, que a mais poderosa cousa do mundo é o rei; porque os reis podem quanto querem e ainda que queiram o que não podem, ninguém há que lhe resista, tudo executam e conseguem. Outro disse, que mais poderoso é o vinho; porque à força saborosa deste licor se rendem muitas cabeças coroadas e o pudera provar com a de Noé, da qual fiou Deus o governo e restauração do mundo, e não areando na maior tempestade, que foi a do Dilúvio, o vinho e derrubou. O terceiro finalmente, que era Zorobatel, disse, que mais poderosa é a mulher, e o provou com um notável exemplo de certa mulher chamada Apémen, bastando o primeiro de todos, que foi o de Eva. Mas não contente com esta resolução em que manifestamente venceu as dos companheiros, acrescentouj e concluiu que a mais poderosa cousa do mundo é a verdade: Veritas magna et fortior prae omnibius."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo segundo
"Nenhum daqueles textos (cousa muiro digna de se notar) diz, que os instrumentos louvem a Deus, senão que os homens louvem a Deus com eles. Laaudate eum in sono tubae; laudate eum in psalterio, et cithara: Não diz, que louvem a Deus as trombetas, os saltérios, e as cítaras, senão que os homens O louvem com as cítaras, com os saltérios e com as trombetas. Laudate eum in tympano, et choro: laudate eum in chordis, et organo: Não diz que louvem a Deus, senão, que louvem a Deus os homens com os instrumentos? Porque nos instrumentos estão as vozes, nos homens está a inteligência: e os louvores de Deus não se compõem só das vozes sem inteligência, que estão nos instumentos; senão da inteligência junta com a vozes, que está nos homens."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo segundo
"Os instrumentos , que não têm alma, e têm voz, se ueo distinguirem os sons, como se há-de entender o que significam? De sorte, que até nos instrumentos inanimados são necessárias três cousas: o som, a dignificação do que soam e a inteligêndia do que significam; porque se faltar esta significação e esta indteligência, os instrumentos por si sós de nada servem. Põe o exemplo o mesmo apóstolo na trombeta: Etenim si incertam vocem det tuba: quis se parabit ad bellum? A trombeta toca a marchar, a fazer alto, a acometer, a retirar, e a todos os outros movimentos militares: mas estas distinções e inteligências, não as faz a trombeta, senão o trombeta. O homem que a governa é o que a anima; porque a avoz do instrumento é voz sem alma: Sine anima sunt vocem dantia. E como a alma da voz é a significação e a inteligência, ainda nos instrumentos, com que se alegava: bem prova delas e com eles, quão pouco vale o som das vozes em quem ora, se lhe faltar a inteligência do que significam."
quarta-feira, 22 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo segundo
"Foram dous homens orar ao Templo, diz Cristo, um deles religioso de profissão e outro publicano. Este, com grande humildade, sem se atrever a levantar os olhos ao Céu, pedia perdão de seus pecados. E o outro, que fazia ou dizia? Deus gratias ago tibi, quia non sum sicut caeteri hominum: Senhor, dou-Vos muitas graças, porque não sou como os outros homens. Não orava, diz Santo Agostinho, para rogar a Deus, senão para se engrandecer a si, e se antepor aos outros: Ascendens orare, noluit Deum rogare, sed se laudare. E isto mesmo é o que fazem as presumidas do seu modo de orar. O outro dizia dentro em si (A pud se): Senhor dou-Vos muitas graças, porque não sou como os outros homens; e elas também dentro em si, estão dizendo com a sua presunção: Senhor, dou-Vos muitas graças, porque não sou como as outras mulheres. Elas rezam pelas contas, eu rezo pelo Breviário: elas rezam padre-nossos e ave-marias, eu rezo hinos e salmos: elas, com o vulgo, rezem em linguagem, e eu rezo em latim: e em tão bom latim, e tão bem pronunciado, que melhor puderam dizer, que rezam em grego. Mas como sairam das suas orações os dous oradores? O que rogou por seus pecados, saíu com perdão deles: e o que se quis extremar dos outros, e levantar-se sobre todos, saíu com um pecado de mais, que foi o da sua presunção e altiveza. Miséria verdadeiramente grande, que sendo a oração o meio de aplacar e conciliar a Deus, se converta em motivo de O desgradar e ofender; e em vez de diminuir os pecados, os acrescente: Oratio ejus fiat in peccatum."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo segundo
"O tempora ! O mores ! Antigamente o maior lustro das igrejas, e a parte mais autorizada dos concursos, eram as senhoras portuguesas onde vinham adorar a Deus com todo o rosto descoberto. Na igreja se confessavam, na igreja comungavam, na igreja ouviam missa e sermão. Mas o que então só se permitia à extrema enfermidade, se concede hoje à extrema vaidade. Há-de ir o confessor a suas casas (perdoe Deus aos que vão), lá se confessam, lá ouvem missa, lá comungam. Vede, se é maior desautoridade quererem que vá Deus a suas casas, ou virem-No buscar à sua. Se a igreja pudera lá ir, também haviam de esperar que fosse; mas porque não pode ir a igreja, querem que vão os sacramentos. O de mais, ou o de menos, é para as mulheres do vulgo. Com grande providência ordenou o Autor dos mesmos sacramentos, Cristo, que a matéria deles fosse certa, e determinada; porque doutra sorte nem os filhos se haviam de baptizar em água, nem as mães comungar debaixo de espécies de pão. Mas estas e outras fidalguias, fiquem para os pregadores de mais perto e para aqueles (se há algum) a quem os ares da sorte não tiverem pegado o contágio."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo segundo
"Quando foi tresladada a Arca do Testamento, e levada com soleníssima procissão desde a casa de Obededon para a cidade de David, ao som de vários instrumentos ia o povo muito festival, e alegre, dançando diante da Arca. E que fez então o mesmo David? Não esquecido de ser rei, mas lembrado e reconhecido de que o Deus que adorava na Arca, lhe tinha dado a coroa, despido da púrpura e das insígnias reais, se meteu entre os do povo, e não só dançava como os demais, senão que o fazia, como nota a Escritura, com todas as suas forças: Et David saltabat totis viribus ante Dominum. "
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo segundo
"Quaedam mulier de turba. E é para mim singular maravilha, que não tenha bastado esta dobrada vulgaridade, para que despreze as mesmas palavras a altiveza de certos espíritos, que até nas matérias da religião, e culto divino, se não querem parecer com o vulgo. Altiveza chamei a este abuso, e mais propriamente lhe devera chamar fraqueza, porque é próprio do sexo mais fraco. Não cabe aqui o de turba , porque é vício das melhores qualidades; nem o quaedam, porque é de muitas; mas o "mulier, sim, e muito em em seu próprio lugar, porque é mais próprio das filhas de Eva, que dos filhos de Adão."
