sexta-feira, 24 de junho de 2011
do p.A.Vieira - no sermão vigésimo terceiro
"Suposto pois que na nossa experiência, por abuso, seja mais poderosa a mentira que a verdade; e na sentença de Zorobabel, por razão, seja mais poderosa a verdade que todo outro poder: segue-se porventura daqui, que a cousa mais poderosa do mundo, ou bem, ou mal governado, seja quaquer delas ? Não. Porque ainda há no mundo outra cousa mais poderosa. E qual é ? A necessidade. A necessidade, a pobreza, a fome, a falta do necessário para o sustento da vida, é o mais forte, o mais poderoso, o mais absoluto império, que despoticamente domina sobre todos os que vivem. Não há cousa tão dificultosa, tão árdua, tão repugnante à natureza, a que a não obrigue, a que a não renda, a que a não sujeite, não por vontade, mas por força e violência, a duríssima e inviolável lei da necessidade. A necessidade é que leva o soldado à guerra e a escalar as muralhas, onde vendo cair uns a ferro e voar outros a fogo, avança contudo e não desmaia. A necessidadee é a que engolfa o marinheiro nas ondas do oceano: elas com os naufrágios à vista e ele com tal ousadia que metido dentro em quatro tábuas, se atreve a pelejar, não só com os ventos e tempestades, mas com todos os elementos. A necessidae é a que mete, ou precipita o mineiro ao mais profundo das entranhas da terra e sem temor que as mesmas montanhas, que tem sobre si, caiam e o sepultem, ele lhe cai cavando as raizes e sangrando as veias. Finalmente com mais ordinário e geral desprezo da vida e da saúde, quem faz que o lavrador não tema os regelos do inverno, nem o segador as calmas ardentes do estio, nem o pastor os dentes do lobo e do urso e em muitas partes as unhas do leão e do tigre, senão a necessidade ? E posto que uns e outros tantas vezes perecem en tão conhecidos perigos; a mesma necessidade com implicação manifesta da própria conservação, é a que para sustentar a vida os obriga a perder a mesma vida. Até o pobre e atrevido ladrão, que desde o primeiro passo, com que salteou os caminhos, começou a caminhar para a forca, se ao pé dela lhe perguntam, quem o trouxe a tão miserável estado, responde com o laço na garganta, que a necessidade. E para que ninguém se admire deste grande poder da necessidade sobre todos, a razão é, diz o provérbio, porque todos os outros poderes são sujeitos às leis e só a necessidade não tem lei: Necessitas caret lege."
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