domingo, 19 de junho de 2011

do p.A.Vieira - no sermão vigésimo

"Quando os portugueses apareceram a primeira vez na Etiópia, admirando os etíopes neles a polícia europeia, diziam: tudo o melhor deu Deus aos europeus, e a nós só a cor preta. Tanto estimam mais que a branca a sua cor! Por isso , assim como nós pintamos aos anjos brancos e aos demónios negros; assim eles, por veneração, aos anjos pintam negros, e aos demónios, por injúria e aborrecimento, brancos, ninguem haverá que não reconheça e venere na cor preta duas prerrogativas muito notáveis. A primeira, que ela encobre melhor os defeitos, os quais a branca manifesta e faz mais feios; a segunda, que só ela não se deixa tingir de outra cor, admitindo a branca a variedade de todas: e bastavam só estas duas virtudes para a cor preta vencer, e ainda envergonhar a branca. Mas das cores só os olhos podem ser juizes. Vejamos o que eles julgam ou experimentam. Os filósofos buscando as propriedades radicais com que se distinguem estas duas cores extremas, dizem, que da cor preta é próprio unir a vista, e da branca disgregá-la e desuni-la. Por isso a brancura da neve ofende e cega os olhos. E não é isto mesmo o que com grande louvor dos pretos, e não menor afronta dos brancos, se acha em uns e outros? Dos pretos é tão própria e natural a união, que a todos os que têm a mesma cor, chamam parentes; a todos os que servem na mesma casa , chamam parceiros: e a todos os que se embarcaram no mesmo navio, chamam malungos. E os brancos? Não basta andarem meses juntos no mesmo ventre, como Jacob e Esaú, para se não aborrecerem; nem basta serem filhos do mesmo pai e da mesma mãe, como Caim e Abel, para se não matarem. Que muito logo, que sendo tão disgregativa a cor branca, não caibam na mesma congregação os brancos com os pretos?

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