segunda-feira, 20 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo primeiro
"A força de um exército, como ensina Vegécio, e consta da experiência, não consiste tanto na multidão dos soldados, quanto na boa repartição das armas e dos combatentes e na disposição e ordem de todo aquele corpo militar e guerreiro, o qual desordenado , desunido e roto, é facilmente vencido; porém composto, ordenado e unido, é forte, impenetrável e invencível."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo primeiro
"A luz do primeiro dia era a mesma sem aumento de outra qualidade: o firmamento do segundo dia tinha a mesma subtileza e o mar a mesma grandeza e vastidão: as plantas do terceiro, nem estavam mais verdes, nem mais floridas, nem mais carregadas de frutos: o Sol, a Lua e as estrelas do quarto não resplandeciam agora mais: os peixes e as aves do quinto, nem estavam armados de mais prateadas escamas, nem vestidas de mais pintadas penas; finalmente os animais terrestres nem tinham recebido novas formas, nem maiores forças, nem mais engenhosas habilidades. Pois se todas estas criaturas eram as mesmas e com a mesma bondade que dantes, porque razão nos olhos de Deus, que se não cegam, nem enganam, dantes só pareciam boas e agora muito boas: Valde bona? Só não tinham nada de mais, donde lhe acresceu este muito."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo primeiro
"O desvelo dos intérpretes, o estudo dos teólogos, e a curiosa especulação dos mais agudos e tenazes engenhos, toda se cansa, toda se seca, toda se suspende, e não tira de quanto cuida ou discorre neste reparo, mais que a suma admiração. Mas esta mesma admiração para comigo, se não é todo o mistério, ao menos é grande parte dele, para que assim se conheça com assombro, quão altamente quadra à maternidade da Virgem Maria o gloriosíssimo título de Mãe admirável."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo
"Comparai-me agora aqueles filhos das senhoras com estes das escravas: e naqueles achareis imprudências e ignorâncias, nestes a prudência; naqueles injustiças e tiranias, nestes a justiça: naqueles fraquezas e inconstâncias, nestes a fortaleza: naqueles intemperançpas e graves excessos, nestes a temperança. Não há dúvida que o senhorio e liberdade é mais aparelhada para os vícios, e a obediência e sujeição mais disposta para as virtudes. E se aquela é a condição e fortuna dos senhores, e esta a dos escravos, por certo, se alguns irmãos se deviam desprezar da irmandade dos outros, antes haviam de ser os filhos de Bala e Rasfa, que os de Raquel e Lia. Por isso o evangelista não só não distinguiu os irmãos por esta diferença, mas igualmente contou os da fortuna mais baixa, que eram os escravos, com o da mais nobre e mais alta, qual era a real de Juda: Judam, et fratres ejus."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo
"Não são os senhores, os que vivem descansados e em dlícias, e os esrcavos em perpétua aflição e trabalhos? Os senhores vestindo holandas e rasgando sedas e os escravos nus e despidos? Os senhores em banquetes e regaloos; e os escravos morrendo à fome? Que muito logo , que acabada a comédia desta vida, a Fortuna troque as mãos e que os que neste mundo lograram os bens, no outro padeçam os males; e os que agora padecem os males, depois também eles vão lograr os bens? E se alguém me disser, que os escravos, que nesta vida padecem os males, também têm pecados, e os senhores que logram os bens, também têm boas obras? Respondo, que tais podem ser as boas obras de uns, e os muitos pecados dos outros, que uns e outros sejam a excepção desta regra. Mas, geralmente falando, a sentença de Abraão é fundada no que orfinariamente sucede."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo
"Havendo Deus criado o primeiro homem, pôs-lhe por nome Adão, que quer dizer ruber , vermelho, por ser esta a cor do barro do campo damasceno, de que o formou. Tão importante é à altiveza humana a lembrança de seus humildes princípios. Mas se o intento de Deus era formar-lhe o nome da mesma matéria , de que o tinha formado, e a matéria era o barro vermelho, porque lhe não deu o nome do barro, senão o da cor, ruber? Porque no barro não havia perigo de se desigualarem os homens; na cor sim. No barro não; porque todos os filhos de Adão se haviam de resolver na mesma terra. Na cor sim; porque uns haviam de ser de uma cor, outros de outra. E não quis Deus que aquela cor fosse alguma das extremas, quais são a branca e a preta, senão outra cor meia e mista que se compusesse de ambas, qual é a vermelha; para que na mesma mistura e união da cor se unissem também os homens de diversas cores, ainda qaue fossem tão diversas como a branca e a preta. Por isso mo mesmo mome de Adãoelhe distinguiu também Deus as terras, qm que, segundo a qualidade de cada uma, se lhe haviam de variar as cores. É advertência engenhosa de Santo Agostinho, o qual notou que as quatro letras, de que se compõe o nome de Adão, são as mesmas que no Texto grego dão princípio às quatro partes do mundo, oriente, ocidente, setentrião, meio dia. E como os homens divididos pelas mesmo quatro partes do mundo, os de Europa, os da África, os de Ásia, e os da A mérica, conforme os diferentes climas haviam de nascer de diferentes cores: traçou a sabedoria do Supremo Artífice, que assim como en todo o nome de Adão, Ruber, estava rubricada a memória do Pai, e sangue comum de que descendiam; assim a cada letra do mesmo nome respondessem os diversos climas do mundo, que lhe haviam de variar as cores, para que na variedade da cor se não perdesse a irmandade do sangue."
domingo, 19 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo
"Quando os portugueses apareceram a primeira vez na Etiópia, admirando os etíopes neles a polícia europeia, diziam: tudo o melhor deu Deus aos europeus, e a nós só a cor preta. Tanto estimam mais que a branca a sua cor! Por isso , assim como nós pintamos aos anjos brancos e aos demónios negros; assim eles, por veneração, aos anjos pintam negros, e aos demónios, por injúria e aborrecimento, brancos, ninguem haverá que não reconheça e venere na cor preta duas prerrogativas muito notáveis. A primeira, que ela encobre melhor os defeitos, os quais a branca manifesta e faz mais feios; a segunda, que só ela não se deixa tingir de outra cor, admitindo a branca a variedade de todas: e bastavam só estas duas virtudes para a cor preta vencer, e ainda envergonhar a branca. Mas das cores só os olhos podem ser juizes. Vejamos o que eles julgam ou experimentam. Os filósofos buscando as propriedades radicais com que se distinguem estas duas cores extremas, dizem, que da cor preta é próprio unir a vista, e da branca disgregá-la e desuni-la. Por isso a brancura da neve ofende e cega os olhos. E não é isto mesmo o que com grande louvor dos pretos, e não menor afronta dos brancos, se acha em uns e outros? Dos pretos é tão própria e natural a união, que a todos os que têm a mesma cor, chamam parentes; a todos os que servem na mesma casa , chamam parceiros: e a todos os que se embarcaram no mesmo navio, chamam malungos. E os brancos? Não basta andarem meses juntos no mesmo ventre, como Jacob e Esaú, para se não aborrecerem; nem basta serem filhos do mesmo pai e da mesma mãe, como Caim e Abel, para se não matarem. Que muito logo, que sendo tão disgregativa a cor branca, não caibam na mesma congregação os brancos com os pretos?
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo
" Nunca vistes uma figura mal pintada? Pois assim é Sara, figura da Virgem Maria. As figuras bem pintadas mostram a semelhança, as mal pintadas encarecem a diferença. Quereis ver bem pintadas as nossas senhoras no rigor e pouca piedade, com que tratam os escravos? Olhai para Sara. E se quereis ver o encarecimento de piedade e amor, com que a Senhora das senhoras os trata, ponde os olhos na Virgem Maria."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo
"Primeiramente diz a Escritura, que Sara, mulher de Abraáo, tratava com tanto rigor a Agar, que a obrigou a fugir, e tornando outra vez para casa não menos apadrinhada que por um anjo; finalmente disse a Abraão, que lançasse de casa a escrava e a seu filho: Ejice ancillam hanc, et filium ejus: e assim se fez. Saibamos agora: E esta Sara quem era? Dizem as alegorias, que era figura da Virgem Maria, Senhora nossa, e se confirma com o seu próprio nome; porque Sara quer dizer domina, a senhora. Logo pouco favor parece que podem esperar da senhora, não só alguns escravos, senão todos, ou sejam os de longe como Agar, ou os de perto, como Ismael."
sábado, 18 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo
"Começando pois pela comparação dos escravos com seus senhores, no primeiro patriarca desta mesma genealogia do Evangelho, que foi Abraão, têm os escravos um exemplo, que por todas suas circunstâncias favorece pouco o seu partido. Havia naquela família dous escravos, uma mãe chamada Agar, e um filho chamado Ismael, os quais representavam com grande propriedade as duas diferenças dos que temos presentes. Agar, que quer dizer peregrina, era trazida da África, porque, como diz o Testo segrado, era egípcia: Ancilam aegyptiam momine Agar: E Ismael era nascido em casa do mesmo Abraão, como consta do mesmo Texto: Peperitque Agar Abrae filium. Tais são uns e outros escravos, os de que se compõe esta irmandade : uns chamados angolas, que são trazidos da África, outros que se chamam crioulos, e são nascidos e criados no Brasil em casa de seus senhores. É o que tinha prometido Isaías à nova Igreja convertida da Gentilidade, que uns filhos lhe viriam de longe, e outros se levantariam de seu lado."
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo
"Quem negará que sjão os homens filhos de Adão? Quem negará que são dilhos daquele primeiro soberbo, o qual não reconhecendo o que era , e querendo ser o que não podia, por uma presunção vã se perdeu a si e a eles? Fê-los Deus a todos de uma mesma massa, para que vivessem unidos, e eles se desunem: fê-los iguais, e eles se desigualam: fê-los irmãos, e eles se desprezam do parentesco : e para maior exageração deste esquecimento da própria natureza baste o exemplo que temos presente."
quinta-feira, 16 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão decimo nono
"Quando el-rei Faraó no Egipto teve em sonhos aquelas duas visões tão sabidas, uma, das vacas primeiro grossas, e depois macilentas; outra, das espigas primeiro gradas, e depois falidas; chamado José para interpretar estas visões ou sonhos que verdadeiramente foram proféticos, respondeu, que o sonho do rei era um só: Somnium regis unum est. Mas se os sonhos tinham sido dous, e as cousas ou figuras que o rei vira em cada um deles, eram tão diversas, como diz José que era um só sonho? Porque ainda que eram dous nos acidentes, era um só na sustância; ainda que eram dous no que se vira, era um só no que significavam."
do p.A.Vieira - no sermão decimo nono
"Qual é o maior mistério da natureza? É a composição do contínuo, ou da quantidade, em que toda a filosofia até hoje mais soube pasmar que definir. Porque sendo próprio da quantidade o ser divisivel, ou poder-se dividir, de tal modo se compõe de partes qualquer quantidade, que por mais que se divida em infinito, em nenhuma parte se pode dividir tão pequena, que essa mesma parte não seja divisível e se possa dividir em partes. E porque a propriedade da quantidade é poder-se sempre dividir, e a propriedade do amor é querer-se sempre dar todo; por isso mediu, e proporcionoue o Senhor o todo do seu corpo com as partes da quantidade da hóstia, para que assim como as partes se podem sempre dividir, assim o seu corpo se pudesse sempre multiplicar. A hóstia em qualquer parte sempre divisivel em partes, e o corpo debaixo de qualquer parte sempre muitiplicável em todo."
quarta-feira, 15 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão decimo nono
"Nenhum corpo há no mundo, ainda que seja tão grande como a Terra e o Céu, ou tão pequeno e tão mínimo como um átomo, que esteja todo em todo, e todo em qualquer parte do mesmo todo. E a razão não é outra, senão porque é corpo. Estar todo em todo, e todo em qualquer parte, é propriedade só dos espíritos; e assim está em nós a nossa alma. Toda em todo o corpo, toda em um braço, toda em uma mão , toda em um dedo, e toda na menor parte dele."
do p.A.Vieira - no sermão decimo oitavo
"O documento que só tiro deste exemplo, é que vos guardeis, de que o vosso entendimento ou a vossa presunção vos lance no rio, e que vos pergunteis a vós mesmos, se é melhor ir pelo rio, ou pela ponte. Aquele rio largo, escuro, profundo e furioso, é o mundo: os que se vão a pique, são os que morrem de morte súbita: os que andam aboiados em figu as disformes, são os que morreram em tempos passados, de que temos tão lastimosos exemplos: os que vão arrebatados da corrente dar nos penhascos, são os que morrem de mortes violentas e desastradas: os que se deixam levar das águas, são os que vivem neste mundo sem consideração do outro, e no fim da vida se acham perdidos: os que finalmente chegam à ribeira vivos, são poucos, e todos despidos: poucos; porque são raros destes os que se salvam: e despidos ; porque de tudo quanto cá se adquiriu com tanto trabalho, com tanto desvelo, e com tantos perigos da alma, tudo cá fica, e nenhuma cousa se leva, senão os encargos. Vede agora, se é melhor nadar forcejando sempre, quando não seja naufragar neste rio; ou caminhar descansado por cima da ponte com toda a segurança que nos promete o ser obra daquela poderosíssima e riquíssima Senhora, que para Deus reunir e salvar o mundo, lhe deu todo o preço e cabedal, tirando-o das mesmas piedosíssimas entranhas, com que sumamente deseja nos salvemos todos."
do p.A.Vieira - no sermão decimo oitavo
"A potestade que Deus deu ao Sol: Solem in potestatem diei: tem duas jurisdições; a da luz, e a do calor; mas a do calor muito maior que a da luz, porque a da luz pára na superfície da Terra , onde alunia os homens; a do calor penetra as entranhas e centro da mesma Terra, onde gera, purifica e enriquece os metais. Essa é a energia com que disse elegantemente David, falanco do mesmo Sol: Nec est qui se abscondat a calore ejus: Não há quem se esconfa do seu calor. Parece que não havia de ser do seu calor, senão da sua luz; porque a luz é a que descobre tudo . Mas diz nomeadamente do seu calor, distinguindo-o da luz; porque tudo o que está debaixo da Terra esconde-se à luz do Sol; porém ao seu calor nenhuma cousa se pode esconder, por mais que a esconda e cubra a Terra. Lá se estende a sua eficácia, lá penetra, lá obra maravilhosos efeitos. Tais, diz S. Bernardo, são os poderes da Virgem Santíssima: Cujus radius universum orbem illuminat, cujus splendor, et perfulget in supernis, et Inferos penetrat, nec est, qui se abscondat a calore ejus. Não há, nem sobre a Terra, nem debaixo da Terra, quem se possa esconder a este soberano Sol; porque se com os raios de sua luz alumia todas as partes superiores da Terra, com a eficácia de seu calor penetra até os Infernos: Perfulget in supernis, et Inferos penetrat."
segunda-feira, 13 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão decimo oitavo
"Nos misterios gozosos se olha a alma para Cristo em um presepio; naquela pobreza esta´ vendo a sua cobiça, naquela humildade a sua soberba, naquele desabrigo e desamparo a sua comodidade, e o seu regalo. Nos misterios dolorosos se olha a alma para Cristo atado a uma coluna, naquela coluna esta´ vendo a sua inconstancia, naquelas cordas as suas liberdades, naquela desnudez as suas galas, naqueles cinco mil e tantos açoutes, os milhares de seus pecados. Nos misterios gloriosos se olha a alma para Cristo subindo ao Ceu naquela formosura esta´ vendo a fealdade de seus vicios, nalqieles resplandores as trevas da sua cegueira, naquela agilidade o peso de suas paixoes, e naquele entrar no Ceu o perigo de o perder para sempre."
do p.A.Vieira - no sermão decimo oitavo
"A insignia, que entre todos os que se chamam pontifices, distingue deles, e sobre eles o suma pontificado, e´ a tiara. Coroa a tiara uma so´ cabeça, mas compoe-se de tres coroas. E porque de tres? Para significar que e´ Coroa sobre Coroas, e que todas as do mundo lhe estao sujeitas. Assim o confessam, e protestam com humilde adoraçao todos os reis catolicos, beijando o pe´ ao sumo pontifice."
do p.A.Vieira - no sermão decimo oitavo
"Trunfante sobre esta infernal vitoria estava uma noite dormindo, o que tao poco vigilante pastor era do seu rebanho, quando arrebatado em visao se achou subiTamente no meio de um rio largo, profundo, escuro e furioso, cuja corrente a espaços por penhascos e rochas talhadas se despenhava estrondosa e medonhamente. Aqui andavam nadando, ou mais verdadeiramente naufragando grande multidao de homens e mulheres de todos os estados: uns que soçobrados das ondas se afogavam, e iam logo a pique: outros que mortos ja´ de muitos dias, saiam acima aboiados em horrendas figuras: outros que arrebatados da corrente, eram arremessados com furia nos penhascos, onde se espedaçavam: outros que lutavam com toda a força e grandes ansias com o peso do impeto das aguas: e outros que ao som delas, onde mais mansamente corriam, se deixavam levar brandamente: e este era o estado mais perigoso, porque quase sem se sentir se achavam perdidos, sendo finalmente muito raros os que com grandissimo trabalho chegavam `a outra banda da ribeira, e todos despidos. No meio desta afliçao, ja´ desmaiado, levantou o bispo os olhos ao Ceu, e viu que `a mao direita havia uma formosa ponte, que atravessava o rio de parte a parte, pela qual caminavam seguros outro grande concurso de gente, homens, mulheres, meninos, todos alegres e cantando. E como advertisse que diante os ia guiando uma pessoa veneravel, e pelo habito branco e manto preto reconhecesse que era o mesmo pregador, que ele perseguia: Valei-me, Santo, que ja´ vos confesso por tal, disse a grandes brados: Valei-me que me afogo. Pois afoga-te, e chama agora pelos teus pensamentos subidos, que te subam `a ponte. Assim lhe puderadizer, e com muita razao, o pregador das vulgaridades. Mas como os Santos se vigam fazendo bem a quem lhes faz mal, ele foi o que o subiu milagrosamente, e o introduziu na ponte com os demais."
do p.A.Vieira - no sermão decimo oitavo
"Havia naquela provincia um bispo muito presumido de seu saber, mas de muito pouco zelo e espirito. Este, em lugar de agradecer ao Santo o pasto tao divino que dava a suas ovelhas, e o ajudar na pregaçao e propagaçao daquelas novas do Ceu, a que podemos chamar o Evangelho da Virgem Maria; começou em publico e em particular a desfazer e desacreditar os sermoes do grande apostolo, dizendo, que em vez de pregar pontos mui subidos do Evangelho, pregavca aquelas vulgaridades, e em vez de levar ao pulpito estudos e pensamentos novos, que ninguem tivesse ouvido, ia ensinar o padre-nosso e a ave-maria, que os meninos sabiam. Vede quanto a paixao e´ cega, e a presunçao ignorante! Como se houvera pontos mais subidos que os misterios da encarnaçao do Verbo Eterno e da redençao do genero humano! Como se houvera meditaçoes mais divinas que as da vida e morte do Filho de Deus! Como se houvera oraçoes mais excelentes que o padre-nosso ditado por Cristo, e ave-maria por um arcanjo! Como, finalmente, se houvera doutrina mais evangelica que a memoria das graças e beneficios altissimos, que Deus em Pessoa nos veio trazer e fazer ao mundo: a qual memoria, Ele no fim de sua vida nos encomendou e encarregou sobre tudo!"
do p.A.Vieira - no sermão decimo oitavo
"Marco Varro, mais antigo que Marco Túlio, e o maior e mais erudito mestre da língua latina, declarando no Livro quarto a etimologia donde foi tomado e teve origem este nome pontifex: diz, que pontífice é o mesmo que pontem faciens : o que faz ponte: e que a ocasião de chamarem assim aos sumos pontífices, instituidos em Roma por Numa Pompílio, foi a Ponte Sublícia edificada pelo sumo pontífice Anco Márcio, obra tão celebrada naquele século ainda rude, que a ele lhe deu o nome, e depois se perpetuou em seus sucessores. Donde também o tomou, com a lingua, depois da vinda de Cristo, a Igreja Romana. Teodoro Estuditachamou à Virgem, Senhora nossa: Pons securus Christianorum: Ponte segura dos cristaos. Venancio Fortunato: Pons ad penetrandos polos: Ponte que chega e alcança de polo a polo. S. Proclo: Pons, per quem Deus ad homines descendit: Ponte pela qual Deus desceu aos homens. E bastam estas autoridades, tao graves e tao justamente aplicada `a Senhora com o nome expreso de ponte, e tantas vezes repetido, para prova do meu intento? Nao bastam; porque nenhum destes autores chega a dizer o que eu digo. Para ser pontifice nao basta ser ponte, e´ necessario fazer ponte: pontem faciens: e esta e´ a que a Senhora fez quando instituiu o seu Rosario, e nao so´ disse que a fizera, senao que a mostrou feita."
do p.A.Vieira - no sermão decimo oitavo
"A eleição ou escolha cumummente diz unidade, e supõe multidão, porque de muitos se escolhe um; porém quando o escolhido é tão singular e único, que não tem oposição, a glória da eleição é a unidade: é ser escolhido, não como um de muitos, senão como um e só. Se no céu entre os astros se houvera de fazer eleição, como havia de ser escolhido o Sol? Não havia de ser escolhido como comparado, senão como úmico."
sábado, 11 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão decimo sétimo
"Porque muitas vezes quando a mulher sai a rezar o Rosário, ou, como se diz vulgarmente, o Terço, mais sai a sair, que a rezar."
do p.A.Vieira - no sermão decimo sétimo
"Os príncipes dão dous géneros de audiência, uma geral e pública, outra particular e secreta. A geral e pública pertence à majestade, e à justiça; a particular e secreta é própria da familiaridade e do favor: a geral e pública é para todos; a particular e secreta é só para os privados e validos, que gozam os privilégios da graça, e são participantes dos arcanos do príncipe. E tal é a grata e interior audiência, em que Deus ouve e se comunica aos que na oração secreta e retirada tratam só por só com Ele. Que valido há que não possa mais com o rei em uma hora do gabinete, que todos os vassalos da monarquia, ainda juntos em cortes? José só podia mais com Faraó, que todos os conselheiros e ministros do Egipto: Daniel só podia mais com Dario, que todos os sátrapas dos Persas e Medos: Amanso, e depois Mardoqueu só, podiam mais com Assuero, que todas as cento e dezassete províncias, de que era monarca. E não é menor o poder e valia que tem com a Majestade Divina todo aquele que a portas cerradas trata só por só com Deus, não no gabinete do mesmo Deus, senão no próprio: Intra in cubiculum tuum et ora."
do p.A.Vieira - no sermão sétimo
"A união de muitos juntamente congregados faz número e multidão, mas não faz grandeza."
do p.A.Vieira - no sermão decimo sétimo
"A mulher louvou o Filho pela Mãe, e a Mãe pelo Filho: porem a turba nem louvou o Filho, nem louvou a Mãe. Assim se dividiram em partes contrárias, a mulher e a turba: e assim havia de ser, para que o louvor ficasse inteiro. Antes digo, que tanto louvou a turba em não louvar, como a mulher louvando: porque se a turba tambem louvara, ficava o louvor desautorizado e suspeitoso. Os louvores da turba não só são turbados, mas turbulentos, que tal é o seu juizo. Quereis saber, diz Séneca, o que é , não só pior, mas péssimo neste mundo? Vede o que segue e ouvi o que diz a turba, e daí fazei argumento: Argumentum pessimii turba est. Esta é a razão , porque levantando a voz a mulher discreta, não houve uma só língua, que a seguisse. Ou foi, porque reprovaram o que dizia, ou porque temeram de o aprovar. Se porque o reprovaram, foi erro; se porque temeram, covardia; e tudo isso é ser turba, multidão sem juízo e sem valor."
sexta-feira, 10 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão decimo sexto
"Tanto que Deus aparecer no mundo tao pequeno como um cordeiro, como eu O hei-de mostrar com o dedo, os montes, e outeiros se hao-de abater, e derrubar por ei mesmos, e encher os vales, e nao ha´-de haver altos e baixos na Terra, tudo ha´-de ser igual. E que montes e outeiros sao estes? Os montes sao os da primeira nobreza, e do primeiro poder; os outeiros sao os da segunda. E posto que na cristandade temos exemplos de alguns, que voluntariamente se abateram, os demais estao fora disso e os mesmos vales tambem, que os vales aspiram a ser outeiros, os outeiros a ser montes, os montes a ser Olimpos, e exceder as nuvens. Mas nem por isso estao mais perto do Ceu, senao muita mais longe, O Baptista disse: Omnis mons et collis: falando de todos: e por isso se enganou nas suas esperanças."
do p.A.Vieira - no sermão decimo sexto
"E qual foi o estado que Cristo escolheu neste mundo? O de pobre, o de humilde, o da condiçao infima e plebeia, querendo o Filho de Deus ser reputado por filho de um oficial: Fabri filius: e ajudando a ganhar o pao com o trabalho de suas maos, e o suor do seu rosto. Logo o que veste a samarra no monte, o que rompe a terra com o arado no campo, o que maneja a serra, ou outro insrumento mecanico no povoado, esta gente humilde e popular, sao as que Deus comummente predestinou para no Ceu lhe trocar a fortuna. Vede-o nas acçoes ou afectos deste mesmo Evangelho. Houve quem admirou, houve quem louvou, houve quem blasfemou o milagre: mas quais foram uns e outros? Os que blasfemaram, foram so´ os grandes e poderosos, os escribas e fariseus: os que admiraram e louvaram, todos foram do povvo. Os que admiraram, do povo: Admiratae sunt turbae, os que louvaram, ou a que louvou, do povo: Extollens vocem quaedam mulier de turba."
do p.A.Vieira - no sermão sexto
"Porque os grandes e poderosos teem muita materia, e muita liberdade para os vicios; os pequenos e que pouco podem, ou pouca ou nenhuma."
do p.A.Vieira - no sermão decimo sexto
"Escrevia S.Paulo aos Corintios, cuja republica na ciencia politica, na grandeza, na nobreza, na riqueza, e no luxo e fausto dos poderosos, competia com Roma, e se chamava a Roma da Grecia: e para que esta ponpa exterior da fortuna os nao enganasse e desvanecesse, como costuma, manda-lhe o Aapostolo, que abram os olhos, e que os ponham: em que? Nao na inconstamcia e pouca duraçao de tudo o que resplandece e parece grande no mundo, senao na sua vocaçao: Vildete vocationem vestram. A vocaçao dos Corintios era a da fe´ e do cristianismo, a que Deus os tinha chamado, e eles tinham recebido. E nesta vocaçao, que e´o que haviam de advertir e notar? Cousa damiravel! Que nao chamara Deus a ela, nem a muitos sabios segundo a carne, que sao os politicos, nem a muitos poderosos nem a muitos nobres: Quia non multi sapientes secundum carnem, non multi potentes, non multi nobiles. "
do p.A.Vieira - no sermão dexto
"Isto mesmo que aqui pregaram os demonios, e´ o que pregou e ensinou Jesus Cristo. Nao chamou bem-aventurados os grandes, senao os pequenos: nao os ricos,k senao os pobres: nao os que riem , senao os que choram: nao os abundantes e fartos, senao os faminatos: nao os que passam a vida em prazeres e delicias, senao os que padecem: nao os estimados e adorados, senao os desprezados e perseguidos. Que muito logo, que dos que em tudo seguem, amam, estimam, professam e idolatram o contrario, esteja cheio o Inferno, e sejam muito poucos os que se salvam? Ja´ que nao somos cristaos pela fe´ de Cristo, porque o nao seremos ao menos pelos desenganos do Demonio?"
quarta-feira, 8 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão decimo sexto
"Oh cegueira! oh miséria! Oh frieza e esquecimento da fé! De sorte, que as grandezas, as nobrezas, as riquezas, que tanto procuram os que são, ou desejam ser poderosos, e o fim porque desejam os mesmos poderes, estes são os meios certos, por onde negoceiam e solicitam sua condenação, os que neste mundo se têm por maiores e melhores que os demais. Os outros requerem diante deles, e eles são perpétuos requerentes do seu próprio inferno; e quanto mais bem despachados, tanto mais mofinos. Tão cegos, porém, com o fumo desta vaidade, e tão saboreados deste enganoso veneno, que não só vivem alegres e contentes na sua miséria, e dão graças àsua fortuna; mas desprezam e têm por vil a dos que eles com a falsa voz do mundo chamam gente de baixa condição, sendo estes, aqueles verdadeiramente bem-aventurados a quem Cristo prometeu o Reino do Céu."
do p.A.Vieira - no sermão decimo sexto
"Quais eramm entre todos os cristãos, os que mais se condenavam? E se dos seus companheiros, e dos de seu irmão Francisco, havia também alguns no Inferno? Quanto à primeira parte responderam a multidão dos demónios na voz de um, que falava por todos, desta maneira: dos nobres, dos poderosos, dos ricos e regalados, assim homens, como mulheres, temos grande nmero; porque a soberba, a ambição a inveja, a vaidade, o luxo, os deleites da carne, e os outros vícios que com estes se acompanham, em que continuam sem arrependimento nem emenda até à morte, e os danos que fazem com seu poder, aos pequenos, que raramente, ou nunca restituem, os levam quase todos ao Inferno. Porém da gente popular, humilde, e dos rústicos do campo em respeito deste grande número, são muito poucos os que se condenam; porque ainda que não sejam santos, a sua pobreza, e o trabalho de suas mãos, com que sustentam a vida, e lhes leva todo o cuidado, os livram de muitos pecados, e dos mais graves, em que é fácil a penitência."
do p.A.Vieira - no sermão decimo sexto
"Com razão comparou o seu evangelho a divina sobedoria de Cristo a um tesouro escondido no campo. Uma cousa é a que todos vêem na superfície, outra a que se oculta no interior da terra: e onde menos se imaginam as riquezas, ali estão depositadas escondidas. Não as descobre quem mais cava, só as achou quem teve maior ventura: e isto é o que me aconteceu (de que dou as graças à Virgem Santíssma) com o presente evangelho hoje. A ocasião porque foram ditas as palavras que propus, foi aquele famoso milagre, vulgarmente chamado do demónio mudo: e deste caso, ao parecer tão diverso, nos deixou escrita o evangelista toda a história do Rosário e seus progressos, e não por aloegorias oou metáforas, senão própria e literalmente. Ali temos literalmente a primeira origem deste soberano invento: ali a guerra obstinada, que logo lhe intentou fazer o demónio: ali as vitórias que por meio dele alcançamos contra o Inferno: e ali finalmente, o panegírico e louvores que devemos a Cristo, e sua bendita Mãe, como autora de tâo frande obra: Beatus venter, qui te portavit.
do p.A.Vieira - no sermão de Nossa Senhora do Rosário
"Quer dizer: não consentir que as cousas grandes estejam indigestas, nem escondidas ou amontoadass na confusão de um acervo, mas descobri-las e manifestá-las com diferença e distinção de nomes, e pôr cada uma delas em seu próprio lugar, tal obra como esta é de ânimo cerdadeiramente divino."
do p.A.Vieira - no sermão de Nossa Senhora do Rosário
"Maravilhosa foi a visão que teve em sonhos Faraó rei do Egipto, quando viu aquelas catorze vacas, sete das quais eram fortes, corpulentas e pingues, e as outras sete fracas, secas e macilentas. E o que muito acrescentava a razão da maravilha, e ainda o temor que concebeu o rei, foi que todas pastavam nos mesmos campos e ribeiras do rio Nilo, e essas não secas, mas verdes: Et pascebantur in ipsa amnis ripa in locis virentibus."
sexta-feira, 3 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão de Nossa Senhora do Rosário
"E a flor que nasce entre espinhas, quem pode duvidar que é a rosa, e não o lírio? Assim o comenta no mesmo verso a lição e exposição caldaica, dizendo: Comparata sum rosae, quae inter spinas germinat. Quanto mais que o nosso mesmo texto o significa bem claramente, porque havendo de servir estas flores de cercado ou valado ao trigo, Vallatus liliis, mal o podia defender a sebe dos lírios, que são flores inocentes e desarmadas. As rosas, pelo contrário sim; às quais como nasceram para rainhas das flores, desde logo lhes deu a natureza os espinhos, como por arqueiros e guarda da majestade; por onde disse Boécio: Armat spina rosam: e assim como esta as guarda e defende a elas, podia também cercar e defender o trigo."
do p.A.Vieira - no sermão decimo quarto
"Os filósofos antigos, definindo a verdadeira amizade, qual naquele tempo era, ou qual devia ser, disseram: Amicus est alter ego: O amigo é outro eu. Logo enquanto o amigo é eu, ego ; eu e ele somo um: e enquanto ele é outro, alter, ele e eu somos dous, mas ambos os mesmos, e isto é o que obrou sem milagre, por transformação recíproca, o amor de Jesus em João. A mesma antiguidade nos dará o exemplo. Depois da famosa vitória de Alexandre Magno contra el-rei Dario, foi trazida a rainha mãe diante do mesmo Alexandre, a cujo lado assistia seu grande privado Efestião. E como arainha fizesse a reverência a Efestião,cuidando que ele era o Magno, por ser mais avultado de estatura, e avisada do seu erro, o quisesse desculpar, acudiu Alexandre, como refere Cúrcio, com estas palavras: Non errasti mater, namque; et hic Alexander est; não errastes, senhora, porque este também é Alexandre. Assim o disse o grande monarca, mais como discípulo de Aristóteles, que como filho de Filipe. E se o amor (que eu aqui tenho por político e falso) ou fazia ou fingia que Alexandre e Efestião fossem dous Alexandres: Namque; et hic Alexander est; o amor verdadeiro e sobrenatural da parte de Cristo divino, e da parte de João mais que humano, porque não fariam que Jesus e João fossem dous Jsus? Não há dúvida que naquele passo estavam dous Jsus no Calvário, um na cruz, outro ao pé dela."
do p.A.Vieira - no sermão decimo quarto
"Mas que fará cercado das mesmas obrigações, tantas e tão grandes, quem não só falto de semelhante espírito, mas novo, ou noviço, no exercício e na arte, é esta a primeira vez que subido indignamente a tão sagrado lugar, há-de falar dele em público? Vós, soberana Rainha dos anjos e dos homens, e Mãe da sobedoria incriada (a quem humildemente dedico as promícias daquelas ignorâncias que ainda se não podem chamar estudos, como única protectora deles) pois o dia e assunto é, Senhora, de vossos maiores mistérios, Vos dignai de me assistir com a luz ou sombra da graça com que a virtude do Altíssimo no primeiro de todos Vos fez fecunda: Ave Maria."
do p.A.Vieira - no sermão decimo terceiro
" Era Jacob cristao na fe´, mas mau cristao na vida; porque a trazia engolfada nas ondas, e embaraçada nas redes daquele mar em que se pesca a fazenda alheia, e nao se lava a consciencia propria."
do p.A.Vieira - no sermão decimo terceiro
"E que importa que o advogado seja justo, se o reu e´ pecador? Se um reu fosse acusado de ladrao, ou de homicida, ou de perjuro, seriam boas contraditas do advogado que o defendesse, dizendo: provara´ que o advogado do reu nao matou, provara´ que o advogado do reu nao jurou falso. Pois se este modo inaudito de advogar seria uma cousa ilusoria, e mais de riso que de defesa; como nos anima S. Joao com dizer que se pecarmos, o nosso advogado e´ justo? Que importa que o meu advogado seja justo e inocente, se eu sou culpado?"
do p.A.Vieira - no sermão decimo terceiro
Talentos antigamente significavam certa soma de dinheiro, grande: hoje os talentos significam prestimos; e posto que se lhes mudou a significaçao, nao se variou o significado. Quem tem muito dinheiro, por mais inepto qu seja, tem talentos e prestimo para tudo: quem o nao tem, por mais talentos que tenha, nao presta para nada."
do p.A.Vieira - no sermão decimo segundo
" Cale-se logo toda a presunçao humana; emudeçam arbitrios e discursos faceis de escrever, mas impossiveis de executar: e no´s, desenganados e convencidos pela evidencia dos olhos, conheçamos e confessemos aque so´ do Ceu nos pode vir o certo e infalivel remedio, que e´o que a Rainha do mesmo Ce´u nos promete glorioso no seu Rosario."
do p.A.Vieira - no sermão decimo segundo
"Nao e´ a mesma cousa um leao morto, que vivo: e tao vivo, vigilante e armado, como o que a nossa fantasia nao desenganada com tantas experiencias espera ou presume vencer. Olhemos-lhe bem para os dentes, e para as unhas. Assim se hao-de conquistar tantas fortalezas no mar e na terra, tao regularmente edificadas, tao abundantemente providas, tao artilhadas, tao presidiadas, e nao so´ nas fortes muralhas, mas nos fossos, nas estacadas, e com todo o genero de fortificaçoes exteriores tao defendidas? Assim se desprezam os cabos tao experimentados em outras guerras, e tantos e tao luzidos regimentos criados e envelhecidos na disciplina militar, vestidos e armados, e nao despidos, sustentados das praças, e adegas de Amsterdao, e nao mortos de fome? Finalmente, assim se ha´-de recuperar uma provincia mais estendida que muitos reinos, cujas leguas se contam a centos, cujas terras se ganharam a palmos, cujos rios a cortam, cujos portos a fecham, cujos mares abertos a todos os ventos, e o fundo que nao sofre amarras, e come as ancoras, a defende e segura de largo sitio?"
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